Depois de um “Sonho de uma noite de verão” da Sociedade Rotunda de Campinas semelhante a um pesadelo, com suas árvores de pré-escola e a rebuscada tradução de Bárbara Heliodora, cuja grata surpresa é uma (jornalista) Valéria Monteiro (primeiro item da sinopse) se destacando ao lado de um impagável Zé Bobina, enfim teatro no III Festival Ibero-Americano de Teatro de São Paulo. A presença de Beckett no cenário contemporâneo, estranhamente, assemelha-se a de Shakespeare e aponta para o “paradoxo do Marinetti (papa do futurismo) acadêmico”. Ou seja, a vanguarda tornou-se regra e tradição. Nada trai mais essa tradição e cumpre (melhor/pior?) o que o filósofo francês Jean-François Lyotard apontou como o “liquidar a herança das vanguardas” no pós-moderno que a repetição da imagem, a mecânica do cânone. Fazer Beckett, depois de milhares de cenários pobres, caras brancas e luz de holofote em fundo negro, exige frescor.
Digo isto porque a Companhia Argos de Teatro, de Cuba, soube tirar do autor algo novo e delicioso. Havia uma comicidade nessas falas do fim do mundo, depois do Holocausto, falas de mudos (Walter Benjamin dizia que os soldados que retornaram da Primeira Guerra nada tinha a contar) que me pareceu mais escondida nas nossas montagens intelectualizadas e sombrias. Porque apesar de tudo, Beckett nos convida a continuar, a rir, a falar.
A luz foge da "tradição" e a música é bela (ainda que, algumas vezes, entre de chofre). O cenário é o inevitável nada, mas com simplicidade digna, ou seja, não tenta ostentar um pré-fabricado mundo decadente, e os acessórios competentes, sincronizados (como o cachorro de pelúcia, simbolizando todo um universo humano impossível) O elenco está todo afinado, quando o excelente Pancho Garcia ri, nós pensamos em chorar. Waldo Franco (Clov), com sua gestialidade TOC e gritos, genial com o trágico e o cômico, deve ser um dos maiores atores da América Latina. O diretor, Carlos Celdrán fugiu do fácil e trouxe delicadeza ao tema. Podemos sonhar.
Afonso Jr. Lima |
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