As regras do jogo
Li uma entrevista interessante de José Padilha, cineasta de "Tropa de Elite", onde fala da sua "teoria dos jogos". Seu ponto de vista é instigante, sobre o contexto do personagem...
Mas, antes:
Segundo a Folha de 4/02 /2209, no resturante Cracco de Milão um executivo negou-se apagar a conta de R$ 12 mil, por trufa branca ralada sobre (vulgo fungo sobre massa). Carlo Cracco, chef do restaurante, afirma: "As pessoas civilizadas pagam o que compram. Há pessoas que pagam 7.000 euros por uma garrafa de bom vinho, e este senhor não pagou o que consumiu".
Assim, não há limite para a ambição: mesmo que você pague R$ 6mil por um jantar - como de fato o executivo pagou, em busca de um acordo- sempre haverá um status maior a ser atingido.
E a sociedade brasileira é doente por status, discriminação por status, status como valor humano: pode não ser culpa de ninguém, mas podemos mudar as regras.
Fiquei espantado com a Festa de Aniversário de São Paulo, no Vale do Anhangabaú, onde, com amigos, esperei quase 1 hora por Seu Jorge: o show, aberto, foi para uma multidão, mas os únicos policiais que eu vi ficavam na rua anterior, à mais de 200m do palco. Nos andaimes ao redor do palco, nada. Na frente do palco, onde mendigos, bêbados e nós nos apertávamos, nada, nenhum. Andei até o metrô com um amigo, subimos até o Municipal, somente os dois policiais no carro em frente as barracas da Fiesp. Ou seja: povo é povo, se der briga...
No site da Prefeitura se lê: "Cem homens, além do contingente da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar, farão a segurança do evento". E, na Folha: "A organização do evento espera receber cerca de 20 mil pessoas, a partir das 16h." Pode?
Da mesma forma, na Virada na Paulista - além do espantoso Daniel tocando sou berrante e do chatíssimo KLB cantando músicas de outros e Micheal Jackson em inglês!- o policial que me revistou parecia estar dando um passe: tapa na barriga, tapa nas costas, pronto! Eram 2 milhões e 400 mil de pessoas... Mas e daí? Na TV só sai flashes... (Ainda: os policiais ficavam dentro de "barricadas" que dividiam uma pista e outra da avenida: Se ocorria algo ficavam como barata tonta pensando em como sair do quadrado e tentando enchergar na multidão... Floripa é bem mais esperta: eles ficam em cima da escadaria da Igreja e saltam sobre o mínimo tumulto.)
Na casa de amigos, a empregada faz um discurso sobre como sua rua na Z.L. fica uma semana sem ser lavada e como a Paulista é lavada todo dia pela Prefeitura. "É que a Paulista chama os turistas" - diz uma amiga... Então vamos lavar a Z.L.!
O que eu mais temo é essa massa de explicações plenamente explicadas que as pessoas têm em mente; a defesa dos direitos humanos baseada em uma visão moralista ("bolsa família incentiva a vadiagem"), distorcida, fechada em um mundo microscópico onde o bem, o belo e a verdade já foram decididos, mas estão longe de tudo que é real. "Prefeitura trabalhando" é um slogam, mas na periferia não há lazer nem policiamento.
Assim, são essas simplificações- idéias pré-concedidas que geralmente culpam o excluído pela sua exclusão- que justificam manter as regras do jogo.
O próprio "Tropa de Elite" sofreu com muitas dessas reações tipo "bandido é bandido, mocinho é mocinho".
Uma série de preconceitos, por exemplo, o que confunde "filme de crítica sobre sociedade violenta" com filme de violência banal - como Jay Weissberg, para a "Variety" que fala de um "estilo Rambo" (há de ser muito ignorante para igualar um filme político como esse a Rambo) e fala de "uma monótona celebração da violência gratuita que funciona como um filme de recrutamento de seguidores fascistas" (sic). Vamos filmar apenas Hollywood!
Por falar nisso, o "Hollywood Reporter" diz que a premissa do filme "é que todo mundo no Rio é corrupto, especialmente as autoridades". Nossa que feio! Um provável esquerdista de elite do "Le Monde", Thomas Sotinel, cai no velho ditado chinês segundo o qual "quando o sábio aponta a estrela o tolo vê o dedo", pois pensa que o filme é "uma apologia da tortura e das execuções extrajudiciais." Como se precisássemos fazer apologia onde morrem tantos jovens -"mil pessoas assassinadas por policiais por ano", segundo Padilha.
Também vi a excelente entrevista da professora Jucileide Rodrigues da Silva, diretora da Escola Oliveira Viana, no Jardim ângela, em São Paulo. Vale a pena trans-Ctrl+V:
"E havia alunos de sua escola que eram membros dessas gangues?
Sim, havia. Os meninos do bairro não têm má índole. Mas pense bem: eles não têm o que fazer, não têm lazer nenhum, passam necessidade porque o desemprego é muito grande, vêem o pai desempregado, a mãe indo fazer faxina, se achar trabalho, comida faltando dentro de casa enquanto a mídia vendendo todo tipo de produto — o melhor tênis, roupas de grifes —, sem que tenham condições de comprar nada.
Daí vem o traficante e lhes oferece dinheiro para vender drogas. Os meninos começam vendendo e depois de um tempo acabam se tornando consumidores. Normalmente, quando eles entram no crack, é uma ida sem volta.
Eles têm a auto-estima muito baixa. Por morar no Jardim Ângela, automaticamente, você é bandido, é marginal, é vagabundo. Eles saem para procurar emprego e ninguém dá porque moram no Jardim Ângela. Tudo isso é que torna o bairro perigoso e esses meninos, marginalizados".
(www.aprendebrasil.com.br/entrevistas/entrevista0068.asp)
Idem : José Padilha para a DW-WORLD, no Festival de Cinema de Berlim, 2008:
"Por exemplo, no Brasil, por algum motivo, a maconha é ilegal. Poderia não ser, mas é. Então, o usuário da maconha e da cocaína, quando compra drogas, está comprando de um grupo armado que domina uma comunidade carente.
E ele sabe disso, isso está implícito na escolha dele. Ele está financiando as armas e as balas dos traficantes, sim. Ele está dentro do processo social que gera isso e está fazendo escolhas conscientes que alimentam esse processo. A classe média tem uma grande dose de hipocrisia no Brasil.
Um policial no Rio de Janeiro: quais são as regras às quais ele está subescrito? Ele recebe 400 dólares por mês, é maltreinado, é colocado numa estrutura corrompida de cima abaixo. E a gente pede que ele faça valer a lei em favelas com pessoas fortemente armadas, com grande risco de morrer durante um longo período de tempo.
A mortalidade de policiais no Rio de Janeiro é enorme. Qual é então o comportamento de uma pessoa, dadas essas regras do jogo? É natural que ela se corrompa. Por isso que temos na polícia 40 mil indivíduos e mais ou menos 30 mil são considerados corruptos pela população. O que é verdade".
(http://cinema.uol.com.br/ultnot/2008/02/15/ult3781u4.jhtm)
Li uma entrevista interessante de José Padilha, cineasta de "Tropa de Elite", onde fala da sua "teoria dos jogos". Seu ponto de vista é instigante, sobre o contexto do personagem...
Mas, antes:
Segundo a Folha de 4/02 /2209, no resturante Cracco de Milão um executivo negou-se apagar a conta de R$ 12 mil, por trufa branca ralada sobre (vulgo fungo sobre massa). Carlo Cracco, chef do restaurante, afirma: "As pessoas civilizadas pagam o que compram. Há pessoas que pagam 7.000 euros por uma garrafa de bom vinho, e este senhor não pagou o que consumiu".
Assim, não há limite para a ambição: mesmo que você pague R$ 6mil por um jantar - como de fato o executivo pagou, em busca de um acordo- sempre haverá um status maior a ser atingido.
E a sociedade brasileira é doente por status, discriminação por status, status como valor humano: pode não ser culpa de ninguém, mas podemos mudar as regras.
Fiquei espantado com a Festa de Aniversário de São Paulo, no Vale do Anhangabaú, onde, com amigos, esperei quase 1 hora por Seu Jorge: o show, aberto, foi para uma multidão, mas os únicos policiais que eu vi ficavam na rua anterior, à mais de 200m do palco. Nos andaimes ao redor do palco, nada. Na frente do palco, onde mendigos, bêbados e nós nos apertávamos, nada, nenhum. Andei até o metrô com um amigo, subimos até o Municipal, somente os dois policiais no carro em frente as barracas da Fiesp. Ou seja: povo é povo, se der briga...
No site da Prefeitura se lê: "Cem homens, além do contingente da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar, farão a segurança do evento". E, na Folha: "A organização do evento espera receber cerca de 20 mil pessoas, a partir das 16h." Pode?
Da mesma forma, na Virada na Paulista - além do espantoso Daniel tocando sou berrante e do chatíssimo KLB cantando músicas de outros e Micheal Jackson em inglês!- o policial que me revistou parecia estar dando um passe: tapa na barriga, tapa nas costas, pronto! Eram 2 milhões e 400 mil de pessoas... Mas e daí? Na TV só sai flashes... (Ainda: os policiais ficavam dentro de "barricadas" que dividiam uma pista e outra da avenida: Se ocorria algo ficavam como barata tonta pensando em como sair do quadrado e tentando enchergar na multidão... Floripa é bem mais esperta: eles ficam em cima da escadaria da Igreja e saltam sobre o mínimo tumulto.)
Na casa de amigos, a empregada faz um discurso sobre como sua rua na Z.L. fica uma semana sem ser lavada e como a Paulista é lavada todo dia pela Prefeitura. "É que a Paulista chama os turistas" - diz uma amiga... Então vamos lavar a Z.L.!
O que eu mais temo é essa massa de explicações plenamente explicadas que as pessoas têm em mente; a defesa dos direitos humanos baseada em uma visão moralista ("bolsa família incentiva a vadiagem"), distorcida, fechada em um mundo microscópico onde o bem, o belo e a verdade já foram decididos, mas estão longe de tudo que é real. "Prefeitura trabalhando" é um slogam, mas na periferia não há lazer nem policiamento.
Assim, são essas simplificações- idéias pré-concedidas que geralmente culpam o excluído pela sua exclusão- que justificam manter as regras do jogo.
O próprio "Tropa de Elite" sofreu com muitas dessas reações tipo "bandido é bandido, mocinho é mocinho".
Uma série de preconceitos, por exemplo, o que confunde "filme de crítica sobre sociedade violenta" com filme de violência banal - como Jay Weissberg, para a "Variety" que fala de um "estilo Rambo" (há de ser muito ignorante para igualar um filme político como esse a Rambo) e fala de "uma monótona celebração da violência gratuita que funciona como um filme de recrutamento de seguidores fascistas" (sic). Vamos filmar apenas Hollywood!
Por falar nisso, o "Hollywood Reporter" diz que a premissa do filme "é que todo mundo no Rio é corrupto, especialmente as autoridades". Nossa que feio! Um provável esquerdista de elite do "Le Monde", Thomas Sotinel, cai no velho ditado chinês segundo o qual "quando o sábio aponta a estrela o tolo vê o dedo", pois pensa que o filme é "uma apologia da tortura e das execuções extrajudiciais." Como se precisássemos fazer apologia onde morrem tantos jovens -"mil pessoas assassinadas por policiais por ano", segundo Padilha.
Também vi a excelente entrevista da professora Jucileide Rodrigues da Silva, diretora da Escola Oliveira Viana, no Jardim ângela, em São Paulo. Vale a pena trans-Ctrl+V:
"E havia alunos de sua escola que eram membros dessas gangues?
Sim, havia. Os meninos do bairro não têm má índole. Mas pense bem: eles não têm o que fazer, não têm lazer nenhum, passam necessidade porque o desemprego é muito grande, vêem o pai desempregado, a mãe indo fazer faxina, se achar trabalho, comida faltando dentro de casa enquanto a mídia vendendo todo tipo de produto — o melhor tênis, roupas de grifes —, sem que tenham condições de comprar nada.
Daí vem o traficante e lhes oferece dinheiro para vender drogas. Os meninos começam vendendo e depois de um tempo acabam se tornando consumidores. Normalmente, quando eles entram no crack, é uma ida sem volta.
Eles têm a auto-estima muito baixa. Por morar no Jardim Ângela, automaticamente, você é bandido, é marginal, é vagabundo. Eles saem para procurar emprego e ninguém dá porque moram no Jardim Ângela. Tudo isso é que torna o bairro perigoso e esses meninos, marginalizados".
(www.aprendebrasil.com.br/entrevistas/entrevista0068.asp)
Idem : José Padilha para a DW-WORLD, no Festival de Cinema de Berlim, 2008:
"Por exemplo, no Brasil, por algum motivo, a maconha é ilegal. Poderia não ser, mas é. Então, o usuário da maconha e da cocaína, quando compra drogas, está comprando de um grupo armado que domina uma comunidade carente.
E ele sabe disso, isso está implícito na escolha dele. Ele está financiando as armas e as balas dos traficantes, sim. Ele está dentro do processo social que gera isso e está fazendo escolhas conscientes que alimentam esse processo. A classe média tem uma grande dose de hipocrisia no Brasil.
Um policial no Rio de Janeiro: quais são as regras às quais ele está subescrito? Ele recebe 400 dólares por mês, é maltreinado, é colocado numa estrutura corrompida de cima abaixo. E a gente pede que ele faça valer a lei em favelas com pessoas fortemente armadas, com grande risco de morrer durante um longo período de tempo.
A mortalidade de policiais no Rio de Janeiro é enorme. Qual é então o comportamento de uma pessoa, dadas essas regras do jogo? É natural que ela se corrompa. Por isso que temos na polícia 40 mil indivíduos e mais ou menos 30 mil são considerados corruptos pela população. O que é verdade".
(http://cinema.uol.com.br/ultnot/2008/02/15/ult3781u4.jhtm)
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