“Carga viva” e a vida que resiste
Sem perder a regra da narrativa, a mudança, esse texto é um animal desconhecido, e levanta boas questões, e vitais.
https://www.blogletras.com/2025/08/carga-viva-e-vida-que-resiste.html
“Carga viva” e a vida que resiste
Sem perder a regra da narrativa, a mudança, esse texto é um animal desconhecido, e levanta boas questões, e vitais.
https://www.blogletras.com/2025/08/carga-viva-e-vida-que-resiste.html
"The Rime of the Ancient Mariner" de Samuel Taylor Coleridge
Marinheiro de olhar louco
Ele, um dos três segura
Barba branca, olho em fogo
"Me solta, que loucura!
No Casamento sou recebido!
Sou parente, não molesta!
Convidados, banquete servido
Escuto a bela festa!"
Firme segura com mão feroz
"Era um navio, uma vez!"
"Solta, monstro do mar!"
A mão se abre com aquela voz
Mas os olhos incendeiam
Senta para ouvir a história
Como criança pequena
Vence o marinheiro, e fala:
"Aplaudido o navio parte, o porto suspira,
Descemos com o alegre sol
Deixamos a igreja, deixamos colina,
Descendo e passando o farol."
Afonso Lima
Aquelas casas antigas do centro era onde o calor não fazia curva, o samba acontecia e a poesia rolava.
O sambista tinha finalmente comprado um apartamento. Pesquisa de doutorado, selecionando palavras pra viver, a música.
No andar de baixo, local fechado há décadas, a lenda dizia que houve um comércio. Briga de família, alguém rouba alguém.
Um dia, ele percebeu uma estranha hera (a folha como carvão) subindo pelas paredes do térreo. Pensou que devia chamar alguém, e os dias passaram.
Duas semanas depois, um braço daquela planta foi vista no balcão. Havia um show próximo, seguia.
Um dia, acorda sentindo um caminhar no pescoço. Dorme outra vez.
Ao fazer a barba, sente a ardência.
Precisa ir no postinho. Uma hora. Já na porta pra sair, percebe que a gata pisa em alguma coisa.
Ao ver a aranha grande, muda de rota, acaba internado.
Dois dias depois, resolve observar o braço da hera escura. Arromba a porta do térreo ao pé da escada.
A planta vem de um canto úmido. Cava.
Os ossos eram antigos.
A arqueóloga disse que era um cemitério de gente que morreu no sequestro colonial.
Versos sobre a terra.
Na roda de samba, pede um minuto de silêncio por aquelas almas.
Afonso Lima
para Roberto Beltrão
Era um tempo no qual cortavam os pedaços dos indígenas para dar pro gado.
Em 1591 na Capitania de Pernambuco, o Tribunal do Santo Ofício queimou viva uma mulher judia - dela ficou intacta nas cinzas apenas uma perna.
Ao morrer, ela lançou uma maldição sobre a cidade, a maldição criou um portal trazendo seres invisíveis de outra dimensão que passaram a aproveitar-se da escuridão para chutar pessoas até a morte (a maioria agonizava no chão se esvaindo lentamente, outros desapareciam na noite), enquanto recebiam sacrifícios da nobreza satanista. Nos anos 1970, humanos foram treinados para fazer o mesmo.
Essa foi a origem da lenda da macabra perna fantasma que ataca pessoas nas sombras do Recife, mas pode ter sido outra a história.
Afonso Lima