Eu estava exausto e desnorteado. Que
outras torturas sofreria? Viriam o carrasco, o espião, o homem de fé perturbar
meu corpo e mente? Meu vigia começou a contar sua história delirante: “No
início, eu tinha uns 18 anos, ligaram para meus pais da escola pedindo que eu
não fosse. Logo eles escondiam pessoas e queimavam livros. Os jornais
estampavam: Um dia glorioso para o país! Eu parei na esquina para falar com
colegas. Um policial se aproximou, furioso: Mais de dois é comício, disse. A
universidade foi cercada. Começamos a tomar drogas num gesto louco de rebeldia.
Fomos levados para um campo de trabalho, ou, como descobrimos depois, de
extermínio pelo trabalho. Tirávamos minérios da terra, vivíamos sujos, sem
comida, sem remédios, apodrecendo. Os piolhos nos sugavam e cresciam. Eram
muitos, na confusão mental em que estava, e tendo ouvido falar que inquietações
nervosas geram alucinações com insetos pelo corpo e infestando as casas,
pensava se o inferno não seria fruto da
desorganização de nosso cérebro. Muitos choravam e tinham ataques de fúria
batendo a cabeça na parede, ou começavam a tremer, ou falar com os mortos com
os olhos fixos. Um deles chamava pela mãe a noite toda, mas nós nem ouvíamos
mais. Começamos a comer os piolhos infectos no nosso desespero. Meu pai, por
fim, descobriu meu paradeiro e comprou os guardas para que eu fosse transferido
para cá.” Eu lembrava da criança alegre que fora e de como gostava de andar à
cavalo e comer amoras no campo. Que outras torturas sofreria? Naquela noite,
quem viria perturbar meu corpo e mente?
O trabalho Força maligna de Afonso Jr. Lima foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença em http://afonsojunior.blogspot.com.br/.
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