Páginas

Ajude a manter esse blog

sábado, setembro 08, 2018

Cavando buracos na linguagem: contextualizando o narrador em crise beckttiano


Cavando buracos na linguagem: contextualizando o narrador em crise beckttiano.

Afonso Jr. Lima 1

Texto apresentado no Grupo de Pesquisa Estudos sobre Samuel Beckett - 
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - USP - 2016



No seu Posfácio a “Textos para nada”, Lívia Gonçalves nos lembra que, após a escrita de “O inominável” (1953), o narrador na prosa de Samuel Beckett (1906-1989) está em transição, em crise: “sua capacidade de narrar está em jogo, assim como sua própria autonomia, sua própria identidade”. Ela lembra que na carta de 1937 ao amigo Axel Kaun, o autor fala em “cavar buracos na linguagem”. (Beckett, 2015, p. 75) Romper com o sistema que unifica a realidade através da suposta objetividade compartilhada de linguagem diz respeito também a interrogar essa voz neutra que observa, agora um eu instável. Beckett pergunta, no quarto fragmento dos “Textos”: “quem é que fala assim, dizendo que sou eu?” (idem, p. 19).
Esse narrador, marcado pela autocrítica, parece habitar cada vez mais um espaço de duplos do eu, é um eu espelhado que, na falta de uma essência imutável, aprofunda a falta de estabilidade do sujeito proustiano, estudado por Beckett em seu texto sobre o autor, um sujeito em mutação constante, para quem a realidade permanente só poderia ser apreendida como uma hipótese em retrospecto. (Beckett, 2003, p. 13).

Beckett faz parte das experiências pós-Primeira Guerra, do universo de Proust, Joyce, Woolf, mais focados na consciência do que em fatos e dados externos. O narrador onisciente da tradição tornou-se não apenas autociente, mas quase um crítico epistemológico, visto por Coetzee como alguém jogando com uma música verbal para responder à pergunta “do que fazer depois?” (Coetzee, p. 210) Comenta Luciano Gatti que o autor começa “O Inominável” colocando em questão as convenções narrativas do “onde”, “quem” e “quando”. Seguindo a observação de Adorno, o pesquisador caracteriza o texto como a consumação da tendência moderna do romance de reflexão, contra a “mentira da representação e o narrador indubitável, a “mentira da exposição” (Gatti, 2015).

Mas aqui poderíamos ler os títulos das três obras da chamada trilogia do pós-guerra como “Molloy”, “Molloy morre” e “O sem nome” (sem identidade), no sentido de um mesmo personagem que perde sua unidade como sujeito e duvida da relação sujeito-objeto, do nominativo e do acusativo. “Como é” (1961) já seria um “falhar melhor” 2, na medida em que busca ser uma forma híbrida entre o épico, o lírico e o dramático, um ropoedrama,3 a tentativa de evitar a distância objetiva e “riqueza” retórica, que poderiam soar falsas quando a tirania silenciara as vozes dissidentes e a guerra colocara em xeque as estruturas políticas, sociais e culturais. As múltiplas perspectivas e diferentes pontos de vista do modernismo chegam ao “manicômio da mente” (expressão de “Mal visto mal dito”, de 1981).
Talvez fosse produtivo refletir sobre a especialização na qual a teoria literária influenciada pela diferenciação entre linguagem poética e linguagem cotidiana nos confinou quando minimizou a história no estudo da obra – e, portanto, o estudo de seu posicionamento em uma formação discursiva4.

Escrevia Antônio Cândido em 1965: “Outro perigo é que a preocupação do estudioso com a integridade e a autonomia da obra exacerbe, além dos motivos cabíveis, o senso de função interna dos elementos, em detrimento dos aspectos históricos – dimensão essencial para apreender o sentido do objeto estudado”. (Mello e Souza; Cândido, 2000, p. 9) O pesquisador Phillipe Sollers afirmou em 1975: “Acreditou-se ingenuamente que Joyce não tinha nenhuma preocupação política porque nunca disse ou escreveu nada sobre o assunto numa língua franca... como se houvesse um lugar para opiniões políticas”. (apud. Amarante, p. 70)
Pode ser muito proveitoso tecer comentários sobre as questões estéticas que surgem do ambiente cultural, assim como das heranças literárias. 5

A “imaginária” de Beckett – a figuração presente na narrativa, imagens que comunicam uma sensação coletivamente compartilhada – progressivamente engloba o processo de imaginar e escrever. É uma dimensão epistemológica – mas também política do texto, possivelmente direcionada contra um modo de ver. Encontramos no Fragmento VI do “Textos para nada”: “Saberia que nada mudou, que basta querer para ir e vir sob o céu instável, sobre a terra movediça... se eu usasse um pouco a cabeça... felizmente não uso a cabeça”. (Beckett, 2015, p. 28). Talvez, quando Beckett quebra com esse discurso realista/racional que descreve/preescreve colocando a autocrítica da razão e o diálogo no crânio, represente uma época que quis quebrar os hábitos da linguagem.

Alterar a linguagem é alterar o quadro de hierarquias que organiza o social e o natural; já em “Finnegans Wake” – Beckett afirma que o livro não é sobre “alguma coisa”, é “a coisa em si” (Amarante, 2009, p. 47) – “a confusão de personagens e a frequente dificuldade de distinguir quem é o pai, filho ou irmão resultam da transgressão primeira de limites proibidos dentro da arena das relações familiares...” (idem, p.40) Os personagens, em “contínua metamorfose”, “imersos num enigma que funde e dissolve individualidades” (idem, p. 37) não podem objetificar o mundo impondo-lhe uma ordenação – o eu não é um objeto unificado, portanto não é passível de objetificar-se e ser objetificado como parte de um todo. No mundo mutante do mito – e da palavra criadora do mito –, assim como na percepção modernista que se abre ao outro, tudo pode transformar-se.
No século XVII, John Locke6 afirmara que a razão “é o vínculo comum pelo qual o gênero humano se une numa única irmandade e sociedade”, e, tendo Deus criado o homem com razão, “qualquer homem que proceda de forma irracional é, nessa medida, um animal, e como tal poderá ser tratado”. (Locke, p. 139). Aqui fica clara a ambiguidade dessa tradição com relação ao uso de uma linguagem que ao mesmo tempo “esclarece” e “oprime”, condenando as coisas a um hábito.

O romance inglês moderno nasce com o foco na narração (quando a Renascença privilegiara o drama) – tendo como um dos textos fundadores (“Robinson Crusoé”, 1719) justamente a história de um homem que mimetiza a dominação colonial numa ilha. Beckett vai nos falar sobre Proust: “O artista clássico arroga-se onisciência e onipotência. Eleva-se artificialmente acima do Tempo no intuito de outorgar relevo à sua cronologia e causalidade a seu desenvolvimento”. (Beckett, 2003, p. 87) E mais à frente: “Quando o sujeito é isento de vontade, o objeto é isento de causalidade (o Tempo e o Espaço tomados juntos)”. (p. 97) A crítica ao sujeito torna-se a crítica ao sistema discursivo de causa e efeito – um domínio pela palavra.
A linguagem delimitaria o que é racional; o eu individual é livre e inteiro, pelo menos a ponto de definir o que é racional, capaz de escolhas acertadas; o texto reflete a aventura das ações no mundo, seus contratos e sua contabilidade. A racionalidade do personagem, o discurso organizado/objetivo, a “ilusão da realidade” e a “linguagem pura” (na expressão de Adorno7), eram o espelho do ideal social que tinha como meta atos racionais, escolhas mais produtivas seja do ponto de vista moral, seja do ponto de vista do lucro. 

A linguagem como instrumento de autoexame pela ilusão em uma época em que a mobilidade social começa a se desenhar para os setores médios da sociedade, que pareciam ter seu destino determinado. Ian Watt reflete sobre a semelhança entre a nova tendência ao individualismo, por exemplo nos romances de Defoe, particularmente em “Robinson Crusoé”, e a filosofia da época8. Esse personagem é “um indivíduo” que vai dominar o mundo e assim também é o narrador, inteiro, indivisível, que vai dominar, na expressão adorniana, o “palco italiano” da ilusão. Portanto, desde o seu surgimento, o romance moderno, e a “interiorização da consciência”, que se reflete no personagem, são também uma questão moral e política, escolha, interpretação e autoexame:

Se Deus atribuiu ao indivíduo a responsabilidade básica pelo próprio destino espiritual, segue-se que ele tornou isso possível revelando suas intenções através dos fatos da vida cotidiana... (o puritanismo) não só levou o indivíduo a encarar cada problema do cotidiano como uma questão de profunda e constante preocupação espiritual, mas também estimulou uma posição literária adequada à descrição de tais problemas com a mais rigorosa fidelidade”. (Watt, 2010, p. 81).

Adorno lembra que o romance contemporâneo é uma tomada de partido contra a mentira da representação, e, na verdade, contra o próprio narrador, “que busca, como um atento comentador dos acontecimentos, corrigir sua inevitável perspectiva”. (idem, p. 60) Se a racionalidade falhou, e não há comunicação porque não há veículos de comunicação, não admira que os personagens de Beckett não possam escolher e, por fim, sejam a própria maquinaria dialogal da mente. Como diz Beckett: “O observador inocula o observado com sua própria mobilidade”. (2003, p. 15)

Dizia Walter Benjamin em 1938: “A história se decompõe em imagens, não em narrativas”. Coetzee comenta: “A história narrativa nos impõe a causalidade e a motivação externa; devia-se “dar às coisas a oportunidade de falarem por si mesmas”. (2011, p. 74) Um autor aparentemente tão distante quando George Orwell tem, em 1943, como um dos primeiros planos para seu livro “1984” o seguinte conceito: “The system of organised lying in which society is founded” (British Library's website).
Helena Martins, no seu comentário sobre a peça “Até que o dia os separe ou Uma questão de luz”, de Peter Handke, que dialoga com “A última fita de Krapp” (1958), pontua: “o anseio beckettiano por uma linguagem inexpressiva, uma linguagem que não é instrumento para significar, talvez apareça aqui como desejo de um outro no mesmo: desejo de perder, digamos, a língua do homem para as línguas da criança, da mulher, do bobo, da pedra, do pássaro, da arte”. (Martins, p. 54).

Da mesma forma, desde Nietzsche (1844 -1900), a clareza apolínea do diálogo e do caráter dos personagens das antigas tragédias são como manchas luminosas para curar um olhar lesado pela observação da dimensão íntima e pavorosa da natureza. Não surpreende que a música seja agora o modelo para a arte, pois poderia superar a “exaltação egoística do indivíduo”, como colocaria Mario de Andrade em 1935. (Duarte, p. 23).
A mesma autora pontua:
Trata-se, no entanto, de um dar-se conta que não corresponde tanto à capacidade de encontrar significados para os sinais, mas antes à capacidade de aderir à sua intransitividade, de entrar no seu movimento – mais como quem dança ou como quem ri ou como quem canta do que como quem decodifica ou interpreta (Martins, p. 53).

Já em 1916, Benjamin afirmara que a palavra não é um signo “substituto para outra coisa”, mas “o nome de uma Ideia”, ou seja, teria uma “concepção simbolista da linguagem poética liberada de sua função narrativa”. Para ele, em Proust, Kafka e nos surrealistas, “o mundo deixa de ter uma significação no sentido burguês e recupera seu poder elementar e gestual”. (Coetzee, p. 76)
Nesse mundo sacudido por multidões, de indústria, reconstituído pelos carros, aviões, cinema, pela guerra, o ordenado se mostrava falso e normativo. O descontínuo e o fragmentário abriam espaço para a liberdade e traziam o real possível.
Precisamos então analisar que linguagem é essa contra a qual o Modernismo histórico se rebela, que discurso nominativo-acusativo é esse que tanto incomoda Beckett e desperta sua fúria iconoclasta do “nada a não ser o pó” e a “desintegração completa”.
Usarei aqui três imagens para ilustrar essa linguagem unívoca.

Na Inglaterra, em 1840, o artista gráfico George Cruikshank desenha “A colmeia britânica”, na qual cada indivíduo corresponde a uma função social e está dentro de uma hierarquia, uma representação que corre o risco de indicar uma categorização fixa, do lugar no espaço, de quem está fora e quem está dentro, ao mesmo tempo ordenando e dando a cada grupo a medida de seu valor na estrutura. Pode servir de metáfora para esse uso da linguagem como instrumento classificador que, pela clareza e distinção, impõe, disciplina e vigia.


“The British beehive” , George Cruikshank, 1840

No início do século XIX, o cientista francês Pierre Simon, Marquês de Laplace, o qual utilizaria a matemática newtoniana para descrever o sistema solar e teria criado a “transformada de Laplace”, representou o ideal da previsibilidade absoluta e determinismo mecânico. Segundo conta a lenda, ouviu do Imperador Napoleão: “M. Laplace, me disseram que você escreveu este grande livro sobre o sistema do universo e jamais sequer mencionou seu Criador”. Teria respondido: "Je n'avais pas besoin de cette hypothèse-là". (Eu não precisei fazer tal suposição). Afirma o matemático, no seu famoso Ensaio sobre as probabilidades, de 1814:

Devemos considerar o estado presente do universo como efeito dos seus estados passados e como causa dos que se vão seguir. Suponha-se uma inteligência que pudesse conhecer todas as forças pelas quais a natureza é animada e o estado em um instante de todos os objetos - uma inteligência suficientemente grande que pudesse submeter todos esses dados à análise -, ela englobaria na mesma fórmula os movimentos dos maiores corpos do universo e também dos menores átomos: nada lhe seria incerto e o futuro, assim como o passado, estaria presente ante os seus olhos. (Laplace, 1947, p. 13).

Laplace está ligado ao movimento crítico iluminista e está distante da influência neoplatônica sofrida por Newton. Para Simon Schaffer:

In his Exposition du systéme du monde (1796), Laplace argued that the successes which this mechanical and deterministic natural philosophy had achieved in astronomy and in rational mechanics should now be extended into the phenomena of light, the cohesion of bodies, magnetism, galvanism and chemistry. A ‘Laplacian programme emerged under the aegis of French physics (…) This reading of Newtoniasm was highly influential in nineteenth-century physics. It became possible to see Newtonianism as the common sense of physical sciences. (Schaffer, p. 611)

Outro fragmento iluminador desse ambiente é a chamada antropologia criminal, originada dos estudos do médico italiano Cesare Lombroso, que, em 1870, em Pavia, percorria prisões e hospícios na busca das “diferenças substanciais entre loucos criminosos” e dos caracteres dos “homens primitivos” e dos “animais inferiores” que deviam se reproduzir em nosso tempo. A ciência criminal apaga suas pegadas em conceitos e se torna capaz até mesmo de prever o futuro, tamanho o grau de determinação dos fenômenos sobre os sujeitos. A criminalidade era tão contagiosa como as doenças infecciosas e seria preciso observar os locais de contágio, não apenas prisões e bares, mas também a má literatura e a imprensa.

Além disso, todo delinquente é um indivíduo que carrega os estigmas atávicos de suas tendências criminosas. A ciência que pesava os crânios de Shakespeare, Kant e Pascal na esperança de achar nessas relíquias uma “significação morfológica”, era a mesma que se propunha a “demonstrar a existência de um tipo humano destinado ao crime e estigmatizado por sua organização morfológica defeituosa”. (Darmon, p. 12)
A jurisprudência clássica é vista como próxima ao misticismo, sem fundamentos lógicos, e substitui-se o foco na responsabilidade pelo ato praticado pelo mal que o indivíduo pode vir a causar à sociedade. “Existe um criminoso típico que o sábio é capaz de descobrir, mesmo quando ele não cometeu nenhum crime”. (idem)
Schorske comenta sobre a cultura moral e científica que prevalecia entre a classe média europeia no fim do século XIX: “Moralmente, era convicta, virtuosa e repressora; politicamente, importava-se com o império e a lei, ao qual se submetiam os direitos individuais e a ordem social; intelectualmente, estava comprometida com o grande pressuposto metafísico do Iluminismo, ou seja, que havia uma estrutura racional inerente a todas as coisas, apesar do caos da superfície”. (Schorske, p. 146)

Essa classe média liberal da Europa do século XIX compartilha um mesmo conjunto de crenças e formas de discurso: autorizado-autoritário, imparcial-impositivo, lógico-universal, capaz de descobrir a essência da realidade e moldá-la ao racional (como parece propor a Ciência da Lógica de Hegel, de 1816), discurso transparente e baseado na pura factualidade da ciência. É uma sociedade regida pelo decoro, regras, boas maneiras, “proporção”. Como afirma Elaine Showalter: “How you behave, where you behave, the degree to which you express yourself, all of this is kind of strictly regulated and internalised”. (British Library's website).
Ou seja, a linguagem era, como bem analisou Foucault, uma forma de dominação, e o próprio poder: “O novo racismo, o neo-racismo, o que é próprio do século XX como meio de defesa interna de uma sociedade contra seus anormais, nasceu da psiquiatria, e o nazismo nada mais fez do que conectar esse novo racismo ao racismo étnico que era endêmico no século XIX”. (Foucault, p. 403)

O século havia visto o surgimento da locomotiva em 1804, da lâmpada incandescente, do telefone, em 1854 e do automóvel em 1886. Não admira que um escritor como Júlio Verne (1828-1905), afirmasse que sentia “tanto prazer em observar o funcionamento do motor a vapor de uma bela locomotiva quanto na contemplação de um quadro de Rafael ou Corregio”. (apud. Johnson, p. 23). Em 1880, na Escócia, Louis Stevenson desenhava um mapa e depois veio a descrever ter visto uma série de personagens aparecendo entre as árvores. Mas ele escreveu A ilha do tesouro e nunca pensou em descrever esse processo de criação. Nos Estados Unidos, ainda em 1937, um editor recusava um manuscrito de Faulkner escrevendo: “Minha principal objeção é que aparentemente não tem uma história para contar, e eu considero que um romance deve contar uma história”. (idem, p. 29) A aventura de uma vanguarda disposta a estudar o falseamento de uma pretensa “correspondência sem fissuras entre o dizer e o dito” ainda não era tema da literatura. (Souza In: Beckett, 2012, p. 24)

Mas a preocupação beckettiniana com a linguagem autocritica e com a narração como questão pode ser ligada a uma longa tradição pós-kantiana. As imagens de um discurso esburacado que tomaram o lugar do vagabundo sem uma ação a realizar (a não ser esperar e narrar), ganham uma dimensão maior se conjugados com as reflexões da época assim expressas por Beckett em carta de 1949 a Georges Duthuit:
[Van] Velde is (...) the first to submit wholly to the incoercible absence of relation, in the absence of terms or, if you like, in the presence of unavailable terms, the first to admit that to be an artist is to fail, as no other dare fail, that failure is his world and the shrink from it desertion (...) I know that all that is required now (...) is to make of this submission, this admission, this fidelity to failure, a new occasion, a new term of relation, and of the act which, unable to act, obliged to act, he makes, an expressive act, even if only of itself, of its impossibility, of its obligation (Hoffmann, p. 157)

Para Foucault, em “As palavras e as coisas”, no século XIX, a unidade da gramática tradicional foi destruída e nada veio tomar seu lugar. Ao invés da pergunta clássica – “O que significa pensar?” – surgiu a pergunta “O que significa falar?” Afirma o filósofo: "Language became business of philologists and linguists, of symbolic logicians, exegetes and, finally, pure writers”. (Gutting, p. 73)
Conforme Roberto Machado:
A linguagem não remete nem a um sujeito nem a um objeto: elide sujeito e objeto substituindo o homem, criado pela filosofia, pelas ciências empíricas e pelas ciências humanas modernas, por um espaço vazio fundamental onde ela se propaga, se expande, se repetindo e se reduplicando indefinidamente”. (Machado, 2001, p. 113)

Valeria ainda a pena uma reflexão sobre a tomada de posição de pensadores de outras áreas frente a esse discurso onisciente do sujeito absoluto.
Para Foucault, Nietzsche é o primeiro a elaborar uma crítica radical da linguagem por “se constituir como resistência ou alternativa ao pensamento antropológico moderno, elidindo as categorias de sujeito e objeto”. (Machado, 2001, p. 111)
A transição do século XIX para o XX apresenta um movimento cultural de reflexão sobre o condicionamento cultural das formas de percepção, sendo a linguagem uma máquina de classificação e (usando a expressão de Jacques Rancière) “partilha do sensível”9, que cria versões de mundo. Em seu ensaio sobre o autor, Beckett cita uma frase de Proust: “Se não existisse o Hábito, a Vida teria, por certo, uma aparência deliciosa” (Beckett, 2003, p. 28). 

Não pode ser uma coincidência que Melanie Klein, psicanalista nascida em Viena em 1882, tenha afirmado que nós atribuímos ao mundo um sentido derivado das fantasias inconscientes e de suas angústias. “Klein descobriu que as fantasias constituem recursos essenciais que utilizamos para dar sentido às percepções. Elas criam as pressuposições básicas com que vivemos e interferem não só no comportamento alterado como também no comportamento normal, corriqueiro”. (Segal, p. 32)
O livro “A ciência da mecânica”, de Ernst Mach, professor de história e teoria da ciência indutiva na Universidade de Viena, publicado em 1883, ainda foi capaz de inspirar Einstein quando este o leu em 1902. Afirmava Mach: “Ninguém é competente para asseverar coisas sobre o espaço absoluto e movimento absoluto. Essas são puramente coisas do pensamento, puras construções mentais que não podem ser reproduzidas em experiências”. (Overbye, p. 138)

Na famosa carta de 1937 já citada, Beckett comenta sobre seu ceticismo quanto à linguagem, baseado no filósofo austro-húngaro Fritz Mauthner, nascido em 1849, que teria sido estudado por Joyce e Beckett durante a escrita do texto depois chamado “Finnegans Wake”10. Mauthner duvida da capacidade desta de afirmar um “fora”, já que mesmo mente e corpo seriam conceitos correlatos na nossa linguagem, mente e corpo que Descartes afirmara serem noções primitivas ou naturezas simples, que os usamos para descrever experiências, assim como usamos o tempo, o número e o ser (Weiler, 2009).
Segundo a pesquisadora Linda Ben-Zví, Mauthner chega a estas conclusões: “O que nós consideramos ser o conhecimento é sempre o uso atual da linguagem". (2014, p. 11) A linguagem, "em vez de nos oferecer qualquer discernimento, apenas mostra como homens diferentes em sociedades diferentes a utilizam; ela se torna o reflexo de uma Weltanschauung, uma “visão de mundo” (idem) Joachim Kühn vê na teoria de Mauthner uma reflexão sobre a "falta de relação entre linguagem e realidade, e também da corrupção da linguagem de seu tempo” (apud. Ben-Zvi, p. 177).
Muito semelhante à denúncia dadaísta – movimento surgido em Zurique em 1916 - da contaminação da linguagem; nas palavras do próprio Mauthner, a meta seria "tentar libertar o mundo da tirania da linguagem". (p. 180) Joyce teria pedido que Beckett lesse trechos do livro não traduzido de Mauthner para ele em 1932. “Murphy”, concluído em 1936 (publicado em Londres em 1938), ainda apresenta uma jornada de perseguição (ainda que irônica e fragmentária); seu próximo texto, de 1942, “Watt”, abre um novo caminho, acabando com as palavras: “No symbols where none intended”.11 Surge, para além do “personagem” do realismo histórico (o mundo), o “eu” enquanto narrador a ser observado.
Henri Poincaré, professor de matemática na universidade de Paris – também eleito para a sessão literária da Academia francesa – afirmava em 1889: “Pouco importa se o éter existe ou não – vamos deixar isso para os metafísicos; o essencial para nós é que tudo acontece como se existisse, e que achamos essa hipótese adequada para a explicação de fenômenos”. (Overbye, p. 142)
Erwin Schrödinger, nascido em Viena, em 1887, preocupava-se, como outros pioneiros da física da época, não apenas com medições e experimentos, mas com o modo como Schopenhauer havia reinterpretado Kant:

O ponto essencial foi formar a ideia de que esta coisa – mente ou mundo – bem poderá ser capaz de assumir outras formas que não podemos compreender e que não implicam as noções de espaço e tempo... O reconhecimento de que o espaço infinito euclidiano não é uma maneira inevitável de enxergar o mundo de nossa experiência... pareceu despedaçar o fundamento de Kant... tal reconhecimento coube a Einstein (e a vários outros, H.A. Lorentz, Poincaré, Minkowski, por exemplo)”. (Schrödinger, p.159)

David Bohm, cientista nascido nos Estados Unidos, em 1917, chegou a pensar em como a linguagem estava moldando nossa percepção na forma de sujeito e objeto e refletia: “Não seria possível mudar a forma sintática e gramatical da linguagem de modo a dar ao verbo e não ao substantivo um papel fundamental? ” (Bohm, p. 54)
O personagem de “Malone morre” (texto iniciado em 1947) afirma: “Desta vez sei para onde vou... É um jogo agora, vou jogar... Acho que vou conseguir me contar quatro histórias” (Beckett, 2014, p. 22). Em “Textos para nada” (iniciados em 1950) temos um narrador que, comicamente, pergunta-se: “O que importa quem fala, alguém diz, que importa quem fala? (...) Sei como vou fazer, serei um homem, é preciso, uma espécie de homem...” (Beckett, 2015, p. 15). No Fragmento V: “É uma imagem, em minha cabeça sem forças, onde tudo dorme, tudo está morto... Ah, sim, ouço dizer que tenho uma espécie de consciência. (idem, p. 23)

No texto “Como é” (1961), conforme Ana Helena Souza, o discurso esburacado apresenta como visões e cenas desconexas as referências ao mundo cotidiano, a “vida em cima na luz”, enquanto a vida atual do narrador é um arrastar-se na lama (Souza, 2007, p. 37) Por exemplo, no seguinte fragmento:
o não muito mais porém na cauda o veneno perdi meu latim deve-se ser vigilante assim um bom momento num torpor de barriga para baixo então começou não posso acreditar nisso a escutar (Beckett, 2003b, p. 51)
Em “Para frente o pior” (escrito em 1981), escreve: “Tentar ver. Tentar dizer... Olhos cerrados. Sede de tudo. Germe de tudo... Um lugar. Onde nenhum... Nenhum lugar exceto o único”. (Beckett, 2012, p. 67)
Como pontua Lívia Gonçalves, o ato da escrita assume um papel central nos textos finais de Beckett. “O aprisionamento no interior da mente é o destino final do narrador beckettiano. Ali, a imaginação, a palavra e as vozes voltam a enfrentar-se.” (2014, p. 148) O narrador, inseguro e obstinado, vai de “refratário à ação”12, às vozes em diálogo na “episteme da dúvida permanente” (Andrade, 2010)
A pesquisadora comenta que o recurso de uma “voz” cinde o próprio sujeito das histórias. “A voz exterioriza algo muito próprio desses protagonistas – seus momentos de vida. No entanto, esses momentos nunca estão na boca deles próprios. (...) A fragmentação do universo final beckettiano reforça a ideia desse sujeito cindido”. (Gonçalves, 2014, p. 137)
Companhia” (iniciado em 1977) sintetiza muitas dessas questões. Stanley Gontarski, comentando sua encenação do romance, explicita que a prosa já apresenta “uma dialética entre as vozes de segunda e terceira pessoas”, e Beckett teria afirmado ter como objetivo “levantar uma série de hipóteses, cada uma delas falsa” (Gontarski, 2012)
Para Locatelli: “The narrative reflects a conception of the subject that is essencially 'plural' and not immediate, while narration also conveys the notion that this phenomenogical plurality would be obleterated in the figure of a singular pronoun”. (op. cit., p. 160)
O que guarda semelhanças com a filosofia de Nietzsche, para quem, segundo Rüdiger Safranski, o eu é uma ficção. “Também no ser humano existem apenas acontecimentos, ações, e porque não suportamos a dinâmica do acontecimento anônimo, inventamos um autor para as ações. O 'eu' é essa invenção”. (Safranski, 2001, p. 274).
Na modernidade, o eu não permanece e a moldura imposta ao mundo é questionada através da linguagem. “O surrealismo buscou a comunicação com o irracional e o ilógico, deliberadamente desorientando e reorientando a consciência por meio do inconsciente”. (Bradley, apud Amarante, 2009). Conforme coloca Umberto Eco, no lugar de um determinismo consequente, as obras agora sugerem ao receptor que ele mesmo fique no centro de uma rede de relações e opere o processo de criação (idem, p. 58) –
o eu múltiplo abre espaço para diversas aproximações da realidade e para a transformação contínua do ser e do eu. 
“De muitas formas se regenera a mesma energia vital” – afirma Donaldo Schüler acerca do “Finnegans Wake”. Dirce Amarante aproxima a última obra de Joyce, na qual os significados se sobrepõem, à obra “Grande Vidro” de Duchamp (artista influenciado pelo experimentalismo dadaísta), criada entre 1912 e 1923, a qual exigiria participação ativa do espectador (idem, p. 58).
O olhar é colocado em questão e questiona o sujeito que olha. Carla Locatelli situa Beckett no paradigma de uma “hermeneutics of suspicion” que questionaria “the looking glass of traditional mimesis” e ressaltaria “the linguistic constructions that, in fact, establish the world” (Locatelli, 1990, p. 72).
Conta Chris Ackerley que, em 1935, Beckett ouve com seu terapeuta, Wilfred Bion, uma palestra de Gustav Jung: “(he) argued that unity of consciousness was a ilusion, because complexes could free themselves from conscious control (...) Yet the attempt to deconstruct, to decompose, to hear and to identify the voice is the incessant concern of the Three Novels.” (Uhlmann etc. all., 2004, p. 41) 13
Para Gontarski, as últimas peças de Beckett são “peças nas quais nós questionamos nossa própria percepção, nós questionamos a validade, a existência das imagens que nós vemos diante dos nossos olhos no palco” (Gontarski, 2012).
O foco, como nas peças para TV escritas entre 1975 e 1982 (Ghost Trio, ...but the clouds..., Quad e Nacht und Träume), são “imagens de poder”, como coloca Martin Esslin: “Poems without words, visual poetry”. Quad tem como proposta inicial a não ruptura do ritmo entre quatro atores que tem rotas que passam pelos cantos A, B, C e D, representando o centro (E) o “perigo”, um “quadrilátero de detenção”. (Acheton e Arthur, p. 46)
Em “Mal visto mal dito” (1981), a imagem de uma velha em uma cabana pode ser apenas uma memória iluminada às vezes pelo olho da consciência (por um “I”?). São textos os quais, para Locatelli, “point to existence of the contextual matriz of meaning that is, to presence of reading”. (op. cit., p. 73)
O texto diz:
Tudo está mesclado, coisas e quimeras. (…) Esta velha tão moribunda. Tão morta. No manicômio do crânio e em nenhuma outra parte. (…) Não mais possível senão em estado de quimera. Não mais suportável. Ela e o resto. Nada mais senão fechar o olho de uma vez por todas e vê-la. Ela e o resto. Fechá-lo de uma vez por todas e vê-la até a morte. (Beckett, 2008, p. 44)
Esta fase final coloca uma dúvida sobre a realidade possível do referente. Como aparece na poesia citada por Nicholas Zurbrugg:
something there
where
out there
outside
what
the head what else
something there somewhere outside
the head
(Acheson & Arthur, 1987, p. 147)

Para Anthony Uhlmann, não apenas o autor irlandês se ocupou de e influenciou importantes filósofos como mudou a forma como o Ocidente se relaciona com temas particulares. Michel Foucault mesmo reconhece essa influência: “to me the rupture came with Beckett – Waiting for Godot, a breath-taking spetacle”. (Foucault apud. Uhlmann, in: Gontarski, 2010, p. 93). 14
Nosso objetivo foi contextualizar a crítica da linguagem nesse narrador improvável, que coloca em jogo sua capacidade de narrar. Helena Martins cita uma carta do autor na qual, falando sobre a importância que dá ao silêncio, e sobre a busca de um método pelo qual possamos representar “esta atitude de ironia para com as palavras, através de palavras”, critica “os pequenos pássaros da interpretação”, que jamais se calam na “floresta de símbolos” (Beckett apud Martins, p. 49) Numa época de discurso fascista, na qual a diferença se apaga, e o outro não é aceito, a percepção da percepção, a não transparência do discurso e a reconstrução contínua da linguagem, além de reflexão sobre a tradição literária, são também um ato político.

Joyce pode ter mergulhado numa metafísica mítica e usado o efeito multiplicador da linguagem para dar relevo às múltiplas formas de ver (a cidade?), competindo com Shakespeare na fertilidade e contrapondo-se ao discurso homogêneo jesuíta, no universo católico sobre atos e palavras, mas Beckett parte de Joyce, da tradição protestante da reflexão sobre a mente e seus conflitos (palavras no crânio?) para cedo deparar-se com o estágio avançado da modernidade na reflexão sobre a capacidade da linguagem para descrever o real e assume o dizer o que não se sabe, eliminando a linguagem-mecanismo para dar outro acesso ao que nos sobrou acessar, realidade delimitada pela ideia de que “sujeito e mundo exterior passam a existir apenas quando proferidos”. (Andrade in Beckett, 2012, p. 16)

Referências
Ackerley, C., The Uncertainty of Self: Samuel Beckett and the Location of Voice. In: Uhlmann, Anthony, Houppermans, Sjef & Clément, Bruno (Ed.). Samuel Beckett Today/Aujourd’ hui. After Beckett. D’après Beckett. Amsterdam/New York: Rodopi, 2004.
Acheson, J. E; Arthur, K. Beckett´s Later fiction and Drama. Texts for Company. New York: St. Martins Press, 1987.
Adorno, Theodor. Posição do narrador no romance contemporâneo. In: Notas de Literatura I. Tradução Jorge de Almeida. São Paulo: 34 Letras, 2003.
Amarante, Dirce. Para ler o finnegans Wake de James Joyce. São Paulo: Iluminuras, 2009.
Andrade, Fábio de Souza. Prefácio. In: Beckett, Samuel. Companhia e outros textos. Tradução Ana Helena Souza. São Paulo: Editora Globo, 2012.
______ A importância de Beckett para a modernidade. In: Revista Cult. Edição 142. jul 2010. Disponível em: . Acesso em: 30 sep. 2016.
Azevedo, Sara Dionizia Rodrigues de. Formação discursiva e discurso em Michel Foucault. Revista Eletrônica Filogênese. Vol. 6, nº 2, 2013. Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp. Acessado em: 4/11/2016. Disponível em: < www.marilia.unesp.br/filogenese>
Beckett, Samuel. Proust. Tradução de Arthur Nestrovski. São Paulo: Cosac&Naify, 2003.
_______ Como é. Tradução: Ana Helena Souza. São Paulo: Editora Iluminuras, 2003.
_______ Companhia e outros textos. Tradução: Ana Helena Souza. São Paulo: Editora Globo, 2012.
______ Malone morre. Tradução: Ana Helena Souza. São Paulo: Editora Globo, 2014.
______ Textos para nada: Samuel Beckett. Tradução: Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Cosac&Naify, 2015.
_______O despovoador; Mal visto mal dito. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Bohm, David. A Totalidade e a ordem implicada. São Paulo: Cultrix, 1998.
Coetzee, J. M. Mecanismos Internos: ensaios sobre literatura (2000-2005). São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
Cracco, Rodrigo Bianchini. A longa duração e as estruturas temporais em Fernand Braudel: de sua tese O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Felipe II até o artigo História e Ciências Sociais : a longa duração (1949-1958). 2009. 115 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Assis, 2009. Disponível em: .
Darmon, Pierre. Médicos e assassinos na “Belle Époque”: a medicalização do crime. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.
Duarte, Pedro. A palavra modernista: vanguarda e manifesto. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2014.
Foucault, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes, 2001.
Gatti, Luciano. Adorno e O Inominável de Samuel Beckett. Literatura e Sociedade, São Paulo, n. 17, p. 68-75, july 2015. ISSN 2237-1184. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ls/article/view/82700/85657>. Acesso em: 30 sep. 2016. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2237-1184.v0i17p68-75.
Gonçalves, Lívia. Posfácio. In: Beckett, Samuel.Textos para nada. Cosac&Naify, 2015.
_________Em busca de companhia: o universo da prosa final de Samuel Beckett. Tese de doutorado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Universidade de São Paulo (USP), 2014.
Gutting, Gary (org.) The Cambridge Companion to Foucault. New York: Cambridge University Press, 1994.
Hoffmann, Gerhard. From Modernism to Postmodernism. Amsterdam – New York: Editions Rodopi, 2005.
Johnson, Celia Blue. Conversando com Mrs. Dalloway: a inspiração por trás dos grandes livros de todos os tempos. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013.
Laplace. Ensayo filosófico sobre las probabilidades. Buenos Aires, Espasa-Calpe Argentina, 1947.
Locatelli, Carla. Unwording the World: Samuel Beckett´s Prose Work After the Nobel Prize. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1990.
Locke, John. Dois Tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Machado, Roberto.
Foucault, a filosofia e a literatura. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001.
Mello e Souza, Antônio Cândido. Literatura e Sociedade. São Paulo: Publifolha (grandes nomes do pensamento brasileiro), 2000.
Nietzsche, Friedrich. O nascimento da tragédia. São Paulo: Rideel, 2005.
Overbye, Dennis. Einstein apaixonado: um romance científico. São Paulo: Globo, 2002.
Martins, Helena. Você o som, e eu o eco. In: Tradução em Revista, 19, 2015.2, p. 44-55
Rancière, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO experimental org: Ed. 34, 2005.
Safranski, Rüdiger. Schopenhauer e os anos mais selvagens da filosofia. São Paulo: Geração Editorial, 2011.
Souza. Maria Helena. A tradução como outro original – Como é de Samuel Beckett. Rio de Janeiro: 7Letras, 2007.
Weiler, Gershon. Mauthner’s Critique of Language. New York: Cambridge University Press,1970 (versão digital, 2009) Excerpt – Introduction - Disponível em: Acesso em: 13/10/2015.
Schaffer, Simon. “Newtonianism” In Companion to the history of modern science. Robert Olby (ed)… [et. al.] Londres: Routledge, 1996.
Schrödinger, Erwin. O que é a vida? O aspecto físico da célula viva seguido de Mente e matéria e Fragmentos autobiográficos. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.
Segal, Julia. Fantasia. São Paulo: Ediouro, 2005. (Conceitos de psicanálise ; v. 12)
Souza, Ana Helena. Notas sobre os textos e traduções. Companhia e outros textos. Tradução Ana Helena Souza. São Paulo: Editora Globo, 2012.
Showalter, Elaine. British Library's Discovering Literature website. Disponível em: <http://www.bl.uk/20th-century-literature>
Taylor, Charles. As fontes do self: a construção da identidade moderna. São Paulo: Loyola, 1997.
Uhlmann, Anthony. Beckett and Philosophy. In: Gontarski, S. E. A Companion to Samuel Beckett. Nova Iorque: Blackwell, 2010.
Watt, Ian. A ascensão do romance: estudos sobre Defoe, Richardson e Fielding. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Zimerman, David. Bion: da teoria à prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.


1 Dramaturgo, Mestre em Filosofia e Bacharel em História pela PUCRS.

2 Expressão usada por Beckett em “Para frente o pior” (Worstward ho) – tradução de Ana Helena Souza. Companhia e outros textos. São Paulo: Editora Globo, 2012.

3 Híbrido de romance, poema e drama, entre o percurso, a música da linguagem e o diálogo intersubjetivo.

4 Segundo Foucault: “Um enunciado pertence a uma formação discursiva, como uma frase pertence a um texto, e uma proposição a um conjunto dedutivo”. Ou ainda: “A lei dos enunciados e o fato de pertencerem à formação discursiva constituem uma e única mesma coisa; o que não é paradoxal, já que a formação discursiva se caracteriza não por princípios de construção, mas por uma dispersão de fato, já que ela é para os enunciados não uma condição de possibilidades, mas uma lei de coexistência, e já que os enunciados não são elementos intercambiáveis, mas conjuntos caracterizados por sua modalidade de existência”. (FOUCAULT, 1969, p. 135 apud. Azevedo, 2013)

5 Essa abordagem do ambiente cultural – na difícil tarefa de estudar objetos particulares, sejam eles eventos ou obras - relaciona-se com o método da ciência historiográfica da “longa duração”, de Fernand Braudel: “A estrutura do historiador é um quadro estável, que confere às atividades um quadro monótono, repetitivo; é uma ‘longa duração’, concreta, mas ‘invisível’, que só a pesquisa e a reconstrução conceitual podem apreender” (Braudel apud. Cracco, 2009, p. 13).

6John Locke (1632 – 1714) representa também a ligação entre uma visão unificada do “eu” (o self pontual) e a “busca de controle entrelaçada com certa concepção de conhecimento” (Taylor, 1997, p. 212). Segundo o Charles Taylor, a racionalidade desse século XVII, em última análise, apresenta desde logo um ideal de autodomínio, a objetificação voltando-se para o próprio “self”. “[Locke] rejeitou toda e qualquer forma da doutrina das ideias inatas... Locke propõe demolir e reconstruir... Distanciando-nos, assim, de nós mesmos e de nossa inclinação do momento, abre-nos a possibilidade de nos remodelar de forma mais racional e vantajosa... O distanciamento radical abre a possibilidade de auto-remodelação”. (idem, p. 217).

7Adorno, 2003, p. 60.

8Agradeço a Lívia Gonçalves a referência a esse debate.

9Rancière define assim a expressão: “Pode-se entendê-la num sentido kantiano – eventualmente revisitado por Foucault – como o sistema das formas a priori determinando o que se dá a sentir... é um recorte dos tempos e dos espaços... que define ao mesmo tempo o lugar e o que está em jogo na política como forma de experiência”. (Rancière, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: EXO experimental org: Ed. 34, 2005, p. 16).

10Em 1929, a Shakespeare & Company publicou um conjunto de críticas favoráveis ao livro de Joyce, um deles escrito pelo secretário irlandês. Beckett também traduziu, com outros, a primeira versão francesa de fragmentos do Finnegans Wake. O texto “noturno”, o “sonho da humanidade”, jogo experimental que apela ao não racional, nos lembra a afirmação de Foucault de que, em uma estética da linguagem, oposta a uma estética da percepção, “o problema da realidade não se impõe”, porque ela “nega a realidade e a linguagem é tudo”. (Amarante, Dirce. 2009, p. 25-28; Machado, 2001, p.113).

11Agradeço a Gustavo Nogueira a observação sobre o momento exato da leitura, entre duas formas de escrita.

12Significado do nome do personagem-título do romance de Gonchávon, apelido dado a Beckett pela milionária Peggy Guggenheim.

13O próprio Bion é alguém que estuda os elementos do pensamento, sua evolução e seu uso. Um dos seu inovadores “modelos” ou conceitos é o de spliting estático, no qual o paciente deseja “proteger-se da dor do insight através de um ativo “ver mal”, “ouvir mal”, de “entender mal”... (Zimerman, David. Bion: da teoria à prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995). O que é interessante, já que um dos textos em prosa de Beckett que mais estuda o processo de pensar e criar é “Mal visto, mal dito” (1980)

14 Se a semelhança entre os chamados pós-estruturalistas e o trabalho de Beckett é notória, seria interessante também investigar suas diferenças. Share Weller prefere relacionar o irlandês ao modernismo tardio, entre o modernismo e o que seria a pós-modernidade. (Beckett and the Late Modernism. In: The new Cambridge Companion to Samuel Beckett. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2015.

Nenhum comentário: