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sexta-feira, outubro 25, 2019

Cinzas

Ela tem um olhar estranho, sem pupilas, seus gritos são os de uma besta ferida. Caminha pelo bosque atrás da casa.

Você precisa superar isso. Eu.

Então eu grito, eu acordo. Imediatamente me lembro dele.

O soldado.

Estávamos naquela casa. Fugimos. Os outros foram pegos.

Papai.

Eu ouço seus passos. Aquele dia, o sol na sala, ele lia Kant e disse: "Não sabemos nada sobre o real".

Eu fui criada assim. Poemas e livros.

Ele também tinha medo, um zumbido. A lógica da guerra não permite dúvidas.

Uma besta ferida. Fui ferida. Meus ossos você nunca verá.

Eu deixo cair o véu. Eu aprendi com você.

Não sou humana. Circulo na vasta região de pessoas sem importância. Eu sou um monstro.

Eu ouço na rádio que você, digo, que o corpo foi encontrado. Spray. Sequestro.

Você diz que eu te ensinei.

Eles se alimentam de sangue. Disseram que tinham jogado suas cinzas no mar.

Vá com elas. Siga na rua. Estamos juntas.

*
Afonso Junior Ferreira de Lima



sexta-feira, outubro 18, 2019

Primeiro amor

Duplico-me. O espelho fala. A ferida cria. 

*

Diário de um pai 

Tudo acabou me levando a um desejo que escondi, e por isso, acabei cometendo um erro imperdoável. 
Minha filha falava sobre seu desassossego com um livro que estudava:
- A visão de um homem tradicional que fala de sedução infantil baseando-se na história de uma menina de 11 anos sequestrada, ameaçada e violentada.

- Mas não podemos esquecer que, para algumas mulheres, a sexualidade começa muito cedo mesmo - disse minha esposa. Proteger com a cultura. Conheci meninas que menstruaram aos 9 anos.

Fui tomado de forte emoção. Me veio à mente uma cena muito constrangedora de minha juventude.
Eu, com minha família do interior e com meu pai militar, era amigo de um outro rapaz. Entre nós surgira uma eletricidade espontânea, eram os pequenos toques, o calor do falso sono na noite não dormida, havia sonhos, estávamos descobrindo nossa sexualidade contra tudo e todos quase saindo da adolescência.

Ele tinha uma irmã. Era uma época de erotização excessiva na TV, e, ao mesmo tempo, eu vivia as angústias e o medo que a sociedade impõe à natureza quando ela se rebela. E se eu fosse normal?
Nós começamos a brigar, eu jurava que não queria nada, que era absurdo, que era crime, ele dizia que logo, logo eu iria beijar aquela criança. Isso me dava nojo. 

E assim foi. Numa festa, um quarto, ela veio sobre mim. Não me orgulho disso, provavelmente seria preso hoje, eu quis. Eu, maior, precisaria ter sido razoável. Ela já era fértil, muito precoce. Ele entrou no quarto e nós estávamos abraçados.
Assim, meu amigo ficou magoado, nos separamos.
Que horror pensar que essa menina podia ser mãe. Que horror pensar que podiam obrigá-la a ter um filho. 
Logo, engravidei minha esposa, não me considero infeliz, mas a verdade é que estou contente em saber que minha filha sabe se defender.

Afonso Junior Ferreira de Lima

quinta-feira, outubro 17, 2019

The heroes (English version)

(This is a rush transcript. Copy may not be in its final form.)

Opening the womb, the internal organs fell. Now it was illegal to defend the forest. The cacique was a leader. The hunters had a mission to create terror by leaving their bodies on the burned logs.

"The Indian ran and fell," said the journalist on TV.


But the shaman posted on twitter:

The lawless militias from highlands

port of the slave natives

Dom had organized

of Christian vassals the hunt

from of stolen life

the income of the whole village


Even being of Spain´s

even in the closed church

the people were cut and killed

while running away, the same agony

in children and old people killed

the violins didn't play

in slavery


But the holy King authorizes

and when the mighty European

in the canoes descended to the attack

another force knocks him down

in the war of freedom.


Afonso Junior Lima
https://afonsojunior.blogspot.com/2019/10/os-herois.html

domingo, outubro 13, 2019

horror tropical

as pessoas que eu conheço não são tropicais
respiram metal lutam minutos pisam o lixo
as pessoas que eu conheço são desnecessárias

ou vivem sem sol, escrevem paisagens desertas
caminham com dificuldade, correm
lhes assusta o calor, as palavras coloridas
lhes acalma a noite fria e os animais que sugam

os homens que eu conheço conhecem tudo, pós-apocalípticos
ou não podem criar, criar é não saber
os homens primordiais faziam imagens com as mãos e imaginavam palavras
os homens que eu conheço odeiam a luz do dia

ou seu tom é de névoa, árvore cinzenta, caminho branco
lhes ensinaram coisas demais, não podem pensar
(eu mesmo hesito) e sua cultura não gosta da vida
são trabalhadores sem alegria, matemáticos da política
não precisam de amigos, lhes enoja a matéria viva

um minuto de paz eles têm na lua plena
quando o pássaro negro se oculta no risco seco
um minuto de paz quando lembram do passado
mas não lembram muito agora

Afonso Junior Ferreira de Lima





Os heróis

Abrindo o ventre, caíram os órgãos internos. Agora, ilegal era defender a floresta. O cacique era um líder. Os caçadores tinham como missão criar terror deixando os corpos nos troncos queimados.

- O índio correu e caiu - disse o jornalista na TV.

Mas o pajé postou no twitter:

As milícias sem lei do alto
porto dos índios escravos
dom senhor organizava
dos cristãos súditos a caçada
era da vida roubada
a renda da vila toda

Mesmo da Espanha sendo
mesmo na igreja fechado
o povo foi cortado e morto
enquanto fugia, agonia essa mesma
nas crianças e velhos matados
os violinos não tocavam
no rumo da escravaria

Mas o santo rei autoriza
e quando o poderoso paulista
nas canoas descia pro ataque
outra força os derruba
na guerra da liberdade.

Afonso Junior Lima


sábado, outubro 12, 2019

Cabeza de dragón (ESP)

¿Será la fusión de varias canciones, cuentos o manuscritos?

Probablemente el erudito nunca lo sabrá.

Agradecemos a los cronistas que fusionaron estos textos.

*

"Somos un pueblo santo, ellos son inmundos y dignos de morir".
Comenzamos la lucha contra el monoteísmo judeocristiano-islámico (tu vanguardia feudal) cuando las milicias religiosas promovieron la masacre de las sacerdotisas en la montaña.

Habíamos soportado demasiado. La expulsión de los nativos a los altos bosques con la excusa de "un país sin gente a un pueblo sin país", la destrucción de árboles para extracción mineral en busca de un nuevo planeta, exportar como un objetivo mientras millones murieron de hambre.

Y luego llegaron los terroristas monoteístas alentados por sacerdotes fanáticos: sin nada mejor que hacer con la riqueza acumulada en la explotación, crearon la sagrada familia.

Las mujeres no monoteístas fueron castigadas con "pérdida de puntos". A una mujer sin hijos le resultaba difícil llegar a la universidad, sin casarse hasta los veinte años cada vez era más difícil obtener un boleto de avión o incluso una peluquería al precio correcto.

Por lo tanto, las masas de niños también tuvieron que colonizar las tierras altas, donde están las fuentes sagradas.

"Son impuros", dijo el gran juez al condenar a un gran general acusado injustamente por espionaje. Por lo tanto, se creó una nueva frontera. Algo similar dijo, 100 años después, el sacerdote que predicaba no alquilar apartamentos a "paganos". Dios había prometido el dominio de los territorios y la riqueza, y eso requería una planificación detallada, calculando las artes, la comunicación, la economía, la ciencia y el cargo político.

Básicamente somos mujeres que colocamos la cabeza del dragón en los pies de los soldados entregados.

Las mujeres fanáticas fueron arrestadas, incendiamos el templo dorado, liberaremos a los niños de su silencio.

Después de colgar los pirómanos de la multitud, prosperemos con las diferencias. Por supuesto, el Imperio está sonriendo, pero somos guerreras decididas, somos muchas (el monoteísmo es pequeño), y ganaremos.

Nuestro pensamiento siempre cambia, nuestro amor es incluso con mujeres y hombres monoteístas por la paz, porque su dios no significa "uno manda, y otro obedece".

Protegemos a nuestros hijos e hijas: los antiguos, los árboles, la tierra, los niños.
Luchar significa sobrevivir.

Afonso Junior Ferreira de Lima

Cabeça de dragão

Seriam a fusão de vários cantos, relatos ou manuscritos?
Provavelmente o estudioso jamais saberá.
Agradecemos aos cronistas que amalgamaram esses textos.

*

"Somos um povo sagrado, eles são impuros e dignos de morrer." 

Começamos a luta contra o monoteísmo judeo-cristo-islâmico (a sua vanguarda feudal) quando as milícias religiosas promoveram o massacre das sacerdotisas na montanha. 

Havíamos aguentado demasiado. A expulsão dos nativos para as florestas altas com a desculpa de "um país sem povo para um povo sem país", a destruição das árvores para extração de minérios em busca de um novo planeta, a exportação como meta enquanto milhões morriam de fome. 

E, depois, vieram os terroristas monoteístas incentivados por sacerdotes fanáticos: na falta de algo melhor para fazer com as riquezas acumuladas na exploração, criaram a sagrada família. 

As mulheres não monoteístas foram punidas com "perda de pontos". Uma mulher sem filhos passou a ter dificuldade em chegar à faculdade, sem casamento até os vinte anos ficava cada dia mais difícil conseguir uma passagem de avião ou mesmo um cabeleireiro à preço justo. 

Assim, as massas de filhos tinham que colonizar também as terras altas, onde estão as fontes sagradas. 

"Eles são impuros", disse o grande juiz ao condenar por espionagem um grande general acusado injustamente. Assim, se criou uma nova fronteira. Algo parecido disse, 100 anos depois, o sacerdote que pregou que não se alugasse apartamentos para "pagãos". Deus havia prometido domínio de territórios e riqueza, e para isso era preciso um planejamento detalhado, calculando artes, comunicação, economia, ciência, cargos políticos. 

Basicamente somos mulheres que colocam a cabeça do dragão nos pés dos soldados rendidos.
As mulheres fanáticas foram presas, incendiamos o templo de ouro, vamos libertar as crianças de seu silêncio.

Depois de enforcados os incendiadores de multidões, vamos prosperar com as diferenças. É claro que o Império está sorrindo, mas somos guerreiras decididas, somos muitas (o monoteísmo é pequeno), e vamos vencer.

Nosso pensar muda sempre, nosso amor está até com as mulheres e homens monoteístas pela paz, porque seu deus não significa "um manda, e outro obedece".

Protegemos nossos filhos e filhas - os antigos, as árvores, a terra, as crianças. 
A luta significa sobrevivência.

Afonso Junior Ferreira de Lima
 

quarta-feira, outubro 09, 2019

Parménides (ESP)

Parménides dijo que "ser es" y "no ser no es": fue el creador del racismo político. Mi abuela, que no fue ser suficiente, huyó de Alemania por esso. Sus dos hijos mayores, siguiendo la inflexible ley de causalidad, eran comunistas en Israel. Mi padre, el más joven, era por lo tanto apolítico.
Solo por curiosidad fue ver a los sindicatos manifestarse en la huelga general. Las milicias lo golpearon y pasó doce horas con las manos en la pared con otros elegidos.
A cada uno se le pregunta sobre su equipo y, al escuchar la respuesta, es dicho que, ali, todos son del equipo opuesto. El objetivo era extraer sangre.
Ese mocoso ruidoso tenía todo para ser un líder mimado y quedar atrapado en la burbuja de la propiedad. Quizás mi abuela arruinó todo con sus informes de los oficiales parmenidianos.
Yo, no ser por vocación, me volví un tanto anarquista.

Afonso Lima

Parmênides

Parmênides disse que o ser é, e o não ser não é: foi o criador do racismo político. Minha avó, que não foi ser suficiente fugiu da Alemanha por isso. Seus dois filhos mais velhos, seguindo a lei inflexível da causalidade, foram comunistas em Israel. Meu pai, o caçula, portanto, era apolítico.
Só por curiosidade foi ver a manifestação dos sindicatos na greve geral. Os milicos o levaram à baixo de pancada, e ficou doze horas com as mãos na parede com outros escolhidos.
A cada um perguntavam seu time, e, ouvindo a resposta, diziam que ali todos eram do time oposto. O objetivo era extrair sangue.
Aquele pirralho briguento tinha tudo para ser um líder mimado e ficar preso na bolha da propriedade. Talvez minha avó tenha atrapalhado com seus relatos de oficiais parmenidianos.
Eu, não ser por vocação, me tornei um tanto anarquista.

Afonso Lima