Educação Sentimental do Vampiro
Sim: Guilherme Weber faz a diferença. Dalton Trevisan tem tudo que a contemporaneidade- e o clima sulino- pede: pessoas que não se encontram, crueldade, um sorriso irônico sobre as sombras da cidade. A cidade podia ser qualquer uma: o que importa são as pequenas vidas, esquecidas pela publicidade turística, os infelizes, os explorados, os solitários. Mas com uma asa de morgego, outra de pássaro. O nosso vampiro sabe nos fazer rir. (Sempre tive medo de lê-lo, não sei se agüento as coisas como são)
Fui assistir três vezes. Queria pegar as sutilezas dese grupo, sua linguagem entre Brecht e o naturalismo, queria rever as confusões em que o autor nos coloca narrando coiss simples. Por exemplo: uma menina é estuprada por quatro dizidores diferentes.
Na primeira noite acho que entrei tanto na estética preto-branco proposta, tinha tanta expectativa quanto ao lado negro do autor, que tudo me pareceu meio denso, triste, quase estomacalmente perverso. Achei, por exemplo, nojenta a cena da criatura prostituta sem dentes agarrando o magricelo branco, longa e tediosa a cena do pai sem família vendo filme na noite do Jingle- Bell, quebrada e repetitiva a cena da dita "negrinha" mil vezes estuprada. Depois eu entendi. Faltava Guilherme Weber.
Com o mesmo elenco, o mesmo cenário e os mesmos atores- aliás, todos excelentes- tudo se iluminava com sua presença. Não que o outro ator fosse mal, era ótimo. Coisa que Freud explica, doutro mundo. A peça passou de uma crônica depressiva para uma piada sobre a verdade. Talvez isso se deva ao seu olhar leve e sorridente dos percalços humanos, suas caretas remetiam mais ao fabulesco do que ao sem saída, sua fala marcava com delicadeza cada tempo, suavizando o nudez do texto.
Claro que tudo o mais era bom: Erica Migon simplesmente deve ser uma das melhores atrizes do Brasil, com seus pés que brincam com o texto, suas caretas impossíveis, sua prostituta saciada que fuma e põe as mãos nos cabelos, uma das mais comoventes fotos de gente que já vi; Luiz Damasceno nem se fala, aliás já disse tudo que penso; Maureen Mirandame surpreendeu com sua presença intensa e mutante; além disso Magali Biff sabe dar um tom de dor e humor a cada frase de uma mulher violentada ou uma estudante que mora me pensão e não para de falar nem quando masturba um amigo; Jorge Emil faz os tipos mais cômicos como o narrador de um impotente contínuo e o tal amigo - "agora não fale, veja como é quentinho"; Zeca Cenovicz é também o mais perfeito curitibano comum, com sotaque e suicida. Maravilhoso ainda é o uso das linoalgumacoisagravuras do expressionista alemão Raul Cruz, tão perfeitas no tema.
Tenho ainda a comentar o fato de que me descobri do "sul" ao perceber como a platéia ri em São Paulo; sei que ser generalista é o início do nazismo, como diria um amigo, mas não pude deixar de notar a diferença da recepção do público: em Porto Alegre as pessoas com certeza iriam prontas a assisit uma reflexão de um autor sério sobre a mordidez do devir contemporâneo, Deleuze incluído, etc. e talvez não gargalhassem assim de tiradas como "você é feia, mas é de graça", ou rissem só no fim do espetáculo. Acho que o meu prazer no segundo e terceiro dias se deveram a uma platéia adolescente, disposta a cair da cadeira.
Felipe Hirsch eu pensava que me apresentaria algo cerebral e germânico sobre a vid dura; achei fundamental sua sacanagem erudita ininterrupta. Fico bem feliz (expressão de gáucho, me dizem) por ver o quanto é possível contar em outra linguagem um conto, se formos safados o bastante para não seguir nenhuma escola, e sérios o bastante para rir delas.
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