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sexta-feira, fevereiro 11, 2022

A lacrada do monarca

Precisamos refletir sobre o que ocorreu - e talvez não tenhamos nenhuma fórmula mágica explicadora. 

Todos nós temos momentos de raiva, de agressão, de estupidez. Minha verdade pode desconhecer o mundo do outro, e ok. Um não-fascista muda, e a diferença é que tem autocrítica. Não conheço Monark e não posso falar muito do caso particular. Mas o tipo de jovem agressivamente conservador me lembra muito mais o poder que as teorias da conspiração dão aos ignorantes. 

O poder de inverter o jogo e seguir por cima - enquanto vocês, otários, não sabem nada. O tom de desafio é o pior: "desafio o senso comum". Os monarcas brancos da nova onda acabam tendo de novo o poder patriarcal. 

Uma pesquisadora contou uma vez que, com as fake news de 2018, seu irmão, que nunca estudou muito, se tornou o "intelectual da família", aquele "sabe-tudo" que dizia o que ninguém tinha visto. O mesmo com os anti-vacina incontroláveis. É que o tiozão do churrasco começa como tiozão do twitter. 

Segundo o G1:

"O apresentador já foi criticado por declarações consideradas racistas e homofóbicas. Em 2021, Monark foi muito criticado depois de ter questionado no Twitter se 'ter opinião racista é crime". 

Ele defende com vemência, por exemplo, que o "estado tem de que se quebrar em mil estados" com sua armadura de verdades superficiais -  se é bom que tragam pessoas especializadas para o grande público, acaba sendo um reflexo do rebaixamento dos debates que as redes propiciaram. Foi feita alguma pesquisa? Não, é "sem roteiro". É tão complexo definir a verdade para uma pessoa vivendo numa bolha dessas porque ela duvida da autoridade de todos que discordam dela. 

Essa onda de pensamentos reacionários foi se esparramando na rede com liberdade. Segundo Adriana Dias, doutora em Antropologia pela Unicamp:

“Os grupos atuam há bastante tempo com bastante impunidade. Se você não tem uma punição severa a esses grupos, eles vão crescer e se expandir”. (Sul 21 - 11 de fevereiro de 2022)

Qual a quantidade de informações conservadoras necessária para que se chegue a naturalizar o nazismo? Olavo de Carvalho estava na rede desde 1998. O ódio ao diferente está sendo plantado, justificando a injustiça e apagando a história da miséria - Arthur Do Val chama Padre Julio Lancelotti de "cafetão da miséria" (UOL - 10 de setembro 2020). É o marketing da ignorância. Como explorar politicamente o ódio e vender as ideias amargas das grandes fortunas se alguém acredita na igualdade? Uma boa pergunta é que país é esse que permite um cidadão de 30 anos viver nessa bolha. Que permite livros de escolas militares contarem mentiras. Porque a educação pública deveria servir para isso: dinamitar preconceitos familiares, de grupos sectários, de facções, pensamentos antidemocráticos. 

No Brasil, o ódio racial é fundacional: portanto, não espanta tanta amizade com radicais. A vergonha pelo passado nunca ficou bem enraizada. A classe acumuladora quis retirar uma presidenta eleita - mas pensava que era possível uma democracia simulando normalidade. Que respeite alguns direitos, mas exclua quem não lhe agrada. Se vale tudo, vale tudo. 

A eleição de 2018 mostrou uma nação incapaz de pensar o real, também por um sistema de comunicação que não permite pluralidade. Foram as antenas do poder que criaram o "apolítico". Se vê aqui o perigo de dar "os dois lados" da forma que tem sido compreendido: abro mão de um ponto-de-vista e, na realidade, favoreço grupos extremistas. Como comentou o humorista Maurício Meirelles: "Eu nunca tento trazer alguém com um pensamento tão errado". (Metrópolis - 08 de fevereiro de 2022) Uma democracia em estado de monark. 

Ninguém pode ser esclarecido sobre tudo, e exige muito esforço sair do mundo de slogans e clichês que vivemos com os monopólios de informação e a publicidade. Para ser preconceituoso, no Brasil, e falar uma porcaria, é só "seguir o fluxo" do senso comum. O que se soma agora é a ideia de "libertação". O nazista típico foi criado num ambiente de sufocante tradicionalismo com colheradas de ambição. O fascista é incapaz de aprender, ou seja, duvidar. Ele sabe mais sobre o mesmo. O antissemitismo assassino foi cimentado na velha lenda de que a verdade foi escondida, de que o perigo está nas sombras. 

Obviamente essa "liberdade" que odeia ser limitada é o prato principal do feudalismo - a aristocracia rural, os industriais escravocratas e a "burguesia" rentista podem expandir o lucro às custas do trabalhador, da saúde, da vida. O perigo do capitalismo é essa expansão necessária e cega. 

O caso lembra o do jornalista britânico Milo Yiannopoulos - que começou antifeminista e depois disse que "alguém de 13 anos... é sexualmente maduro".

Segundo a BBC:

Ele se descreve como um "libertário cultural" e um "fundamentalista da liberdade de expressão", que se opõe à ideia de justiça social e do politicamente correto. (22 fevereiro 2017)

Outro caso famoso é o de Lars Von Trier - o diretor de cinema - que disse que compreendia e sentia compaixão por Hitler. O "rebelde" foi considerado persona non grata em Cannes.

Já vi stickers de Hitler na balada - claramente o ambiente gamer está sendo apropriado pela extrema-direita, que estuda comunicação. É a tática do "comece pequeno": você atrai por algum preconceito comum ou ressentimento justificável e vai radicalizando no submundo virtual. Assim algumas coisas são "neutras" - se propagam até que o mal seja dominante. Você pega uma parte aparentemente racional ("todo mundo tem direito à expressão") e esconde o contexto ("o nazismo é o fim da liberdade"). 

O que vem junto é o reforço da ideia da diferença essencial: por exemplo, mesmo errando, o cidadão de bem é "boa gente" - como justificou o homem que espancou o filho de um vizinho que estava usando roupas de hip-hop em Punta del Este esta semana. É claro que não é necessário ouvir alguém que claramente nos vai atacar. 

O fascismo é a propaganda da violência. Deixar que contamine é criar ambientes de destruição da comunidade. A democracia é a luta constante contra a opressão, que cresce com a enorme concentração de riqueza. Não podemos supor que as palavras não têm poder. A banalidade do mal está na linguagem que herdamos, nascida de sociedades coloniais, misóginas e racializadas. Não podemos esquecer que o nazista era também um fanático - não apenas alguém que usa ideias para ganhos pessoais - e precisamos ficar alertas contra os "imperativos de consciência" lunáticos como o que o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos alegou ao defender a não vacinação de crianças.

"A esquerda radical tem muito mais espaço que a direita radical" - ele disse. Que esquerda? Alguém viu defenderem extermínio? Ele acha que a esquerda radical é quem? O PCO, "o partido da revolução e do comunismo", tem espaço? Como ele consegue dizer isso num país em que Lula foi banido por anos da TV?

Ele se justificou: "é uma ideia que acontece em outros lugares do mundo — nos Estados Unidos". Lá não se erra? Esse país mudou depois do vexame de Trump. A Alemanha sabe porque foi destruída. 

A defesa de uma causa é uma novidade - e a causa é: "sem limites". No caso do deputado, claramente manipula os jovens para implantar teses da oligarquia - como a de que as universidades públicas favorecem os ricos, ao mesmo tempo que que fala em liberar o partido nazista para "jogar luz" nessas ideias. E vamos moldar consciências para ter o salário oficial. 

Já não é a primeira vez que esses "libertadores" esquecem a história que está por trás de alguns significantes sedutores. Muitas vezes vem junto a negação mesma do Holocausto. No caso do secretário de cultura, claramente esqueceu que o chefe tinha aliados no campo envolvido. 
 
Outra coisa paradoxal da atmosfera do nosso tempo é que o "governo" usa imagens associadas a Israel (também por influência dos evangélicos conservadores) - ao mesmo tempo em que se nutre de mentalidade clone do nazismo - superioridade de poucos, violência justificada, repressão ao contraditório e colonização dos espaços. Estamos num momento em que o Palácio do Planalto é o Gabinete do Ódio.

Assim, Segundo a EFE (14 jun. 2021): 

Brasil subrayó que desde que Bolsonaro asumió, el 1 de enero de 2019, el poder "las relaciones con Israel fueron elevadas a un nuevo nivel de prioridad". Entonces el equipo diplomático del líder ultraderechista brasileño se marcó como principal objetivo acercarse a Estados Unidos e Israel, liderados en la época por Donald Trump y Benjamín Netanyahu, respectivamente.

O palestino de hoje é o judeu de ontem. Evidentemente, falar de governantes radicais não significa falar de uma etnia - por mais que a propaganda oficial tente criminalizar quem critica governos racistas. Pode ser que amanhã o Estado seja dirigido por grupos mais democráticos, e o país em si faz parte da memória afetiva de milhões de pessoas. 

Como sempre, temos o jovem classe média reclamando da "lacração", de como não pode mais ser "livre" - ou seja, racista ou homofóbico. É a crise dos reacionários percebendo que não tem mais o poder do discurso único. Tem muito a ver com os "filhos do condomínio", que nunca são barrados. São os que acham lindo ser "hétero top". Como estaria errada uma sociedade que tem valores que me colocam no topo da "cadeia"?

Mas, como disse alguém, todo mundo que estudou Humanas sabe o que é ser "cancelado": a ideia de que você pode ser autoritário e não ter um pingo de empatia por uma boa causa é muito comum entre pessoas que se sentem progressistas. Ou as mais progressistas - enquanto todos os outros são lixo. A esquerda, claro, é apenas uma multidão de pessoas lutando cada qual contra uma opressão - mas é preciso evitar o silenciamento por pureza intelectual. Isso nada difere do woke verde (o cancelador de uniforme) que acha que o comunismo está nos ameaçando. 

Defender que nazismo é "uma opinião como outras" é uma ignorância assustadora. Porque é fazer uma Távola Redonda na qual só um dos convidados é canibal e está armado. O que assusta não é só que alguém defenda a "liberdade" usando esse signo maldito, mas principalmente que consiga dissociar a palavra de todas as ações criminosas, calculadas, em escala industrial. 

Porque isso fala da irrealidade cotidiana que toda a super-concentração de poder gera - a deformação da realidade que ditaduras planejam como primeira meta. Num mundo de senso comum não há democracia. "Segura teus B.O.s" é a frase famosa de Jojo Todynho; está na hora da sociedade pensar como produziu um país de Monarks. 

Afonso Jr. Lima 

 https://sul21.com.br/noticias/geral/2022/02/neonazismo-grupos-crescem-online-e-acendem-alerta-para-violencia-no-mundo-real/

https://www.bbc.com/portuguese/internacional-39050308

https://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2022/02/08/quem-e-monark-antes-de-defender-existencia-de-partido-nazista-apresentador-foi-de-youtuber-a-podcaster.ghtml

https://www.metropoles.com/colunas/leo-dias/saiba-quem-e-monark-e-por-que-ele-esta-sendo-cancelado-na-web

https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/09/15/arthur-do-val-padre-julio-lancelotti.htm