“Entrar no metrô que é uma parede humana e ser esmagada com um braço na tua cara, o prefeito acha nomral? A gente vive no limite do stress!” - quando uma amiga me disse isso, pensei que estava exagerando.
Hoje liguei para a Eletropaulo porque dois meses minha conta chega com atraso devido a um erro de CEP. “O senhor tem de ir na agência em horário comercial”. “Meu amigo, em horário comercial eu estou trabalhando”. “É assim, não há o que fazer”. Argumentei que se um ser humano fez esse sistema maluco, um ser humano era capaz de desfazê-lo. Ele concordou que eu não devia pagar multa por um erro deles, mas não havia o que fazer. Então, uma simples ligação faz você se tornar o Átila. Disse que iria reclamar para a agência reguladora caso atrasasse de novo e ele concordou em anotar minha reclamação. Cidadão - ninguém.
Lembrei-me de quando fui instalar internet em casa a primeira vez. O modem, o provedor e a banda larga eram de empresas diferentes. Cada um me mandava fazer uma coisa e nada funcionava, um colocava a culpa no outro... Descrevi mais de cem vezes os detalhes – coloquei X em Y, cliquei em N, plantei bananeira etc; "não, eu já coloquei aí; o provedor disse que era isso; não, isso eu já fiz". Nenhum primitivo mecanismo de registro, falei a mesma coisa para cada novo e novo e novo atendente. Quase uma semana para alguém entender, "ah, já clicou alí?"
(Aliás o que há além da Teleforçabiônica? 3G ainda não vale a pena, Net "não está disponível no seu bairro", bem central! Microhard-Monopólio!)
O que mais me assusta nessa sociedade “liberal-fascista”, criada à mídia insípida, é ouvir jovens que só tem respostas individuais para problemas sociais. Em São Paulo é ainda mais comum. Os quase-pobres arrumam algum emprego se tornam quase-mais que seus irmãos quase-nada e logo descobrem que “os pobres são pobres por que não trabalham” ou “a esquerda vitimiza essas malandros que só querem bolsa família”. São Paulo é uma bolha de consumo que isola a todos do Brasil e da outra São Paulo, logo ali, mas há anos-luz do cidadão da Paulista.
Nada mais normal nesse contexto, então, do que ver um homem-cadáver na rua, com seus ossos a mostra, dormindo no cimento, parecendo um fanstasma de Auschwitz, enquanto o governo fala alegremente em “higienizar” o centro porque afinal esses vadios só sabem fumar crack, o que nos envergonha e estraga a paisagem. Alguém falou no Estadão sobre por que motivo alguém fuma crack, quem são esses moradores de rua que chegam na farmácia pedindo fraudas para vender por R$ 2,00 na esquina e queimar seus neurônios? Não, é preciso falar da estética, a “Cracolândia” – nome entre o irônico e o simplista, que mascara um mundo todo, jogando-o para o lado do “outro sem volta”, com um adjetivo-estigma - veio do nada e volta ao nada. Uma amiga diz que em SP há o "status de bairro", quando chegou na sua faculdade no primeiro diz a primeira coisa que lhe perguntaram foi "Onde mora? Você pega metrô? E depois ônibus? Quanto tempo?"
(Urbe-caos... Mega-empresário quer Estado? Planejamento- além do próximo produto? Inclusão- além do seu nome na Fortune? Reforma- além de menos imposto? Cada um por si e todos por mim... Na democracia dos mega-empresários, do lobby corporativo e dos "compre-Batom!"- equalizador de mentes, o bem comum é passado. Se as pessoas passam fome é porque há outras prioridades... Não está tudo bem? Não será tudo resolvido? Não pode esperar? A distância geográfica de São Paulo cria a "dor distante" do nunca visto, a explicação "racional" do inominável. A depressão ultra-consumista da "psicose" fragmentadora do jornal-esquizo-bricolage. Verdrängung, recalque, empurrar o real incômodo. Quem não crê no poder devia ler sobre o Consenso de Washington, tanque que achatou os anos 90. O capitalismo, alguém já deve ter dito, é um sistema de pensamento que mata tudo que não é produtivo, cala os indecisos, suprime os fracos, afasta os possíveis contraditórios da política do progresso: sem reconhecimento do estranho, surge a crença e a conclusão fechada de uma experiência particular, sem diálogo há conflito.)
A elite de São Paulo tem uma forma “amistosa” de lidar com isso, é o lado da biopolítica clean que cria projeto social malandro, afinal são preguiçosos por natureza. A miséria é um fato histórico e social cientificamente explicado e complicado demais para resolver. O racismo novo é feito de caras “feias”, "da Zona Leste" gente “sem cultura” e “tapada”, que atrapalham a circulação fantástica de informação e capital do primeiro mundo, o eixo Paris-Londres- São Paulo. É a linha FHC, puramente consciente dos problemas do mundo -pensando em um plano técnico para elevar algum % em tantos anos que irá... - e capaz de falar as coisas mais fascistas, os discursos mais classistas contr a incompetência dos operários barbudos no poder.
A aceitação resignada de que são dois tipos de pessoa, que pena, alguns que não entendem, não falam bem, não são belos (e principalmente não se esforçam), e os que entendem, falam, sabem, são: o inverso da democracia, baseada na participação. Miséria é ruim, mas não é comigo e pode esperar. A elite gaúcha, hoje enredada em corrupção, é mais bruta e mais tacanha (financistas robóticos, empresários-coronéis com ambições "globais", generáis da Inquisição), e por isso, mais ridícula, simplesmente manda bater. Comte: a moral manda que todos trabalhem para o progresso, quem critica o progresso merece chumbo. A única cultura é a Veja. Para um estudante que foi agredido e preso pela polícia em manifestação pacífica, um senhor de meia idade diz "Bonito, heim?" Um amigo dizia: "A culpa é do povo, na Europa o povo sabe votar (será?)"...
(Em comum, a ilusão da felicidade solitária, filhos sem afetos, pais ganhando dinheiro: uma juventude linda, fanática, informática, celulática, malhática, trancada no quarto, bebendo, batendo o carro do papai, tomando ecstasy e "buscando diferencial" pela força. Epidemia de jovens damas- de -ferro executivas e mussolini-clintons. PS: Por sorte há também jovens espertos, que sabem que há vida além do video-game...)
Democracia agora é: marketing de massa, vender meu conceito ao povo. Jovens adultos que falam "objetivamente", querem resultado, rápido, toda dúvida atrapalha a venda. Não há nada de podre na Dinamarca. A classe média brasileira é esse animal estranho - "saí do buraco, seu pobre" é mais que "como vamos tapar o buraco?" – ouvi de um jovem de 18 anos: “Aqueles protestos contra uma represa na África, deviam matar todos, estão atrapalhando o desenvolvimento”- mesmo preso entre empresas déspotas e governos de direita, parece não ter o mesmo contingente informado e rebelde da classe média norte-americana e européia, ou pelo menos sai menos à rua, e pode dizer tranquilamente: “os nordestinos deviam voltar pro Nordeste” ou “se apanha da polícia é por que é baderneiro”.