A cura
Senhoras e senhores, muito obrigado. Então, quando eu comecei a pesquisar esse caso - tão repleto de perversa mecanização, tão simbólica de um homem como objeto e que, ao mesmo tempo, coloca a questão da relação entre sistema e intersubjetivo - eu perguntava: pode a mera descrição de um fato ter um efeito artístico depois que a realidade superou todos os efeitos de choque? Como é possível a mímese - tudo é sempre construção, o "como era" morreu na Primeira Guerra, o sistema nervoso não se interessa, o tema é a forma. Então eu perguntava: uma mulher; 25 anos; morando na praça há vinte anos; e como contar? Como incorporar o "Clube dos Donos de Ferraris" da China, e suas fábricas escravistas, os milionários americanos construindo réplicas de Versailles, com salões para mil pessoas, num país com salário estagnado há 30 anos, e o uso do Irã para não negociarmos a paz? Com as unidades de linguagem arbitrárias e diferenciais? "Mamão" não se liga a uma forma natural, "cigarro" ou "pinga" só existem em relação aos outros signos... Aqui, os reflexos da arte na esfera da autonomia, desde a organização idealista da forma por Aristóteles - Sócrates chamara os artistas de mentirosos - passando pelo desinteresse sem referência à vontade, ao desejo do agradável e do bom, de Kant, até a "arte inútil" de Wilde, colidem, se reformulam, transitam perante o simples fato de que o "Vendedor" impunha o falocentrismo na troca assimétrica, sendo ela a única mulher entre os "bufões" despersonalizados pela rua. Como diferenciar num mundo determinista os limites para uma boa alma ser livre? "Só o poeta, que despreza sua sujeição e levanta-se com o vigor da invenção, cria uma outra natureza" - diz o crítico Sir Philip Sidney. E, com isso, retomo a questão de Pirandello: ele vê personagens vivos, mas eles não entram na forma dramática. Ou, com Macedonio Fernandez: "A tentativa estética presente é uma provocação à escola realista, um programa completo de desacreditamento da verdade ou realidade do que o romance conta, e somente a sujeição à verdade da Arte, intrínseca, incondicionada, autoautenticada". O que me ocorreu nesse processo foi representar a mulher currada como alegoria do "Não Desejo" e da "Liberdade" - esta mulher, que agora vive com a família, refeita com remédios, deseja voltar à "liberdade" em meio ao lixo e seu bando torpe. Ao receber esse prêmio agradeço em especial à Academia pela compreensão de uma reflexão neo-realista E formalista citando a coisificação da palavra na indiferença do tempo por Brecht: "as palavras ocorrem num planeta que não é o centro".
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