Hamlet- Laurence Olivier, 1948, 153 minutos.
Bem, o que dizer de um clássico? Ainda: concordar que é um...
Dentro da mostra Freud 150, que esteve no Santander Cultural (viva!viva!viva! finalmente, dinheiro a serviço do povo) de1º a 7 de maio, o filme é tido –isso mesmo, é “tido”- como uma visão psicanalítica do tema, com Hamlet amando secretamente a mãe... Lotação total... Na fila, há quem comente que “puxa, o desejo de morte do filho....” Chateação total! Assistir uma peça pra provar uma teoria é, no mínimo, irritante.
Claro que descobrimos com o modernismo que o que nos comove é a forma, e a mensagem, pelo menos na pintura, não é o essencial. (Ou ainda, a forma em si, é mensagem). Mas, na era em que todo programa de TV tem muita forma e nada de mensagem, é maravilhoso ver que esse filme, simplesmente ganhador de Veneza, do Oscar, do BAFTA e do Globo de Ouro de 1948, mantém sua força e sua energia, e tudo está no lugar!
Dizem que Olivier quando foi passar para o cinema (quem ainda tem dúvida ele é ator e diretor e roteirista) já estava mais pra pai que pra príncipe. “Dá nada”. Achamos ali tudo que nos falta hoje em dia: compreensão do texto, direção de arte a serviço da história (Roger Furse, Carmen Dillon), respeito ao nexo da peça... A cena inicial com as letrinhas já é todo o universo: um castelo sombrio, água batendo nas pedras, a Dinamarca podre.
O medo, claro, é que se vá assistir a um novelão mexicano, ou uma monotonia monocromática, pieguice carola ou pior.... Que nada! Hamlet não é o jovem indeciso, nem Ofélia a bobalhona inocente. A mãe de Hamlet sabe no final que querem matar o filho. As espadas estão rápidas e precisas. Ou seja, a peça não se perde, mas a compreensão da história faz com que o não dito seja um motor e não um contra-texto.
(eu tenho notado que, no teatro, muitas vezes o ator não fala com energia porque simplemente não compreende bem o contexto da peça).
A peça é feita, como todos sabem, de dobras, contratempos, nada segue uma linha de começo meio fim. È como se, em algum sentido, as cenas nos levassem para dentro dos personagens, muito mais que para o desenlace da história. E quando ele vem, vem rápido e sem necessidade, contrariando a poética aristotélica do “conflito, nó, desenlace”. Por isso quando esperamos que o príncipe vá se vingar, ela resolve conversar nas galerias com o velho Polônio. Em geral os personagens ficam vagos: afinal quem é a mãe de Hamlet, uma prostituta ou uma mocinha indecisa? O rei sempre acaba parecendo um vilão fraco (aqui ele é realmente o que sabe tudo...) Polônio é apenas idiota ou um assassino? Sem falar no próprio herói, que é tudo e nada... Quando Olivier filma já tem uma resposta para essas questões e nos convence delas. A cena do teatro fica movimentada e rápida.
A cena da caveira parece muito real, uma das cenas mais difíceis do teatro (como ser natural quando um cara diz “esse crânio eu beijei”?) A cena do pai espectro –com névoa, escuridão e medinho- fica um tanto boba quando o espectro aparece, e podia ser mais casual, como me parece na peça, mas reconstitui com coragem e dentro do clima pesado do filme outra das coisas mais day-by-day” de Shakespeare, conversa de soldados numa torre. ( o som de tambores chamando o fantasma é e de assustar!) A cena do enterro de Ofélia (gente ela morre, quem não sabia!) extremamente forte, pois dependendo pode ter uma barriga interminável.
Tirando uma ou duas cenas pra lá de anos 50, tipo, olhos chorosos em close na cena no quarto da rainha, tudo é tão natural que você pensa, bah! Finalmente esse é Hamlet. Ninguém merece descobrir assim que Mel Gibson roubou uma hora de sua vida, assim como e até como o Hamlet branco de Kenneth Branagh (que não soube traduzir o tem em imagens, se perdendo em amplos salões).
Mas a vi(n)da é assim.Com certeza foi uma das maiores bobagens que Freud já fez tentar “analisar” a arte como desejos reprimidos, do escritor, do público ou do herói, principalmente do herói. Dizer que Hamlet queria a mãe não ajuda nada a explicar o enredo, pelo contrário, simplifica um homem contraditório e vivaz. Dizer que o céu não é a terra não basta para ser ciência. Vida longa à incompreensão.
Um comentário:
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