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quinta-feira, dezembro 24, 2020

domingo, dezembro 20, 2020

Dramaturgia - Estado de emergência

Dramaturgia: Afonso Junior Ferreira de Lima e Sandra Vilchez

Carro.

Prólogo

Notícias do dia, coladas nas janelas. Do lado de dentro e do lado de fora.

- Deputada que falar contra o machismo vai ser morta! Anuncia partido do presidente.

- Último povo indígena exterminado com sucesso na floresta amazônica.

- Campo de trabalho forçado para professores foi inaugurado na última sexta-feira.

- Conselho de Direitos Humanos distribui uniformes azuis nas escolas prometendo que os

meninos nunca virarão meninas.

- Policiais recebem “licença para matar” todas as 24 cores de pele do Brasil, menos uma.


Cena 1

Mulher 2, de moleton e tênis, entra no carro. Olha as notícias coladas nas janelas.

Batidas na janela. Mulher 2 abre a porta. Entra Mulher 1, de salto alto, chapéu, frasqueira.


Mulher 1- Pára o carro!


Mulher 2- A gente nem saiu.


Mulher 1- Eu sei. Mas pára. Não to mais agüentando tudo isso.


Mulher 2- Isso o quê?


Mulher 1- Você. Sei lá. O trânsito.


Mulher 2- A gente não saiu.


Mulher 1- Por isso mesmo. É muito sufocante aqui dentro.


Mulher 2- Eu tenho pastilhas. As que refrescam.


Mulher 1- Eu não consigo respirar.




Mulher 2- Quando eu saio com o MEU carro, aquele incrível possante, eu me sinto muito bem.


Mulher 1- Eu não consigo respirar.


Mulher 2- Eu ligo o ar no talo. E o som. Liga o rádio no último volume.


Mulher 1 abaixa o som.


Mulher 2- Por que você abaixou o volume na melhor parte? Ela ia dizer que ama e que vai voltar.


Mulher 1- Eu não consigo respirar nesse trânsito com música.


Mulher 2- Nós estamos paradas.


Mulher 1- Mas há uma expectativa. Duas pessoas sentadas num carro. O arranque.


Tempo


Mulher 2- (Tira a chave da frasqueira) Então lá vai!


Mulher 1- Espera! Pra onde a gente vai?


Mulher 2- Dentro da frasqueira tem um envelope.


Mulher 1- Dentro do envelope há um endereço.


Mulher 2- Temos um alvo.


Mulher 1- E um GPS.


Mulher 1 abre o envelope.


Mulher 1- Por isso que eu não gosto de sair com você. Não tem nada escrito dentro do envelope.


Mulher 2- É feriado! Abre a frasqueira. Vasculha. Pega óculos escuros. Pronto. No feriado as pessoas se divertem. Vamos nos divertir! Liga o som.


Mulher 1- (Desliga) De que pessoas você está falando? Eu nunca me divirto em feriados. Fico entediada. Não tenho dinheiro. Eu quero sair daqui.


Mulher 2- Pois é. Todos querem sair deste lugar. Ainda mais agora.



Mulher 1- Agora o quê?


Mulher 2 – Nada. (Tira o moleton. Fica só de camiseta).


Mulher 1- Dá a partida! Você tem a chave.


Mulher 2- Eu?


Mulher 1- É. Você tem a chave o volante a embreagem o freio a buzina.


Mulher 2- Mas o carro é seu!


Mulher 1- Por favor! Eu não consigo.


As duas se olham. Mulher 2 não se mexe. Mulher 1 vai pra cima de Mulher 2. Embate. Elas trocam de lugar. As duas se olham.


Mulher 2- Se eu me sento aqui preciso do seu chapéu.


Mulher 1- Eu quero seus óculos de sol.



Cena 2


Mulher 1 com óculos de sol. Mulher 2 de chapéu. Mulher 2 tira da frasqueira folhas de papel com paisagens maravilhosas. Praia. Montanha. Deserto. Cola as paisagens nas janelas do carro.


Mulher 1- O que é que isso vai mudar?


Mulher 2- (Colando) A gente precisa se livrar do peso das notícias iniciais. Na vida real sempre existem janelas. E paisagens.


Mulher 1- Na vida real tem sempre uma janela aberta pra se jogar um pedaço de pão ou um abajur. Um cachorrinho ou carrinho de bebê.


Mulher 2- Ahn?


Silencio.


Mulher 2- Há um lugar! Aquele que todo mundo quer ir. Onde se contam carneiros

pulando acima de um arco-íris. Arranca!





Mulher 1- (Vendo o celular que tirou da frasqueira) Não posso. Acabei de ler mais uma. A bala atravessou a menina no trânsito. Ainda bem que não saímos daqui. Me parece mais seguro.


Mulher 2- Sim. Do lado de dentro.


Mulher 1- Ou do lado de fora? Ela estava do lado de dentro e...


Mulher 2- Me dá um medo de sair.


Mulher 1- Eles conseguiram. Me dá um medo de ficar.


Mulher 2- Dividiram a gente.


Mulher 1- Escolhem quem fica vivo e quem fica morto.


Mulher 2- Eu me recuso. Arranca!


Mulher 1- (Chave nas mãos) Você não ouve a imobilidade do ar. As folhas não dançam de um lado para o outro.


Mulher 2- Então?


Mulher 1- Eu vou! Tem um cigarro? Me dá mais coragem. Cinto de segurança, ok. Janelas fechadas, ok. Eu posso fumar?


Mulher 2- Se eles não se importarem?


As duas olham para o público no banco de trás.


Mulher 1- Ela, a menina de oito anos, do lado de dentro da Kombi, voltava pra casa com a sua mãe.


Mulher 2- Cheiro de fumaça no banco. Será que já somos o alvo?


Epílogo


Mulher 1 liga o carro. Tempo. O carro não sai.




Fim.




quinta-feira, dezembro 17, 2020

Live: William Blake e o gnosticismo


 

O Evangelho de Josefo

O livro do deserto dizia:

- O primo profeta do Rio, percebe a verdadeira natureza de Yeshua. Ele lhe protege com sua magia para que tenha uma nova chance. 

Angustiado, Yeshua parte pelo deserto. Ouve uma voz. Quer atirar-se do templo.

Ele começa a fazer perguntas. Juntam-se para ouvi-lo. Ele ensina a expulsar os demônios.

Condenado, Yeshua amaldiçoa o Céu, e é deixado para ser devorado pelas aves e feras.

Josefo sonha com um demônio, que o faz ir até o Palácio de Pilatos.

O Pai envia o Anjo da Presença, chamado Kristo, para conversar com Yeshua.

Eles viajam até o passado.

A Emanação viu que era Luz e queria ser o governante do mundo sombra.

O Pai o joga desde cima, e ele cai em um corpo de virgem. 

Yeshua recebe a tocha do Portador da Luz, que desaparece.

Josefo de Arimathea vigia o corpo na caverna, Kristo acorda, seu corpo brilha - Josefo engole a Tocha. 

Josefo é preso, tem visões, mas escreve suas memórias. 

Viaja ao Norte. 

*

Afonso Jr. Lima 

quarta-feira, dezembro 16, 2020

Traduzindo William Blake - A voz do antigo bardo

A voz do antigo bardo - de Songs of Experience - 1818


The Voice of the Ancient Bard

Youth of delight, come hither

And see the opening morn,

Image of truth new born.

Doubt is fled, & clouds of reason,

Dark disputes & artful teasing.

Folly is an endless maze,

Tangled roots perplex her ways.

How many have fallen there!

They stumble all night over bones of the dead,

And feel they know not what but care,

And wish to lead others, when they should be led.


*

Jovem em flor, vem cá

Veja a manhã que brilha 

Imagem da verdade agora-nascida


A dúvida fugiu, e as nuvens da razão,

Disputas sombrias e astuta provocação

A loucura, labirinto sem fim,

Raízes enredadas nos caminhos.

Quantos caíram nesse vão! 

Eles tropeçam a noite toda em ossos putrefatos

E sentem que nada sabem senão preocupação

E desejam liderar, quando deviam ser guiados. 


Versão: Afonso Jr. Lima 

sexta-feira, dezembro 11, 2020

quinta-feira, dezembro 10, 2020

quarta-feira, dezembro 09, 2020

Catalepsia

O primeiro golpe foi nos trabalhadores e minorias, tirando os representantes do povo com o voto da Assembleia dos oligarcas.

Segundo golpe foi na elite cosmopolita-banqueira para eleição do militarismo-religioso.

Assim, rapidamente, as mulheres foram subjugadas e estabeleceu-se uma sociedade de castas.

Ela, herdeira de uma família aristocrática, foi designada para acompanhar a expedição como cronista e tradutora.

O general era um homem atraente, melancólico, dado a explosões de fúria. Mas sabia agradar a seus homens. O que prometiam era acabar com a “cidade dos molestadores de crianças”, um reino do deserto.

Ela viu que alguém entrou em sua tenda na primeira noite no deserto. Sacou sua espada, mas foi dominada por dois outros homens.

O general a estuprou, deixando sobre a cama uma joia.

Ela tomou banho e não derramou nenhuma lágrima.

*

À medida que avançavam, ela ia se tornando mais e mais respeitada. Ela passara a buscar a companhia do general, o instruíra em saberes que só uma mulher rica podia chegar a conhecer.

- Não é, como em geral se traduz, apenas verdade. Catalepsia é a capacidade de unir o fantasma dos sentidos e o juízo correto, unindo os modelos prévios, a particularidade dos objetos e as regras lógicas de aceitação do real.

- Nós, homens da guerra, precisamos estimular aversão e evitar união, disse o general.

Por fim, chegaram próximos à cidade, os mensageiros enviaram uma flecha inteligente e deram dois dias para a cidade se render. Ajudava muito as imagens da destruição de Hubes. As mulheres foram vendidas como escravas, e os soldados que resistiram foram obrigados a mergulhar em água fervente.

Ela observava a cidade ao longe. Torres douradas. Parecia estranhamente calma. Era como se não houvesse mais ninguém.

- Onde estarão eles, ela perguntou a sua serva.

- Não sei senhora, mas podem estar em túneis subterrâneos.

- Que queres dizer?

- Sabemos que esse é o povo que tem o ouro, respondeu a mulher idosa.

- Eu nunca soube disso.

- Não são molestadores de crianças, disse a mulher. Quando eu era pequena, minha babá foi um deles. Foram os sacerdotes que criaram isso.

Ela não deixou transparecer sua emoção. Sabia que era um tipo de opinião que podia matar. Manteve o olhar firme e disse que precisava de um banho perfumado.

*

Ela deitou ao lado do general derramando seu perfume sobre a cama. Ela lhe fez uma massagem.

Fizeram amor, e ele dormiu. Luas finas iluminavam a madrugada.

Ela aqueceu o óleo quente.

Quando o homem gritou, ela enfiou um pano em sua boca.

Bolas de fogo começam a cair sobre o acampamento, gritos.
Ela saiu em meio ao tumulto com sua bagagem nas costas.

Afonso Junior Ferreira de Lima 

domingo, dezembro 06, 2020

A peste e as lentes

As setas de Apolo. Agora na mão do Pai de Cristo.

As pessoas abandonadas nas ruas.

Os religiosos no exército de vanguarda. As pulgas que habitam as ruas.

Eles estão na torre de sua casa.

O monge cientista e o médico. 

Famílias inteiras desaparecem nas cidades. 

O rei já solicitou aos professores da universidade uma explicação.

São os astros influindo na atmosfera, nada se pode fazer.

As lentes mostram que há germes. 

O monge cientista promete defender o amigo.

Um monge está inflamando a cidade com sermões sobre a penitência, sobre lembrar-se da morte e fugir do pecado.

A feira de domingo no cemitério traz os palhaços vestidos de Morte, bispos e reis com máscaras de caveira. 

- Compre tabaco! Uma boa nuvem ao seu redor pode afastar a praga!

O médico tenta convencer a multidão de que a doença veio em navios, de que é preciso fugir da gente, de que Galeno sabia menos que os modernos.

- Os astros que se cruzaram em 1345 não são a causa da pestilência no ar. Nem Deus quer nos punir.

As autoridades o levam até uma cela.

Ele desaparece sem deixar vestígios. 

O monge é punido com a transferência para as montanhas do Norte. 

Leva as lentes do amigo. 

Os aristocratas começam a culpar os judeus por envenenar a água.


Afonso Jr. Lima

Xenofobia en la calle Europa

Siempre me he enfrentado a los prejuicios contra los que tienen cabeza de escarabajo. Afortunadamente, la ley está de nuestro lado. Pero nadie puede evitar al dueño de una tienda de telas en una calle con casas antiguas del centro de Montevideo.

Mi solicitud fue extraña. Respondió algo más.

La anciana que apareció me gritó.

Intenté seguir mi compra. Dejé caer accidentalmente la tela del dispositivo colgante.

Gritando, el hombre se me acercó y me empujó. Olvidan que tenemos poderes psíquicos.

Salí de la tienda para evitar a la policía y llamé a mi amigo de cola oscura.

Se suponía que ese animal lo paralizaría durante días y bebería su sangre poco a poco hasta la muerte, a menos que el agujero que haría en su techo ayudara a que le cayera un poco de agua.

*

Afonso Jr. Lima



A xenofobia na rua Europa

Sempre enfrentei o preconceito das pessoas com os que têm cabeça de besouro. Por sorte, a lei está de nosso lado. Mas ninguém pode evitar um dono de loja de tecidos numa rua de casas antigas no centro de Montevidéu. 

Meu pedido era estranho. Ele respondeu outra coisa. 

A mulher idosa que apareceu gritou comigo. 

Tentei seguir minha compra. Sem querer, deixei cair o pano do mostrador no qual estava pendurado. 

Aos gritos, o homem veio para cima de mim e me empurrou. Eles esquecem que temos poderes psíquicos. 

Eu saí da loja para evitar a polícia, chamando meu amigo de cauda escura. 

Aquele animal iria paralisá-lo por dias e beber seu sangue aos poucos até a morte, a não ser que o furo que eu faria no seu teto ajudasse a cair um pouco de água. 

*

Afonso Jr. Lima



sábado, dezembro 05, 2020

Live: O Homem da Areia - de Ernst T. A. Hoffmann - 1817


 

Cartas de Teatro e Peste - SATYRIANAS 2020 - Episódio 1

Cartas de teatro e peste é um projeto lusófono transatlântico que junta dramaturgos vindos de Portugal, Brasil e Cabo Verde, em múltiplas histórias e palavras, para fazer e pensar o teatro em tempos de doença.

Dramaturgia/Vozes: Lisa Reis (Cabo Verde), Jorge Palinhos (Portugal), Armando Nascimento Rosa (Portugal) e Afonso Junior Ferreira de Lima (Brasil/Uruguai).

Direção: Mario Sergio Medeiros (Brasil).

Duração: 3 episódios de aproximadamente 7 min.
 


sexta-feira, dezembro 04, 2020

sábado, novembro 28, 2020

quinta-feira, novembro 26, 2020

quarta-feira, novembro 25, 2020

A sociedade sem reflexão

Goethe pensou numa literatura universal e escreveu seu "Divã ocidento-oriental". Uma coletânea do escritor persa Hafez, criada no século XIV, lhe trouxe essa ideia. Evitar o sentimento mecânico. 

Esse é o papel dos pensadores, colaborar com a necessidade de expansão do ser humano, enquanto os sistemas de dominação querem reprimir a percepção - visando exploração, expropriação e expulsão.

 A corporificação torna pouco criativo o sujeito portanto, pouco resistente. O não entender acaba criando a ab-reação violenta contra o estranho. Lembro de uma psicóloga dizendo nas redes que eu era "sonhador"; o mesmo que uma importante jornalista disse a um candidato progressita numa entrevista; a realidade seria apenas o valor naturalizado da elite branca. 

Isso chega ao ponto em que se quer policiais na política - sem pensar que a liberdade absoluta (o poder de matar e ameaçar) cria o crime. 

Como podemos ter tantas pessoas cumprindo tantas metas de produção - econômicas/acadêmicas - com tão pouca flexibilidade, tolerância e sabedoria? Nosso sistema produziu o tecnogênio - não só valorizou os saberes capazes de aumentar o capital imediatamente, como ocultou os saberes de convivência e do bem comum. 

E disse às Ciências Humanas que o mais importante é seu autor, seu artigo, sua tradução de um europeu. A mais perigosa ambição e reiteração é a intelectual. 

 A Academia é fundamental como centro de trocas e organização de disciplinas de estudo, justamente criando diálogos e quebrando o senso comum. O foco é o que permite a ampliação de um tema. Nenhuma vantagem se tem da ignorância, que apenas mantém preconceitos conservadores. 

Mas no modelo atual, a Academia também supervaloriza seu própio saber - a doença do quem sabe mais pode servir a uma guerra de status; sem uma reflexão constante, acaba-se reforçando a ideia de que aqueles que não detém esse saber oficializado seriam "inferiores", porque os mecanismos acadêmicos criam a sensação contínua de que "eu sei" e a legitimação de que "esse saber é válido", podendo enevoar o saber do outro. Você sabe, portanto você é importante. Como você é importante, você sabe...

Um especialista com completa alienação fora de sua área vale mais que uma pessoa capaz de compreender mil problemas do mundo ou criar relações com mil saberes simplesmente porque seu grupo fechado valoriza isso. Não estamos num momento em que o todo precisa ser entendido de forma urgente? 

A hiper-especialização também impossibilita a renovação das áreas - pois questões de outros lugares do saber trazem novas perspectivas. 

Também criamos com isso o endeuzamento "cortem-as-cabeças". 
Eu posso agredir porque importam meus problemas, e o sistema ao meu redor reforça meus valores (o livro europeu da moda é o centro do mundo, e quem não o leu está perdido). Erramos muito em não perceber outros problemas fora das nossas pesquisas. 

Apesar de núcleos que relacionam sociedade, psique e hábito coletivo, os psi brasileiros, em geral, acabam levados pela onda do conservadorismo e individualismo. Um exemplo contrário é como, no Uruguai, o estudante de Psicologia aprende sobre História da nação. É uma tentativa de fugir ao "positivismo darwinista". 

Claro que ajudou a deformação neoliberal da universidade - com corrida por pontos, cobrança por publicações e orçamento cada vez menor. Observo o mal tomar conta de acadêmicos iniciantes. Usando seu poder para dizer ao outro o quanto não é bom o suficiente - não é válido. 

Incorporando um sistema de dominação e aplicando aos outros. Não precisamos usar a Academia para criar uma nova elite produtora de desigualdades. Mas, se a universidade é tão atacada, é porque é uma barreira contra a dominação completa; a troca de experiências é fundamental para a inovação e a formação do ser coletivo. 

Precisamos da Academia para sermos mais - mais generosos, esforçados e inteligentes. E pensarmos em conjunto, lembando que o capitalismo é sem limites, e nós temos limites. 

Nosso sistema tornou invisível o que não gera lucro. Isso significa por exemplo, que inclusive a gestão pública obedece a ideia de ampliação contínua do lucro - o que levou à descoordenação do sistema de saúde privatizado na Itália contra o vírus mortal. A mídia no Brasil funciona também como uma ocultadora de problemas de gestão, e não como crítica das falhas. 

No Brasil, recentemente percebemos que o foco em saber técnico abstrato e o pouco saber sobre a sociedade a História levou à mecanização da personalidade que ajudou num linchamento político de massa e à negação da realidade, ao ódio à mudança, à colaboração na destruição do sistema político.

Como formamos essa massa educada e confortável capaz de votar tão mal? São questões complexas, mas vemos alguns pontos. A informação foi reduzida e manipulada em um nível extremo. Formamos castas e bolhas que nunca são questionadas em seus valores e crenças. 

A publicidade do modo de vida "eu" e a competição foram incentivadas - ao mesmo tempo focando em "crescer" e na "culpa individual" do que fracassa. Quando minha vida está em risco, não me preocupo com a vida do outro. 

Quando meu "lugar social" depende do meu corpo e do meu consumo, eu sou a beleza externa e a educação quantitativa que compra, o problema do outro perde importância. Assim surge uma parte da classe média que não quer mudar nada e acha incômodo e perigoso o movimento contra a desigualdade, não se importando se a Justiça criminaliza um inocente. 

E prejudica a economia queimando a Amazônia. Aos trabalhadores foi permitido ficar no conservadorismo mais brutal, para evitar contatos e rebeldias. Aos jovens é mostrado o quanto precisam de uma academia para o corpo perfeito e para serem técnicos perfeitos.

E tudo isso começa com a necessidade de expansão sendo abafada pela mecanização do pensar. 

Afonso Jr.

sábado, novembro 21, 2020

sexta-feira, novembro 13, 2020

quinta-feira, novembro 12, 2020

quarta-feira, outubro 28, 2020

O veneno

O governo tinha um programa especial de migração voluntária, no começo.

Seu pai era policial. Sua função era não deixar que as pessoas negras chegassem nas áreas brancas. 

Alguns animais apareciam caminhando à esmo, pássaros morriam batendo contra os vidros dos altos edifícios.

Não aconteceu no útero, seus neurônios não foram envenenados por sua mãe. Mas enzimas foram afetadas. 

Ela tinha seis anos quando comeu aquilo enquanto sua célula se dividia. 


Desde então, a menina começou perder a visão. 

Por fim, seus ossos se quebraram enquanto subia numa árvore, ela morreu em seguida. 

"Algumas pessoas estão com medo da própria sombra, estão pensando em queimar livros" - disse 

um artista.  


Sua mãe ouvira falar em espíritos que tomam cadáveres e os fazem caminhar. 

Buscou auxílio nas forças infernais.

A mulher atendia vários colegas do seu marido, políticos e homens de negócios, mas nunca haviam ido tão longe. 


Um espírito pediu que o pai trouxesse carne fresca para alimentar os seres sedentos. 

Ela retornou. 

A menina passou a viver no cemitério, onde a mãe ia todas as noites contar-lhe histórias. 

O espírito falou por sua boca e pediu que seu pai se tornasse político. 

- Vamos nos livrar das raças inferiores e cobrir de ouro nossos herdeiros. 

Precisavam de espaço. Animais. 

Eliminariam grande quantidade de pessoas. 

*

Afonso Juior Fereia de Lima

sábado, outubro 10, 2020

sexta-feira, outubro 09, 2020

sábado, outubro 03, 2020

pensar diferente

a humanidade não é só isso

confusão e 

viver no trilho

estende a mão

corre risco


não é só essa 

a humanidade quer mais

recusa a mentira

gente é conversa 


a humanidade será melhor

a dominação não permanece

a semente, pensar diferente

uma esperança nasce sempre 


Afonso Jr

sexta-feira, outubro 02, 2020

quinta-feira, outubro 01, 2020

Live: Epicuro / Epicteto

 


A família real

A menina não sabia que poderes eram aqueles. 

A família real do Brasil detêm os jornais e os sinais de satélite, censura as universidades e a internet. 

Ela foi eleita no mesmo ano que mataram o principal jornalista que denunciava o sistema paramilitar na política.

A menina descobriu um baú com fotos, mapas e manuscritos de sua família. 

O filho do presidente, pastor Américo, tornou-se presidente da Fundação Nacional para a Alegria.

Sua mãe desaparecera quando era tinha três anos. 

Primeiro, o jornalista havia perdido sua coluna no jornal, depois foi banido do Twitter, depois programas de TV e acadêmicos começaram a falar mal dele no jornal da noite. 

Os Meninos Brancos começaram uma série de explosões em jornais depois que o presidente lhes homenageou no Palácio Presidencial.

Juízes e jornalistas começam uma campanha contra os movimentos antiterroristas. 

A família real do Brasil é investigada pela sua ligação na morte do jornalista. 

A menina observava o mar à noite e treinava a capacidade de mover as bolas de fogo. 


Afonso Lima


domingo, setembro 27, 2020

Live: Judith Butler e a Teoria Queer

 


Dramaturgia - Coleção W Benjamin

 Coleção W Benjamin - 2013

(Baseado em relato de Hannah Arendt) 

O dizer e o ser na epistemologia grega - Mestrado em Filosofia (2002)

Afonso Junior Ferreira de Lima

Michel Foucault: A morte do sujeito e a arbitrariedade do saber como condição ética; 2002; 418 f; Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; Orientador: Pergentino Stefano Pivatto;

 O dizer e o ser na epistemologia grega 


Ciência, verdade, poder: um diálogo com Michael Foucault - Mestrado em Filosofia (2002)

 Afonso Junior Ferreira de Lima

Michel Foucault: A morte do sujeito e a arbitrariedade do saber como condição ética; 2002; 418 f; Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; Orientador: Pergentino Stefano Pivatto;

  

Volume 1 – Cap. 3

Ciência, verdade, poder: um diálogo com Michael Foucault 

Foucault contra o humanismo - Mestrado em Filosofia (2002)

 Afonso Junior Ferreira de Lima

Michel Foucault: A morte do sujeito e a arbitrariedade do saber como condição ética; 2002; 418 f; Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior; Orientador: Pergentino Stefano Pivatto;

Foucault contra o humanismo - vol. 1 - Cap. 2 


quarta-feira, setembro 23, 2020

Palavra

A palavra mente

o discurso abuso 

vergonhosamente

a palavra gira

a hieraquia 


Em melhores dias

palavra linda

que carrega água 

ainda que espelho

do espelho, cantada

quanta coisa puxa

de ser gente e soltar a mente

combinar o real 

com ela desfaço (a machado)

me acho, louvada seja

porque entrega

palavra é carta 

não palavra é fatal

palavra amiga 

nunca uma só

meu cipó de ser junto

para ser singular e 

inegual 


Afonso Jr. 

terça-feira, setembro 22, 2020

O filho de Sei

Um quarto com paredes de papel pintado com pinheiros e flores vermelhas. O vento traz o perfume das cerejeias em flor, o som do rio correndo próximo. A luz da lua entra através das cortinas de tecido azul translúcido e ilumina as almofadas coloridas ao redor do leito de Sei. Ela está sentada no chão, escrevendo poemas na sua mesa baixa, ao lado da lamparina à óleo. Ouve os grilos da noite e isso lhe traz uma alegria sutil. Ouve um barulho como se alguém tivesse pisado no degrau da entrada, depois pensa ter se enganado. Sei sente seus longos e negros cabelos arrepiarem-se, mas decide controlar seu coração. Vemos a sombra de um ser que caminha com dificuldade, longos dedos de ossos que abrem a cortina azul. A cabeça alaranjada de um morto, a mandíbula e o alto do crânio de um laranja mais forte, como vários tons de carne podre, o branco dos olhos com nervuras vermelhas, órbitas negras. Um vapor fétido toma o lugar do aroma das cerejeiras.

O filho do demônio é um senhor cruel. 
Os demônios estão com ele nas batalhas. 

Afonso Lima 


domingo, setembro 20, 2020

O despertar

O quarto meu. A casa com a qual viajo pelo universo. 

Ninguém sabia que - quando o Senhor falou as palavras que despertaram o pobre Lázaro - João as havia anotado. 

E João as escondeu da melhor forma possível, dentro de um pergaminho. 

E eu descobri a verdade. Eu criei meu grupo de Amazonas. 

E, agora que meu quarto está em chamas, eu consegui usar o que sei. 

Elas recitam os versos sagrados. 

As ruínas dos templos queimam ao lado dos ossos dos animais. 

As covas se movem, tantos buracos com cruzes agora vivos. 

E eles saíram na noite maldita para visitar seus queridos. Eles entraram nas casas e comeram o que havia na geladeia.

Eles comeram os gatos e os cachorros. 

Eles seguiram até encontrar os pastores com as Bíblias abertas, os vereadores nos prostíbulos. 

Eles acenderam o fogo com os corações ainda frescos. 

Quero um futuro para minha casa. O próprio inferno abriu sua boca, porque os demônios gostam da luta, e não do silêncio. 

Eu despertei 140 mil que dormiam, eles ouviram os gritos das Amazonas que voavam sobre a fumaça. 

Agora, elas avançam para o Palácio com as vísceras na ponta das lanças. 

*

Afonso Lima


sábado, setembro 19, 2020

sexta-feira, setembro 04, 2020

quinta-feira, setembro 03, 2020

terça-feira, agosto 25, 2020

O rosto sujo

O livro, resultado da conferência de antropólogos, acaba de ser publicado.
São manuscritos de várias épocas, analisados em artigos fantásticos.

*

O robô bateu na porta. Ela abriu.
- Daqui a dois dias, a senhora vai querer comprar esse produto - ele disse.
Se quiser devolver, entre em contato.

*

A primeira-dama matou a jovem com extrema perícia. Os tambores abafavam o ritual.
O presidente colocou sobre o altar um ramo de flores e sorriu para a foto.
Serviam os pedaços ensanguentados em vasos decorados como nos tempos antigos.
Era um pouco constrangedor, sempre, e a primeira dama tentava sujar o queixo o mínimo possível.

*

O agressor com seu chapéu para proteger a pele muito branca. O filho do presidente, deputado,  entrega a lista de inimigos do estado. O diplomata toma sua caipirinha.
- É um pouco deprimente as raças inferiores espionarem a si mesmas - diz.

*
Como bom religioso, ele lavou suas mãos, fez o sinal e fez suas orações. Aparece no vídeo.
Começou com jornalistas perseguindo o grupo político que contrariava seus financiadores. Os próprios foram perseguidos por uma máquina policial e de propaganda. "O debate racional foi perdido, é preciso desviar a atenção", era a frase que vazou da reunião presidencial.


*
As máquinas permitiam que as pessoas vivessem para sempre. Mas elas iam se tornando cada dia mais desidratadas, penduradas em seus casulos. O programa recebeu o apelido de "vidas secas" pela internet. Logo, todos os alvos preferenciais recebiam milhões de mensagens sobre a "beleza das vidas secas imortais".

*
Ela abria a Bíblia. Sobre ela, seus filho adotivo derramava o líquido. Sua ex-namorada, agora irmã, bebia o sangue. Foram elas que criaram os ritos da nova dinastia.

*
Serviam os pedaços ensanguentados na festa de aniversário.
O presidente queria exterminar o maior número de cidadãos possível.
República exportadora. Sacos pretos, em todas as cidades, carregados nas celebrações de domingo.
A primeira dama seguia sua conselheira bíblica, devia descobrir sua paixão mais profunda; talvez fosse a carne feminina, tentava sujar o mínimo possível.

Afonso Jr. Lima 

domingo, agosto 23, 2020

quinta-feira, agosto 20, 2020

geografia da cidade

nada existe do que não persiste
a luz também é acalentada
mortais e imortais devem amar-se
a casa escura deixa o pó nascer
e enlouquece, filho trágico da
doença e ruína
capricho e maldade
todos os tipos de bichos

nada fica do que não reafirma
a canção também é união
as graças perfumam a deusa
as horas lhe cobrem de ouro
a paixão pelo dia bom
a democracia nasce de cada dia

nada existe do que não respira
a luz também é revisão
seguir no mar das paixões
o desejo e a luta pintados em moldura
as origens são a guerra evitada
o poder vigia o poder
a cidade nasce do amor

a narração é sempre uma luta
os ventos novos
a bela música
nada fica do que não pacifica
a força também é carnaval
a palavra mágica
faz a igualdade

AJr

segunda-feira, agosto 17, 2020

el fuego

Fue una nube que cayó sobre Montevideo
Los huesos se vuelven grises
Una niebla se elevó por las calles
Los edificios observan, se han vuelto más de piedra
Él desapareció, ella desapareció
La tierra esta mas fria

Nos callamos
nos escondemos y no soñamos
la gente piensa que es pequeña
no hablamos de eso

Se equivocan
- descubre en ti mismo
otro ser no deseado -

el fuego
mis líneas de silêncio
cativo na dura piel
musica memoria

los primeros señores del río
mi canción de honor
apesar blanca flor
el verbo libera

Afonso Jr Ferreira de Lima

Soul

não sou um robô
minha mãe suou
no parto

não sou um robô
preciso de frutas

não sou um robô
aprendo as letras

desmonto as letras
não sou um só

sou de quebrar
adoro suspense

sou de ser tudo que der
sou de poder mais que imaginas

não sou um robô
beijo a sereia
coisa de rolar na areia
roubar certezas

sou potente
vivo de sonho

não é só luar
preciso casa pra morar

não sou um robô
minha unha cresce
na lua cheia

não sou um robô
meu coração se parte

não sou um desses
como arte
sou de amar coisas malucas

sou uma serpente
o que não se repete
sou gérmen de gente

não sou um robô
eu trituro fronteiras
não sou um robô
sei quem não sou

preciso abraço que me alimente


Afonso Jr Ferreira de Lima


paródia

a língua subverte
cortem a língua
enquanto conto
me torno outro
enquanto passo
jogo o todo
recorto as coisas
revivo os ossos

a língua absorve
cortem a língua
movo os ossos
enquanto conto
balanço as coisas
a língua é outro
música do todo
enquanto passo

a língua come
cortem a poesia
cadáveres em passos
cavaleiros de ossos
romances todos
na nudez do conto
vira outro
monto as coisas

existem as coisas
no passo do verso
mundo outro
de ossos leves
conto na música
todo o outro
a língua floresce
vivam a língua

Afonso Jr Lima

quinta-feira, agosto 06, 2020

corpos sem nome

liberdade liberdade esse poema é para ser poemático nada faz sentido e nem deixa de dançar o amor do significado pela música e o desimportante observa o desimportante minha janela quem criou esse mundo? nós que não servimos humanidades livres descalculadas névoa de cores traduzindo o buraco liberdade liberdade *** Afonso Jr

domingo, julho 26, 2020

quinta-feira, julho 23, 2020

Documentário: Dicionário das Globalizações


Porto Alegre - 2005 - Um Outro Mundo é Possível.

sábado, julho 18, 2020

terça-feira, julho 14, 2020

Thera na Cidade Mágica

Thera olhava as cachoeiras com nostalgia. Quando seu dom foi descoberto, e teve de mudar de gênero, viera a este lugar receber treinamento.
Ela vira o Mago Morienus transfigurado em uma batalha contra um demônio no alto de um rochedo. A lenda dizia que ele fora capaz de criar vida.
Ele lhe ensinara a reavivar o Archeus dos seres para que pudessem separar o nutritivo e o inútil.

Agora, precisava reunir um exército daquelas que tinham o dom, precisava encontrar uma forma de desfazer o encanto que colocara os camponeses do lado do Alafim. Andren corria perigo.
Thera nascera como menino, mas agora celebrava os ritos como mulher. O povo a reverenciava, mas os seguidores do Alafim se referiam a elas, de modo pejorativo, como "hermafroditas".

O encantamento fizera com que muitas pessoas se deixassem seduzir por uma falsa rebelião e passassem a atacar suas irmãs.
Os seres humanos erram, ela pensava, mas era importante fortalecer a Obra interna, o Mithan, a capacidade de se indignar pelas coisas certas. Ela pensou que também tinha fraquezas.
Diz a lenda que Morienus havia recebido um livro misterioso numa peregrinação a um antigo templo depois que sua primeira esposa morrera. Durante anos tentara traduzir os símbolos inutilmente.
Um dia, teve uma visão com Dân, o deus dos mar bravio, e este lhe ensinou a decifrar os símbolos.
Thera caminhou em direção à Cidade Mágica e comunicou-se com as sacerdotisas.

Afonso Lima

quinta-feira, julho 02, 2020

poema minúsculo

nesse tempo sem tempo
esse poema não tem nada a dizer
pássaro de gesso, amor bruto, árvores de barro
nada - esse poema se demora no ser palavra mesmo
sem sol vermelho, sem metáfora de música, sem rio sujo, livro sem letra
porque nesse espaço estão as coisas, coisas coisas, sem adjetivo
a cadência desse ser e sua esperança
observa o gesto desse dia minúsculo
somente leve assim esse poema persiste

Afonso Lima

terça-feira, junho 30, 2020

As fotos

Os militares na TV anunciam que o chefe do Sistema Regional de Investimento seria um membro do império. Nunca haviam desmerecido assim o país.
O homem no banco ao seu lado diz:
- Eu me lembro quando a televisão era política. O povo era manipulado. Por isso votei neles.

*
- Ele descobriu algo sobre vocês?
- Nosso processo estava parado na Justiça. Estavam incriminando a igreja por comprar tempo na televisão. Esse cara começou a fazer perguntas sobre o juiz, sobre contratos com nossos amigos. Ligamos para a concorrente.

*
Ela observava as mulheres do restaurante, alguma coisa lhe chamava a atenção, um olhar vítreo ou eufórico, uma espécie de droga.
- Eu não vou pagar por isso, disse sua amiga.
Bem, não era sua amiga de verdade.
- O prato?, perguntou distraída.
- Onde você está? Estou falando que não podemos abrir mão de tudo em nome da pretensa justiça social.
O pior de ser uma investigadora encoberta era ter de aturar essa gente. Ela sorriu e concordou.

*
Palitó escuro, maleta preta, calça social, barba. Aprendera esses truques quando começara a estudar a colonização de planetas vizinhos.
O reconhecimento facial não detectou sua máscara. As portas se abriam com facilidade. Depositou no cofre suas memórias.

*
"A ideia foi isolar todas as formas de contato não padronizável. Seu vizinho, seu parente, seu chefe vai vigiar até que ponto seu resultado é o previsto e desejável. Quando você achar que é original, pense no bloco de ideias que foi dado a você". 

*
As instalações do Projeto eram muito distantes, era preciso atravessar o deserto de trem. Ela queria rever as publicações do jornalista, se resignou a ler um romance policial para ajudar na camuflagem. Na cabine, seu companheiro era um jovem sorridente, mas teve de derrubá-lo quando sentiu sua garganta pressionada na madrugada.

*
- O trabalho não vale mais nada, a riqueza que realmente cresce é a improdutiva. Assim, temos massas que não são nada. Os shows de horror surgiram quando descobrimos que haviam jovens interessados em viajar à outros planetas para assistir pessoas serem devoradas por monstros alienígenas. 

*
- Foi assim que aconteceu, disse sua fonte. Houve o acidente nuclear. Depois, começou a guerra ao terror. No começo, eram contra dar as previsões dos cidadãos, ou como disse um político, ler as mentes das massas, mas nada disso resistiu ao impacto do pânico. Era muita tentação e as empresas nunca foram impedidas, ao contrário. A Inteligência impediu que a lei chegasse à essas empresas. 

*
Assim começou.
Na gravação, um galpão abandonado. Os agentes tinham de ver todos os movimentos de seis pessoas num período de 72 horas. Por sorte, cada um deles tinha microfones em todas as suas roupas como forma de segurança. Foi quando ela percebeu. 

*
O ministro da Justiça estava envolvido. Seu livro teria a entrevista na íntegra. A rebelião jurídica servira como cortina de fumaça na campanha presidencial. Mas, como sentia o perigo, começou a resumir a história nos fragmentos que chamava de memórias.

*
- Precisávamos de silêncio. Os trabalhadores se organizavam, criavam problemas. Depois, por vinte anos, moldamos o experimento social de ganhar com o corpo daquelas mulheres, dos dependentes, dos jogadores. Nós os queimamos. Assim acabaram os que queriam mudanças. A cidade perdeu seu brilho. Eu comecei a perceber que tudo parecia mais uma ruína, a verdade é que faltava alguma coisa. 

*
O trabalho compulsório não estava descartado. Os pastores e os jornalistas anunciavam o Apocalipse. Ela pensava enquanto relia seu relatório: todos tinham os mesmos objetivos. 

Era preciso apenas juntar essas fotos, fotos que eram tão diversas, mesmo sabendo que não encaixariam, que dúvidas sempe estariam ali. Havia a lei, afinal. 

Briga entre clãs aparentados. Os potenciais haviam esvaziado as estantes da Justiça e lotado as prisões. 

*
"Já foi sonhada, prevista. Sua vida. Eles cultivam seu hospedeiro evitando qualquer coisa de novo. Você foi produzido com slogans sobre liberdade e não culpar os outros, trabalho duro e ambição. Você é um ser social, assim não tem opção senão conectar-se com o mundo e aceitar as regras". 

*
Tirando fotos na parada quase obrigatória no meio do nada. Pensava que deveria escrever algo, que deveria juntar esses fragmentos de forma a parecerem coerentes. Ela viu um militar espionando os passageiros.
O império havia participado da campanha. Agora, o presidente assinava acordos comerciais sem ler.

*
"O que é preciso para acabar com uma pessoa? Acabar com sua humanidade. A televisão começou uma caçada contra ele. Não podia mais sair na rua sem disfarse. Um criminoso potencial."

*
"A questão é que eles sabem toda a forma de rebelião que surge. As respostas são dadas antes que as perguntas possam ser pensadas".

*
- O tribunal não cumpriu a lei. Os espiões novamente controlam sua liberdade. Os antigos criaram esse sistema de informação. Eles acharam a linguagem para vender suas ideias-produtos, tornaram todas as respostas produtivas para si mesmos: não mudanças em escala pela planificação, mas individualismo; não reconhecimento pelas conquistas das lutas, mas ressentimento de um consumismo frustrado; não exploração que destrói as relações humanas, mas destruição da família tradicional; não segurança, mas vigilância e armas para todos. O Comando devia ser obrigado a relatar - disse uma fonte. 

*
O Comando avisa que nenhum dado foi preservado. Os crimes foram apagados depois da tempestade de raios de 1993. O sistema de elementos potenciais foi planejado para evitar falhas como essa.

*
Ela entra no galpão abandonado. Um monte de cinzas e ossos.


Afonso Lima







domingo, junho 28, 2020

A espera

Era uma simples maçã. Poderia falar horas sobre essa coisa quase redonda e quase vermelha que caía pela calçada ao sol, ela mesma viajandeira desde os cantos mais verdes da cidade, e mesmo desse sujeito pouco produtivo e mais ausente que por um momento observa o vidro quase limpo num dia de quase normalidade. Para na borda. O homem segue colocando frutas na cesta, gordo, indiferente, máscara negra e cabelos brancos. Chega o segundo personagem, o primeiro que vejo são os sapatos sujos, carrega um saco transparente de biscoitos claros, talvez de maisena, outra coisa sob o braço, uma casa, e será que alguém sobrevive apenas de bolachas ou biscoitos de talvez maisena? A tensão toda enquanto ele observa a esquina, talvez buscando outro lugar onde conseguir alguma vitamina, caminha depois em sentido oposto à maçã quase vermelha que parou antes de atravessar a rua. Seria o final mais feliz do mundo, uma semente tão esforçada, tendo recebido seu título, agora serve para aquecer o fogo moribundo de um conjunto de carbonos ameaçados pelo frio que uma nuvem escura promete. Lembro da cena: estou comendo num balcão, um homem pede comida na porta, o dono grita Ladrão!, o homem sai correndo antes que eu possa pensar, tempo, volta sorrateiro e atira uma maça meio mordida para dentro, desaparece. Mais um segundo de espera, a fome e a vontade de correr impedida por alguma força cósmica ou elevação da pedra. Mas ele sai de meu quadrado, o homem avança com cesta, cabelo branco e máscara negra, reconfigura a ordem das pirâmides de frutas. Eu também já não tenho tempo para quase bolas, quase gordos, quase mortos, observo minha tarefa com resignação e bebo meu café.

AJR

quarta-feira, junho 24, 2020

Berlim 1929

Berlim 1929 

Afonso Junior Ferreira de Lima
Porto Alegre, 2002

"Aconteça o que acontecer, nunca estarei só.
Haverá sempre um rapaz, um bilhete de comboio, ou uma revolução".
Stephen Harold Spender

domingo, junho 21, 2020

O templo

O tempo

Basicamente há a situação inicial, o tempo médio e o tempo da solução. Cria-se estranhamento, ao mesmo tempo em que os personagens agem dentro de um “naturalismo” de filme noir.

terça-feira, junho 16, 2020

Um dia

Estava cansado do trabalho no laboratório de Psicologia. Fecha os olhos e deixa a luz entrar. Do alto da torre, via os ossos da baleia na baía de Dublin.
Somente as sereias poderiam mudar essa música para algo da noite. 
Via o Doutor com seu uniforme branco, os chimpanzés e os instrumentos de cronometragem mental. 
Por sorte, ouvia o mar em algum lugar e a claridade no rosto do espelho. 
Luz. Via o sujeito descendo para tomar chá, rosto cortado no espelho, imaginava uma revolta contra as Penal Laws que oprimiam a maioia católica. 
Meu avô odiava os irlandeses - se não fora por eles, pensava, viveria melhor. Minha avó, irlandesa dizia que ele agia como instrumento dos aristocratas. Já esse vizinho irlandês lhe chamava de traidor da classe trabalhadora e escravo branco.
Sente o vento, a luz forte, a baía de Dublin e a baleia com seu silêncio de canto. 
Agora a mulher de cabelos negros caminhava sobre as pedras. 
Sombras flutuam na paz da manhã, descendo, ele a observa da escada de pedra ao mar, o sujeito pensando que alí estariam dez páginas sobre um povo.
Ela olha para a água comos se buscasse alguma coisa. Esses ossos, são outros ossos, um navio parte para o zoológico humano de Paris. 
Mas antes. O sangue dos companheiros. A Constituição vem com o massacre. A mulher de cabelos negros era bela. 
Caminhando milhares de anos pela terra. Ela observa as sementes. 
Ela atravessa o rio para aprender outros costumes. No domínio do sonho. O rosto no espelho. Passos, descendo para o mar. 
A baía de Dublin.

Afonso Jr. Lima 

Livro #94: "O que é encarceramento em massa?" - Juliana Borges


sábado, junho 13, 2020

Madeleines madeleines

As pessoas não conseguiam parar. O presente era tudo. Os mensageiros do Conselho se reuniram.

- Precisamos de algo que rompa os vasos da consciência, disse Miguel.

Alguém teve a ideia de uma indústria de madeleines.

A senhora da Flórida cansada de acumular quadros que representam milhares de quadros. 

O motorista de táxi que estava cansado de carregar pessoas que falavam as mesmas histórias ouvidas nos mesmos lugares. 

O prefeito cansado de vender as coisas da cidade e de ouvir vereadores reacionários porque lembrava de antigos prefeitos especializados em vender as coisas da cidade.

Pessoas saem a protestar nas ruas, derrubam estátuas, as forças da ordem atiram e matam. 

A procura do tempo perdido virou uma obsessão e as pessoas queriam escrever longos romances que continham outros romances, etc.

Ameaças de fechar a fábrica foram duramente criticadas na imprensa e no Parlamento. Os mensageiros do Conselho se reuniram.

- Acho que exageramos no néctar de memória que foi com o suco de limão, disse Rafael.

Os Potestates foram incumbidos de semear a fome, Samael voou sobre as cidades derramando a peste.

O dia M foi criado e não se falou mais nisso.



Afonso Junior F de Lima


 


segunda-feira, maio 25, 2020

Ditaduras eleitas, milícias populares, o mercado...

Na nota de apoio a Heleno, os militares [da reserva] dizem estar dispostos a defender o país “com o sacrifício da própria vida” e falam em “guerra civil” como pior hipótese para o desfecho da crise institucional provocada pelos ministros do STF.

https://br.noticias.yahoo.com/grupo-de-militares-defende-heleno-ataca-stf-175018084.html

O sea: los jefes máximos en actividad de las tres Fuerzas Armadas fueron informados del tono golpista de la nota de Augusto Heleno. Y no hicieron nada (sugerir, aconsejar, lo que fuera) para impedir su difusión.
https://www.pagina12.com.ar/267798-brasil-rumbo-al-fondo-del-pozo

O Ministério da Defesa obteve, junto AGU, um aval permitindo que militares (...) possam receber rendimentos acima do teto constitucional, que é de R$ 39 mil.
https://epoca.globo.com/defesa-quer-que-militares-com-cargo-no-governo-possam-ganhar-mais-que-teto-1-24421797

*

Talvez estejamos vendo uma nova onda surgir - as ditaduras eleitas da América Latina e do mundo. 

Ditaduras que podem realmente significar quadrilhas e crime organizado no poder, com uma polícia-violência e julgamentos-show. (Uma reunião ministerial como quadrilha pensando num assalto e em como escravizar um povo).

O estado político-criminal pode ser a explosão de negócios obscuros: negócio da fé, negócio das armas, negócio da invasão de terras, jogo, máfias policiais... Para além do sistema de desinvestimento e de defesa do mercado financeiro, a tributação injusta, o sistema financiamento-deputado perfeito da NRA. (Aliás, seu líder repete a fala do "nosso líder", ou o contrário: "o líder da NRA - Associação Nacional de Armas - Wayne LaPierre quebrou o silêncio, defendendo fortemente o direito às armas e atacando as elites que não querem que existam "liberdades individuais" - DN - 22 Fevereiro 2018)

E, como a doutrinação religiosa se mostrou a mais eficaz forma de alienação, voltamos ao fanatismo medieval, agora com um Deus dos ricos e aspirantes à ricos. 

A parcela do capitalismo que se nega a ter limites, se nega a limitar a expropriação, que destrói a educação porque precisa manter o estado de exploração máximo, que cria o mundo pós-verdade como manipulação tecnológica da mente coletiva, a dominação psíquica numa maquiagem democrática.

Generais aposentados no governo falam em "democracia". Basicamente os controles republicanos seriam um ataque à democracia.

O Mercado queria assaltar o bem comum, agora se sente traído até certo ponto, era possível a vitória sem sangue. Congresso/mercado (que recriou a escravidão com o fim das leis trabalhistas) contra Família/Executivo - negócios à vista. 

Lembro de falas do eleito sobre matar 30 mil, quando quase isso já morreu de doença agora - por culpa do abandono, da negação, do desprezo... A frase queria dizer que se precisava de uma guerra civil, algo que limparia o país de esquerdistas, entre eles Fernando Henrique Cardoso, o mais neoliberal dos "centristas"...

A velha teoria da “guerra revolucionária, a paranoia do inimigo comunista, doutrinamento das Forças Armadas que começa em 1961. Depois da lavagem-cerebral imperialista, punidos os soldados nacionalistas, pode-se formar uma aristocracia colonial, que mantém a ordem para a elite rentista-industrial. As dinastias militares positivistas pregando progresso como "ordem". 

A crença de base semeada dá o chão para a notícia falsa que corrobora o padrão. "O Facebook detectou uma empresa israelense que trabalhava espalhando Fake News em processos eleitorais de todo o mundo, inclusive no Brasil... As páginas falsas, empurrando um fluxo constante de notícias políticas, acumularam 2,8 milhões de seguidores." (GGN)

"An Israeli minister met with Roger Stone to provide information that may have benefited the Trump campaign. The discovery implicates Netanyahu in an attempt to distort the 2016 US election result."
(The Real News)

Uma nova força - os autoritarismos regionalistas - usa a propaganda de massa para criar governos militares coloniais, pelo “universo ocidental cristão”. Ocidentalismo que faz parte do grupo "Pravyy Sektor", na Ucrânia, cuja bandeira apareceu em manifestação na Avenida Paulista. Grupos que amedrontam as instituições e bloqueiam protestos. Criou-se uma narrativa sobre uma "filosofia esquerdista"...

Sérgio Moro rasgou a Constituição e os promotores criaram um poder paralelo. Justiça de facção ajudando a expropriação tecnocrática de Guedes e a violência armada do Cavalão. Expulsar o povo do governo como plano das redes de televisão/acionistas e das elites da tropa. O discuso de ódio acabando com o grande pacto nacional para melhoria econômica do PT. É incrível que a "atmosfera do pogrom", de que fala Adorno, tenha surgido primeiro na mídia comercial oligopolizada, vendendo a resposta pronta que libera do esfoço de pensar. Mas o peso do aliado fundamentalista atrapalha a imagem do negócio. ("Jair Bolsonaro's populism is leading Brazil to disaster" - Financial Times).
A arte de romper a democracia até certo ponto...

"Se vocês consultarem o site do Tesouro Nacional vão constatar que o governo tem transferido em juros, essencialmente para bancos e outros aplicadores financeiros, entre R$ 300 e 400 bilhões por ano, dinheiro que precisamente deixou de ir para educação, segurança e o SUS" (Ladislau Dowbor – Além do coronavírus).

"Bolsonaro tem recorrido a manobras protelatórias de todo tipo com a clara intenção de fomentar o caos social e político. Enquanto isso, os bancos privados administram uma verdadeira montanha de dinheiro público, R$ 1,2 trilhão liberados pelo Banco Central (BC) para aumentar a liquidez do sistema bancário." (Portal Vermelho)

"De acordo com o IBGE, 13,8 milhões de pessoas – 6,7% da população – vivem com menos de US$ 1,90 por dia." (Rede Brasil Atual)


A pós-democracia: retira-se do poder quem não amplia o lucro privado. O corte de investimentos (antes e agora) é a morte da educação, portanto, falta de salário, falta de teto, técnica da pouca saúde, uma vida no mínimo, morte estatística na longa curva. Estado de ignorância endêmico - e presidente pandêmico. Da rebelião das corporações - militares, policiais, judiciárias - ao Estado-privado. Do justiceiro seletivo ao ministro "anticrime" punitivista. Da perseguião de inimigos políticos com apoio da imprensa "humanista" à polícia política pessoal da autocracia eleita. Objetificação à ponto de morte significar "economia boa para reeleição".

Da democracia para poucos ao autoritarismo eleito pelo ódio. Duas forças agora dominam com mão de ferro a consciência coletiva do Brasil - o sistema de televisão global (que desumanizou a esquerda) e a propaganda-milícia, aliada da política pentecostal. A opinião pública - base da democracia - foi esmagada pelo monopólio de fala das empresas de comunicação, pela ausência de debate público (literalmente com calúnia de massa e candidatos sem debate) e pelo estelionato eleitoral (compra-se o que não se vendeu) disso resultante.

Roberto Marinho disse que Brizola deveria "fazer umas escolinhas", e não o Ciep. "A falta de segurança para seus jornalistas na saída do Palácio da Alvorada fez o Grupo Globo decidir que seus profissionais não mais farão plantão naquele lugar..." (UOL) A imprensa, rápida em criar polarizações, é destratada; a verdade depende do sistema de reconhecimento.

Democracia de WhatsApp significa também um saber que se consolida em privado, que vem por laços afetivos, forma blocos sem confrontar-se com o todo (e quer colonizar o todo - "Bolsonaro diz que tem imagem ruim no exterior porque mídia internacional é de 'esquerda” - Revista Fórum). Uma perigosa forma de escapar do mundo moderno é isolar-se num saber profético, um intelecto comum sem potência, puro ato já consumado (Agamben). 

"De toda maneira, desde o segundo mandato de Dilma Rousseff começou uma reviravolta, nascendo uma “onda conservadora” que se explica por fatores como fastio com a corrupção petista, preocupação com a economia e maior influência de formadores de opinião conservadores ou antipetistas. Vale destacar, ainda, que o curso do tempo revelou um avanço das pautas anticristãs no governo Dilma, gerando confrontos com a bancada evangélica." (Gospel Prime)

"Essa semana a ex-militante feminista Sara Winter disse que chegou a hora de “ucranizar o Brasil. A situação fica ainda mais preocupante quando lembramos que o pedido de “ucranização”da militante de extrema-direita vem um dia após o filho do presidente postar um enigmático vindo onde apoiadores do presidente atiram à esmo gritando palavras de apoio ao presidente Jair Bolsonaro." (Cleber Lourenço, Revista Fórum)

O conservadorismo latente explode e tentamos rascunhar um mapa. Uma herança de violência, superioridade inegociável (Butler/Fanon) e um pânico moral. O "líder da raça" criado num ambiente artificial (incapaz de "decair no social") ou o excluído glorificado por uma visão revolucionária (o soldado da Primeira Guerra retornando como indigente). A classe média que aceitou ser "superior" e se sente ameaçada pela educação dos excluídos, não quer saber dessa coisa de social.

O eu-fascista é destrutivo porque é incapaz de aprendizado; ele cria a sociedade na qual atingirá um novo status rapidamente. A violência como máscara na precariedade que não pode (e não quer) entender um sistema. O fascista parece ser alguém "ferido", alguém que não pode negociar quando há uma "ameaça à vida", alguém que tem uma "missão" e se sente acima da raça impura, quer fazer parte de uma elite. A arrogância perde o limite da razão comum com o contágio (Freud). O líder fascista acha um alvo irreal para justificar a opressão.

Expropriação em expansão. Qual a diferença entre sistema ditatorial militar e milícia empresarial que ameaça diretamente - e destes com a aprovação de um candidato fascista por cobiça do mercado pelas estatais, saúde e educação privatizadas? 

"O golpe implantou o modelo do 'milagre econômico', que se baseia na concentração de renda, arrocho salarial e muitas horas extras." (Milena Fontes, Revista do Arquivo)

O que teriam em comum aristocracias militares, milícias populares oportunistas, crime organizado politizado?

A repressão à democracia, facções no poder, o Estado como domínio, a censura à preservação da vida com slogans como "defesa da ordem", "luta contra o mal" e preservação da família.

Guerras às drogas (antigas e novas) como forma de controle ("Ação de Witzel poder ter sido para beneficiar milícias" - GGN). Capitalismo da morte que pode perder 7 mil vidas. Capitalismo sem máscara.

Violência xenófoba contra quem quer mudanças, os filhos dos colonizados, dos violentados, os herdeiros da opressão. A mulher negra se torna o mais objetificável dos seres humanos, puro instrumento de prazer sexual, a mãe que perde seus filhos - e também a maior força de resistência. 

Contra o medo fascista, as ameaças fantasma, a tradição reacionária e a ordem autoritária, a indignação justa, a esperança realista e a abertura constante. 

AJr





sexta-feira, maio 15, 2020

A cadeia dos seres

A poesia monta
e desmonta
não assim
a vida

Com a mentira
de outra língua
destece, explode
grita

Olfato miúdo
na cadeia dos seres
pedra e a mariposa
coloca no alto

Ficção é tudo que
não aponta
poesia
é vida

Afonso Junior Lima