CARTA ABERTA PELO BELAS ARTES- SAMPA
Olá Flávio Maluf:
Como vai? Meu nome é Afonso Jr. Ferreira de Lima, sou um escritor, o que significa, hoje, basicamente, ser louco o bastante para dizer o que não se deveria, como “todo mundo fracassa”, “eu me dei mal”, “uma moeda sempre tem dois lados”. Nesta semana falei com um amigo meu, que parecia arrasado: sua voz quase não saía. “Vão fechar o cinema”, ele disse.
Então fiquei tentando animá-lo (o que é um cinema, afinal?) e percebi: eu também estava arrasado. Porque talvez essa cidade não seja apenas um monte cimento, de carros, “salve-se quem puder” e “seja homem”! Quando eu estou exausto, quando quero lembrar que temos emoções humanas, quando quero conhecer outras pessoas e sair de minha casquinha: eu vou ao cinema!
Lá eu conheci como somos esquisitos com Medos Privados, vi o quanto estamos sozinhos e podemos nos conhecer, com Um dia muito especial, descobri que o amor é mais do que sabemos e tudo bem com Jules e Jim. Conheci Paris com Paris, tive medo de nós com Ensaio sobre a Cegueira, e chorei com Não Matarás, onde se mata um jovem que luta para viver!
Então percebi que nós, como humanos, precisamos aprender com os outros. Nada acontece como queremos, e nossos amigos nos dizem que estamos errados. Eles podem ser Shakespeare, Quixote, Ingmar Bergman.
Se a violência é nosso pão de cada dia, deve-se também ao fato de termos nos tornado pedra. Sem memória, sem uma história para contar, sem orelhas. A cidade não pode parar (especulação imobiliária é isso), mesmo fechada na garagem. Não precisamos ser nada além do que somos, precisamos sim fazer parte. Descobrir o que somos. Para que(m). Vencer o medo. Vamos falar somente através dos negócios e do sexo? Grana nenhuma pode comprar o que ser generoso gera, ligações, sorrisos.
No mundo do caos, as histórias nos lembram de que somos assim, estamos sozinhos e somos iguais. Conheci pessoas milionárias o bastante para saber que o dinheiro pode ajudar você a se destruir se não for uma pessoa feliz. Muitas coisas boas estão dentro de todos nós, mas precisamos vê-las para que elas saiam. Meu amigo triste pode conhecer novas coisas. Mas é bom ficarmos com as que conhecemos, mesmo sabendo que tudo flui. Você é um homem livre, apenas lembre que queremos você na cidade, porque só vivendo juntos seremos alguma coisa. E o cinema é parte disso.
Afonso Lima, 2011