"... Pode-se dizer que eu comecei na época do novo romance. Passei um pouco por Duras, um pouco por Sarraute. Através de Duras, tive algumas percepções de Blanchot, sobre a escritura. Podemos vê-las ainda hoje, apesar do retorno da narrativa.
Mas enfim, houve uma revolução da abstração, que se deu mais tardiamente em literatura do que em pintura, e suprimia a noção de personagem, e encarnação dos personagens, a noção de personalidade, de psicologia racional, de construção de uma personagem, que dissipava a noção de narrativa, ou seja, de ação. Todo mundo diz que o teatro é ação. Acho que tudo isso foi dissipado.
Tudo o que fazia parte da engrenagem do teatro, a progressão, a montagem de cada tirada e a progressão de ato em ato ou de cena em cena, tudo isso não existe mais. Ou não existiu mais durante algum tempo. Assim detendo-me a essas escrituras, precisei procurar um material para trabalhar.
Buscar um modo de dar vida às coisas em cena, sem passar pela encarnação dos personagens, psicologia ou narrativa. É assim que através dessas escrituras, por exemplo, de Sarraute, que é realmente abstrata, e cujos personagens não tem nome, é preciso que se recorra à escritura e pensar em tudo que a compõe, que a interpretação dos atores seja baseada na escritura, que a “mise em scène” seja também incluída no que é escrito e que os atores, ao invés de interpretar mal, ou seja, de encarnar, de imitar personagens reais e de dialogar entre eles, se entregue à escritura.
Ví duas coisas muito importantes.
É tentar sentir que, sem dúvida, a origem da fala é a mesma que a do gesto. Deve haver um centro
Tornando-se um monólogo, o que não quer dizer um discurso de uma pessoa, mas um único discurso. Volta-se então à origem do coro da tragédia grega. Então nesse momento, não há mais encenação, torna-se uma audição, uma audição do texto e uma forma de fazer circular... Uma forma de fazer circular o texto que carregamos com o contrapeso dessa matéria inconsciente, matéria que pereceu sua escritura, e deve então perecer nossa encenação e nosso sistema de imagens, plasticamente. É preciso ouvir e estar.
(...)
Penso que, mesmo escrevendo ou lendo, ouvimos sons. Se procurarmos de onde vêm, de alguma parte do inconsciente, então é preciso calar-se. É preciso calar-se e ouvir. É preciso ouvir o silêncio. Então percebemos que, no silêncio, de repente há a presença de homens e de mulheres... Uso “homens” num sentido geral. Essa presença é multiplicada – consideravelmente aumentada, mas é mais que isso – e que a imobilidade não é um pecado maior.
Que há na imobilidade, forças, trocas de forças que se atraem como um movimento. É preciso parar de se mexer, parar de falar, ouvir o silêncio e ficar imóvel. A partir daí, através de leituras feitas sem encenação, a partir daí começamos a descobrir como falar em sintonia com essa fonte interior. E é aí que o gesto se dá, ao mesmo tempo que a fala.
O movimento desacelerado é outra coisa. Ele vem da mesma coisa. (...)
E esta desaceleração adquire também um tipo de reflexão, na verdade, um tipo de atitude estática. Quer dizer, deixa vir a calma por si, que seja para falar ou para se movimentar. Sabemos que quando estamos a esse ponto relaxados, é uma relação com o universo, nós nos abrimos para o universo inteiro. Ou seja, estamos nos relacionando com o espaço da cena e os parceiros, ao mesmo tempo que com o universo, o cosmos inteiro, e estamos abertos a todas as dimensões. Assim o palco vai ser ocupado obrigatoriamente por algo invisível que não se pode analisar, que sentimos sem saber."
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