domingo, setembro 24, 2006
Sobre gays
"Embora a inclinação particular de uma pessoa homossexual não seja um pecado, é mais ou menos uma tendência que vem de um mal moral intrínseco, e, portanto, a inclinação em si pode ser vista como uma desordem de objetivo." (1986, na carta aos bispos da Igreja Católica sobre o cuidado pastoral de gays)
(...)
Sobre judeus
"Que os judeus são ligados à Deus de uma maneira especial e que Deus não quer que essa ligação fracasse é inteiramente óbvio." "Aguardamos o momento em que Israel vai dizer 'sim' a Cristo, mas sabemos que tem uma missão especial na história agora."(em livro de sua autoria, publicado em 2000) (...)
Sobre rock
"Um veículo anti-religião."(em 1988) (...)
Sobre a entrada da Turquia na União Européia
"A Turquia sempre representou um continente diferente, em contraste permanente com a Europa".(em entrevista ao jornal francês Le Figaro, em 2004)
(...)
http://noticias.terra.com.br/mundo/novopapa/interna/0,,OI517260-EI4832,00.html
ALEMANHA
"A declaração decisiva neste argumento contra à conversão violenta é isso: não agir de acordo com a razão é contra a natureza de Deus. O editor Theodore Khoury observa: para o imperador, enquanto um bizantino moldado pela filosofia grega, esta declaração é auto-evidente. Mas para o ensinamento muçulmano, Deus é absolutamente transcendente. A sua vontade não está presa a nenhuma das nossas categorias, mesmo àquela da racionalidade.
Neste momento, até onde diz respeito à compreensão de Deus e portanto à prática concreta da religião, nós estamos diante de um dilema inevitável. A convicção de que agir desarrazoadamente contradiz a natureza de Deus é meramente uma idéia grega, ou isso é sempre e intrinsecamente verdade?"
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Qual é a relação entre o papa e o mundo islâmico?
Este não foi o primeiro atrito entre o papa e os muçulmanos. Na época em que era cardeal, Joseph Ratzinger foi contra a entrada da Turquia na União Européia, dizendo que o país fazia parte de uma esfera cultural muito diferente.
Ele disse que o ingresso turco seria um erro na corrente da história. Em 1996, ele chegou a escrever que o Islã tinha dificuldade de se adaptar à vida moderna. No ano passado, ele acusou líderes muçulmanos na Alemanha de falharem na tarefa de afastar os jovens da "nova barbárie".
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/09/060918_papa_faq_dg.shtml
quinta-feira, setembro 21, 2006
As empresas não estão no planeta (?) Plutão. Estãosendo observadas, estão sendo “julgadas”, serão punidas em cada centavo ganho sem generosidade. A ética de cada vez menos consumidores, cada vez menos bairros seguros, cada vez menos pessoas com bons salários, nos sufocará dentro de vidas pasteurizadas, simplistas, onde todos são iguais e não há criatividade, inovação, convívio, ou seja, a morte. Sim, para ter lucros também, mas ninguém quer sentar num carro com cheiro de sangue.
Fomos educados paraobter lucro mesmo passando por cima de pessoas, árvores, nossa mãe, mas hoje, no Século XXI, os acionistas serão cobrados pelos seus atos. Os acionistas serão éticos, ou serão ridículos. Ambição eum planeta devastado não combinam com carro novo. De nada adianta toda essa teoria sobre "ouvir ocliente", se na realidade a empresa é uma abstração completa, sem terra, um monte de números que ignora aquantidade de trabalho, esforço, criatividade e tempodispensados para adquiri-los.
No século XXI queremosmais que "propaganda simpática" e "marketingecológico": queremos empresas responsáveis, que ganhamsempre, com respeito e paguem decentemente, que vejam a comunidade como parte integrante de si mesmas e quepor isso ofereçam bons produtos, tenham funcionários satisfeitos e clientes fiéis. O lucro numérico - mesmo que nossa ética reformistatenha aliado capital e salvação, capital e vitória, capital e capital - não significa nada; satisfação éviver em comunidade. Espero sinceramente que esse tenha sido um prólogo para um respeito constante e global.
Um abraço, AJR. POA-RS.
Queridos Amigos deste Boletim FIRGS
A seguir, venho comentar o artigo de Marx Golgher, sobre a fala do papa, no Boletim de 21/09/2006, que me causou mal estar.
Tenho a maior admiração pela comunidade judaica de Porto Alegre, responsável por tanta cultura, vida e trocas. O Israelita é parte da nossa vida, como comunidade, e somos gratos a todos vocês, desde sempre. Eu mesmo, provavelmente, tenho sangue judaico, português. Também não tenho nenhuma ligação com a comunidade árabe, seja em termos de religião, política ou mesmo cultura, a não ser alguns quibes e tabules na hora do almoço.
Aliás, como a maioria das culturas do Brasil, podemos ser diferentes e próximos; ao valorizarmos nossos ancestrais e nossas fontes culturais, e a dos outros, todos nós vivemos um mesmo espírito, e não faz muito sentido nos "marcarmos" com uma única nomenclatura, como se houvesse grupos fechados: O Bom Fim é judeu, e é meu também.
De qualquer modo, não há um único tipo "judeu", assim como não há um único tipo "cristão", "árabe", "chinês". No mundo cosmopolita que nos cerca, vivemos cercados de diversidade, o que aumenta a riqueza e a beleza da vida.
Eu não poderia admitir que ninguém falasse mal da cultura judaica, pois, se não fosse por dignidade, a Bíblia é parte essencial da cultura cristã greco-latina européia, que tanto nos influenciou. Como cristão, eu devo aos judeus meu Livro e meu Mestre, e, claro, a bela Espanha, e devo ao Islã a teologia, a cultura grega, o gótico, a Espanha.
Devemos, nós cristãos, ao islamismo, uma “herança esquecida”, segundo o medievalista Alan de Libera, pois em Bagdá, na Idade Média, “traduzem-se e explicam-se textos” (da literatura hebraica, da grega, siríaca, persa, hindu, latina), e há “um público que aprecia instruir-se”, “os latinos se esforçam para manter sua cultura, enquanto, no mesmo momento, o mundo muçulmano conserva, produz e desenvolve a sua cultura e a dos outros”. (de Libera, Pensar na Idade Média, p. 100)
Se a etnia de origem judaica trouxe ao Ocidente a vasta contribuição de médicos, intelectuais, artistas e reformadores, assim também os povos orientados pela ética de Maomé, que reformularam e ampliaram as mesmas áreas da medicina, filosofia, artes e religiosidade. Jesus, um judeu, como nos mostraram os testes baseados em análises genéticas, teria a barba, tez escura, a face de um oriental, de um homem do Oriente Médio, de um islâmico. O judaísmo e seus filhos – Salomão, Marx, Rosa Luxemburgo, Freud, etc.- possibilitaram que nossa cultura pensasse na justiça, desejasse a verdade, valorizasse o homem e criasse opções de sociedade onde o dia-a-dia fosse satisfatório.
Da mesmo forma, o Islã, essa cultura que envolve milhares de modos de ser, é parte importante da cultura oriental e tem uma longuíssima história - que começa em 600- de escolas de direito, mística, filosofia, teologia, tendo o próprio Renascimento começado em Bagdá.
Foi graças ao Islã que surgiu a escolástica medieval; eles "preservaram" um local de tolerância para judeus na Espanha por 700 anos, foram os cristãos que (n)os expulsaram. O livro "O Islã", de Karen Armstrong mostra isso.
Karen Armstrong diz que “Jihad”, no Alcorão, significa "esforço interno para corrigir os maus hábitos". Assim como as Cruzadas - túmulo dos europeus, que marcharam em direção à fome e ao saque - os exageros de pessoas de origem árabe tem motivos políticos circunstanciais. Muito que se vê hoje, segundo a autora, é uma reação a "modernidade" que veio em cinqüenta anos no Oriente Médio e parecia disposta a destruir tudo, hábitos, moral e fé. De Cristo e sua ética do amor, partiram tanto Frederico II, criador da Inquisição, quanto Madre Tereza. Segundo a autora, a palavra islam está etimologicamente relacionada a palavra salam (paz) e significava a coesão e concórdia. (ARMSTRONG, p. 66) A autora comenta que “o anti-semitismo é um vício cristão”. Diz ainda:
“...alguns muçulmanos agora citam passagens do Corão que se referem a luta de Maomé com as três tribos judaicas ... retirando esses versos do contexto, eles distorcem tanto a mensagem do Corão quanto a atitude do Profeta, que, ele próprio, não tinha ódio ao judaísmo”. (p. 63)
Ninguém pode ver o terrorismo sem pensar em quão frágil é a vida humana e quão terríveis as idéias que enrijecem a vida. Pessoas e povos que se consideram ofendidos e invadidos reagem de forma violenta, há milênios, pela história da humanidade. Ainda que eu nada tenha de árabe ou a favor especificamente do Islã, não poderia querer negar o impacto das citações papais, pois se dissessem que Cristo é responsável pelas Cruzadas por que disse “eu vim trazer a espada”, eu, como cristão, me sentira ofendido.
A citação do Papa, vinda de um homem de sua importância e posição, foi tão estranha que causou uma rápida reação, tendo ele próprio se escusado, de modo informal.
Nenhum homem público está livre de um mal entendido, e cada um entende como quer até uma frase escrita, mas nós ficamos mais serenos se soubermos que o Papa não prega a guerra santa. Os judeus do mundo todo nos legaram sua luta pela tolerância e respeito à diversidade, entre outras coisas, por um princípio ético de igualdade no seio do Iluminismo. Não podemos simplificar as coisas, mesmo que “as coisas” nos atinjam de cima. O medo nos faz agir, mas o medo não é bom juiz.
O Papa, por outro lado, não é a Igreja (ainda que, por tradição, respeitemos seu simbolismo) assim como não o é Santo Agostinho, nem Inocêncio III ou Gregório VII, criadores da monarquia papal, uma inovação "romana" do século XII. A Igreja é o amor à comunidade, e é a comunidade. O Papa é o "supremo servo". Assim também muitos israelenses, mesmo vivendo sob o medo e a insegurança, protestam contra a ação de alguns governantes. Os governantes devem ser sempre "nossos servos", não senhores.
Não teria sentido nenhum começarmos agora uma guerrinha por quem estava certo em 1200; nossa cultura evolui e, se a ética da Bíblia, de Maomé, de Jesus deram linhas gerais de ação ética, qualquer tentativa de reviver frases de outros contextos e aplicá-los hoje sem crítica seria mero fundamentalismo.
Em um momento onde a concentração de dinheiro possibilitou que 5 ou 6 empresas no mundo todo nos abasteçam de cultura, informação e debate, e nossos governos não podem dar á democracia aquela parcela de distribuição de renda e de pressão aos políticos e empresas que mantém a democracia, a simplificação pode ser trágica. Caminharemos para sociedades fechadas, feitas de condomínios fechados, de carros fechados, de crianças fechadas? Os produtos são todos iguais, as pessoas são todas iguais, as idéias são todas iguais: vivemos a simplificação global, com ela, a pobreza da vida.
Assim como a nossa Bíblia Sagrada, cada povo viveu momentos de paz e guerra e cabe a nós compreendermos o todo da ética como um chamado à compreensão e ao amor.
O Alcorão pode afirmar: "Não discuta com os seguidores de uma revelação mais antiga (cristãos e judeus) senão da maneira mais amável possível... pois o nosso Deus e o vosso são um único." (p. 49).
Dialogar é difícil, às vezes exasperante. Não podemos aceitar tudo, e não podemos entender a verdade do outro de modo completo. O medo nos domina, o medo nos leva a ver menos, mas, vendo menos, a realidade se vinga, as conseqüências são mais violência e eterno medo. A Revolução Verde, por exemplo, foi boa para aumentar a quantidade de produtos mais baratos, mas hoje convivemos com os danos ecológicos, muitos deles irremediáveis.
Em um plano muito mais trágico e vergonhoso, foi a simplificação que levou os judeus ao forno, e, com eles, nós todos. O século XX nunca se recuperou desse golpe, e a humanidade, quem sabe, nunca se recuperará. Percebemos, então, que há “vida”, algo que transcende culturalismos, ciências, formas, aparências. Há vida.
O Holocausto marca o horrível e forçado “fim” da realidade, marca o momento em que idéias abstratas, preconceitos, simplificação e condescendência, e, em primeiro lugar, a ambição movida por desejos irrealistas, consomem e própria chama da vida, feita de tons e semi-tons.
(Toda a ação tem alguma "generalização" ou simplificação, mas só com elas, o caos toma conta; no mundo de hoje, em que queremos reconhecimento, trabalho, lucro, poderíamos ficar todos em nosso cantinho, mas isso levará à guerra, que é a falta de conhecimento, de opinião pública, de controle mútuo).
É preciso escutar, sempre: a vida é maior que nossos hábitos. Maior até do que nossa compreensão. Devemos, todos os sábios o disseram, antes de tudo, cuidar da vida; a vida, tão frágil, e tão diversa, mesmo que não a compreendamos, mesmo que não seja nossa. Cuidar da vida resume todas as leis. E, se não bastasse tudo, o bem é, no fundo, nosso desejo de continuar vivendo, a força que nos impede de cair no mero caos de vontades violentas, e, para isso, os outros precisam viver.
Como diria Salomão: “A resposta branda aquieta a ira; e a palavra dura, incita ao furor”.
quarta-feira, setembro 20, 2006
Tenha fé. Você vai conseguir dizer o nome dela. Manoela WSXIKWJKSNKJYWLKNXWSY, abreviado como Sawitzki.
(Os poloneses, sempre conseguiram vencer os alemães nesse pormenor, nomes). As pessoas adoram dizer de quem não têm 40 primaveras que são “jovens”, e como se não bastasse, “promissores”. Manoela não é, nesse sentido complacente, “jovem”, nem “promissora”: é uma artista, pronta, excepcional. E vai melhorar, porque vai amadurecer, mas aí já é lucro.
É daqueles momentos em que o teatro gaúcho brilha.
Liane Venturela sempre sabe escolher bem seus textos. (Ela sabe, também ter uma linguagem contemporânea, aberta, radical, sem ser pura forma; mesmo que ela não seja a produtora, cenógrafa ou figurinista, todo trabalho que vejo dela é marcado por essa beleza inovadora).
Sandra Dani dispensa qualquer inútil tentativa de elogiá-la com palavras. Está no alto patamar de um Paulo Autran, de uma Norma Alejandro.
O cenário, do português José Manuel Castanheira, é feito de latas, e um telão, que realmente está integrado a tudo que acontece na peça, tecnologia a serviço da estória.
A luz, desenhada por Cláudia e executada por Taylor, muito muito diferentemente do que foi em Ricardo, o Terceiro, marca emoções, colabora, cria. Os contrastes de claro-escuro, vermelho, azul, são deliciosos. O figurino é bem acabado, um retrô a ver com o resto, maravbilhoso. Zoe Degani, sempre maravilhosa, também é assistente de cenografia.
E o texto, sim, é novo e fresco. É sobre rancor, perda, mais rancor.
O personagem da mãe “polonesa” é fantástico: só quem tem alguns genes poloneses (no meu caso, bem escondidos, é verdade, pelo indígena, negro, espanhol e português) pode saber o quanto tudo é real.
Sandra Dani, como sempre, brilha: é puro fogo, é tragédia pura, sem destino, deuses ou reis, contemporânea, mas sensata e honesta.
Já o personagem da filha, interpretado por Liane, não me pareceu tão claro. As filhas polonesas podem ter ódio, e ter também elas sua dose de veneno, misturado a cuidados, amor e delicadeza. Nada que comprometa a qualidade, a visceralidade, a força do texto, claro. Mas, quando ela diz, por exemplo,
“minha mãe é uma puta”, poderia continuar “eu, eu queria ser essa puta, eu queria muito”. O personagem não ganha vida própria, não porque seja pequeno, mas porque sua antagonista é realmente grande.
Seu passado com o namorado, seu amor-ódio pela mãe, a razão de sua confusão, não são tão definidos. Qual o conflito, afinal? Mesmo assim, a força cênica de Liane transforma tudo em um todo coerente e agradável.
Em um dos momentos de enfrentamento, quando a mãe ataca a filha, mesmo sendo mais frágil, vemos duas grandes atrizes em um duelo triunfal.
Enfim, uma das raras ocasiões em que você sai do teatro pensando: que turma inteligente!
ajr
PS: A dramaturga comenta que o texto teve uma adaptação para caber no tempo previsto para apresentação.
link:
calamidade-teatro.blogspot.com/
terça-feira, setembro 19, 2006
Nekrosius, Nekrosius, Nekrosius!!!!
Será que fazemos arte só para libertar nosso gesto para os gestos possíveis?
Para criar, para agir, para mostrar que a vida é ação?
Será que queremos dar voz às paixões, mostrar o resultado do eu violento, da excessiva ingenuidade, e, no fim, amamos a força da vida, mesmo se nefasta? Amamos Iago, odiamos Othelo.
Em contraste flagrante com o Shakespeare que acabei de falar, está Othelo, numa produção da Lituânia. Ah, a liberdade!
Tire todo o texto excesivo, não siga a linearidade textual, mas a do sentimento, esqueça o texto e o traduza.
Iago era uma criança brincalhona e malvada, e o cenário era cheio de sugestão, movimento, criatividade!
Algo realmente contemporâneo. Movimentos novos, que dão base a falas bem direcionadas, precisas.
E o melhor de tudo! Othelo é o personagem principal....
Em Shks Othelo é um dos personagens mais chatos já criados... Harold Bloom mostra que ele é pura consciência, honra, dever, depois, puro instinto... (Dizem que, no conto original, Othelo simplemente matava a mulher fazendo cair o dossel sobre ela, portanto, evoluiu...)
Mas, nessa montagem!
Ele é o centro, realmente!
Sensível, dividido, sofredor!
Desdêmona não é aquela quase-chata boazinha, capaz de perguntar se as mulheres seriam capazes de trair seus maridos, mas viva e cheia de nuances!
A cena de sua morte sinteteza tudo que é teatro hoje: um ballet de abraços, uma mulher arrastada, três vezes, um homem que chora e rega vasos de morto.
O famoso "Não me mate agora, mate-me amanhã!" é doce e instintivo.
Que direção!
A luz é precisa, chegamos a ver a manhã, o mar, as gaivotas... Com elementos inusitados, uma porta solta, cabaças de fazer churrasco (hehehe), tinas d´água, chamas, todo um univeso de Chipe é criado.
A música é sensível, exata... o piano, tudo!
Nada de grotesco descabido, de caos forçado, nada de pobreza cênica, nem arrogância...
Simplicidade, mas forte.
As quatro horas são preenchidas com batalhas, barcos, tumultos, uma Emília viva e divertida, um Cássio dentro do razoável... os atores- ah, esses pequenso deuses loiros!- são dirigidos pela compreensão do seu papel, o que sempre é raro!
Os personagens utilizam todo o humor disponível no texto e o melhoram: esse é o negócio, Shks é feito de enchimentos, interpretações...
Só há o que elogiar quando uma peça atinge o sagrado espaço da verdade forte e vital:
ato criador, gesto, ousadia. Parabéns!
ajr
A afirmação de Harold Bloom de que Shakespeare inventou o eu, pode parecer muitas vezes a fantasia de um erudito que esquece que todo gênio dá forma a uma fala de sua época, dos contos, cantigas e fábulas do povo, e que tudo era parte da brincadeira chamada cultura. Mas não seria falso afirmar que sim, os dramas de Shakespare são dramas de “eu”, não se referem a normas sociais e contextos como no mundo grego, ódio, ruptura e violência, não se referem às coisas que acontecem a um indivíduo, mas são o indivíduo: o que fala, o que conta a si mesmo.
Em nenhum das peças que eu conheço isso fica mais claro do que em Ricardo III.
A única coisa que interessa na peça é a forma como os personagens falam de si mesmos. Ele está preso em modelos históricos, parece que não houve interesse humano além do papel de “irmão que é morto” ou “rainha que é destronada”. Sem pensar, o personagem é nada.
Aí entram todos os recursos mais típicos do autor, imagens fortes, repetições, metáforas sobre metáforas, ênfases, artificialismo. Salvam os assassinos, humanos e divertidos.
Shakespeare, claro, é texto, mas como Hegel sabe, arte é conceito em forma, portanto, precisamos dos olhos, precisamos de movimento e de luz. Infelizmente essa não foi a peça que assisti, de Roberto Lage.
As pessoas ao meu lado se mexiam, bocejavam, falavam. Ninguém hoje, na era de tudo aquilo que sabemos, consegue entrar na “viagem” abstrata de Shakespeare se a luz for de garagem, os atores estáticos e só as bocas mexendo. A ironia que a direção achou para certas falas é positiva, mas em alguns momentos a platéia acaba rindo do que não era para rir.
Mas se há algo nessa peça são os atores, todos excelentes. (São atrapalhados, claro, pelo tradionalismo da luz, ora de palco cheio, ora em focos comuns, e também por uma escolha errada de “texto integral” que obriga a usar todos os erros do autor, todos os recursos mais antigos de “quatro ingleses conversando sobre a morte do rei e a sucessão”).
Aliás, para uma peça de um ator, como essa, em que todos os outros personagens só repetem o que já sabemos, só linguagem agindo, levando o verbalismo shakesperiano ao absurdo, é impressionante que lembremos de outros atores. Celso Frateschi é brilhante em tudo.
Mesmo com sua força, há momentos em que desejamos que o dramaturgo não tivesse escrito tanto, primeiro porque o texto é, como quer aquele crítico, uma paródia de Marlowe, e só assim pode ser levado a sério.
Falar tudo também não ajuda. Como disse, hoje se pode trabalhar o sutil, o contexto, pode-se brincar com o texto e o cenário... Os motivos para irmos ao teatro mudaram, e, portanto, deve mudar o corpo dos textos. Senti muito a falta de movimento, originalidade e contemporaneidade.
Como diz o crítico, sobre um trecho da peça, “Não consigo me lembrar de outro trecho (...) em que Shakespeare seja tão inepto”. Representar isso, ai sim, é, os atores que me perdôem, ser inepto.
ajr
domingo, setembro 03, 2006
As pessoas têm me comentado sobre o conto "Um porto-alegrense" (que aliás poderia ser "um francês" ou um "sul africano" ou "um brasiliense" -botando fogo no índio- )
Infelizmente, baseado em dados reais...
(graças a Deus, há nessa cidade um baita ambiente cultural, muitas pessoas de todas as classes adoram ler, e há muito trabalho social, claro!)
A origem do conto está ligada a dois fatos que ocorreram comigo...
Eu estava bem tranqüilo comprando uma fruta na esquina e quando vou dar o dinheiro, entra na minha frente um rapaz alto, de terno e diz: quero uma maçã, uma pêra, um...
Eu, normalmente ficaria quieto, mas achei educativo dizer: "Moço, eu estou na frente"
(deve ser filho de pais que jamais olharam para ele, preocupados em comprar algum novo carro ou colocar botox...)
O cara deu um pulo! Senti que realmente não havia feito "por mal", ele simplesmente não me viu...
Ele não sabia que existem pessoas ao redor.
Fiquei bastante impressionado.
Depois, outro dia, eu estava mais uma vez pacatamente comprando fósforos na mercearia e o dono foi se abaixar para pegar os benditos...
Uma moça do meu lado gritou: "moço, eu estou com pressa!"
Eu, preticamente um jesuíta, disse: "Amiga, eu também estou com pressa. Todo mundo tem pressa hoje em dia". As pessoas estão ficando loucas, pensei.
Um belo dia meu pai vai fazer uma curva e um rapaz simplesmente joga o carro sobre ele.
Desce do carro e começa a dizer mil palavrões, "vou te fazer pagar isso, quem tu pensa que tu é!"
Meu pai percebeu que ele pensara: "vou fazer esse coroa pagar o arranhão que dei no carro de meu pai". Daí reverteu a coisa e começou a dizer que era doutor em direito e, aos berros, que ia processar ele por calúnia, injúria, conduta indevida e mau hálito. O cara murchou e chamou o pai... (mais um pai comprando carro no domingo...)
Então...
Depois, tudo junto, veio a notícia:
"O professor Antônio Carlos Stringhini Guimarães, pró-reitor de extensão da UFRGS, 53 anos, morreu na manhã do dia 22 de outubro, vítima de um acidente de trânsito,
O cara tem um Corolla e não tem a mínima educação?
Ainda: a cena da prostituta foi assim- eu passava na rua, perto de um prstíbulo de luxo, e
ouvi uma menina falando no telefone: "olha, mamãe te ama, filho!"
Claro que a maioria das pessoas não são assim- ainda bem que temos colégios católicos, grupos de Igreja e missas- se fossem nem valeria a pena escrever...
Se o mundo anda muito inseguro e não sabemos a causa política disso, acabamos hiper-estressados... (E as pesoas reclamavam da castidade...)
Mas lembra? Aristóteles disse que o ser humano é social, não há vida sem comunidade, isolados adoecemos e precisamos de mais "eletrecidade" para nos levar serotonina... coisa que uma boa conversa resolvia...
Sabe como é, sem complicar, a comédia mostra que não precisamos ser nada, e nos alivia; a tragédia que existe gente que sofre, e nos interessa.
É o que meu pai chama de "crise moral".
Acho que as pessoas gostam quando se fala o que elas sentem, no fundo, quando
reforçam os valores delas... (bem grego isso, de criar identidade coletiva, concordância, democracia)
Isso nos ensinou também Érico Veríssimo, entre outros, pois seu "Olhai os Lírios do campo"
foi contra um modernismo elitista (...o clux do isso no fluxo do nexo...) e era possível de se gostar.
O que mais me emociona é que as pessoas de fora da Bolha numero 1 (a Universidade) dizem: li e gostei!
Puxa, isso é o máximo!
ajr
sábado, setembro 02, 2006
Há literatura de gênero, literatura feminina, literatura gay, negra?
Há nossa condição -biológica, social, os discursos que nos comandam, os medos particulares- mas ela não pode virar individualismo, há de haver acordo ou a democracia acaba.
Na pós-modernidade, com esse excesso de informação, sem espaço mental pra criar a si mesmo, e insegurança social, as identidas trocam a cada dia; não há identidade estável, porque não há realidade estável.
Foucault diria que nos Estados Unidos, há identidade de gueto porque existe exclusão forte, puritana; aqui não há exclusão matriz para isso, ninguém casava na Colônia, sodomia era comum, mas todo mundo era súdito, a lei era imposta.
Com 47% da renda do brasil na mão de 10% da população, hoje há a censura das identidades livres e identidades elitistas criadas pelo marketing, dentro da bolha de consumo.
As marcas globais, que mandam no mundo, querem o lucro, algo abstrato e infinito; trabalhamos 18 horas por dia e nossas praças, onde as pessoas namoravam, estão cheias de mendigos; temos de ser objetivos, trepamos pra relaxar. Não tem a censura do cacetete e da castidade, mas tem a censura dp desemprego e a sexualidade é vendida enlatada.
ajr