45 minutos de terror
Acabo de ver "45 minutos", com o Caco Ciocler, com direção de Roberto Alvim. (Eu respiro fundo, tento ser racional, abalado pelo pouco - ou muito - que vi). A peça tem muito a dizer (mas eu não estou em condições de filosofar agora), mesmo se declarando a arte da enrolação: será que interessa ainda o ator com sua "empatia", seu enredo, sua "dramaticidade"? É maravilho o trecho sobre "opções" brilhantes de entreter...
Caco usa um espectro incrível de formas de não dizer nada, modula seu tempo em ódio, agilidade, pausa... É um dos melhores atores que tenho visto. (E o cabelão ajuda a esquecer o rosto da TV...)
A direção sabe usar com precisão o mínimo, recortes e direções de luz, cores, baixa luminosidade.
Mas o que mais me marcou foi o público!
Há muito se comenta da falta de classe nas sessões, é verdade. Só que eu nunca ficara tão perturbado. Parecia que a peça toda ia naufragar. Sem perceber a diferença entre um texto construído e um stand-up, ELE, sua majestade, dizia: "tá sem graça!", "ô loko", "dança de sunga!" e respondia a cada palavra com palavras - "simpatia?", "compaixão?"... ) O ator faz um gesto de repelir, com as mãos próximas ao rosto, alguém grita: "uí!!!"
Sem falar no momento em que propõe 30 segundos de risada e o público ri de forma histérica, parecendo um programa de auditório. A própria comicidade do texto (entremeada de neurose e dor) pressupõe momentos de concentração - lembra aquilo que as pessoas tinham quando abriam um livro? (Será que a educação pública decaiu, será?)
Caco ainda interage bastante, fugindo numa boa da forma proposta. Quando o ator aponta um revólver para a platéia, comoção geral, "Não faz isso!" Quando ele aponta para a própria cabeça, outros debates, acabou o medo. Parecia que Caco estava ali para realmente ser engraçado, e agora. Será que a culpa é da Rede Globo?
Lembrei de uma amiga comentando (deve ser exagero, amanhã) que a nova geração não sabe a diferença entre um enterro, um motel e um jogo de futebol (ou seja...) Chocado é pouco: quero a polícia!
Uns três celulares tocaram, depois de DOIS avisos, mensagens recebidas, uma moça comentou tanto a peça que praticamente foi um diálogo com o ator. Será que o público também é de atores, para me assustar ou provar a tese de que todo mundo virou hamburger? Parece um show infantil. Talvez agora só seja possível mesmo divertir.
Pode ser que amanhã seja outro dia. Mas eu não estou em condições de filosofar agora. Fica-se com a impressão de que era uma vez o teatro como o conhecemos, voltamos à época de Shakespeare, com seus tomates; só que nossa estrutura é ainda de uma "presença", "foco nessa nova realidade". Mais incrível porque o estilo "noir" de Alvim pressupõe já um público e uma etiqueta, de ouvir... ("Sei lá eu quem é Alvim?")
Talvez seja o ingresso popular, necessário, o que seria para educar, mas eu não vejo essas pessoas melhorando. Mesmo com o inevitável: "Ssss!" que veio lá depois do meio, a agitação não foi de forma alguma educada... É como se estivessem interagindo o tempo todo sem limites. Posso pensar que sem espaço público, a vida fica mais tensa, ficamos mais enjaulados, lutamos pelos poucos recursos, e, portanto, ficamos mais selvagens...
Por que motivo chamamos "comunidade" geralmente pessoas excluídas dos processos da modernidade? Ficamos só um "eu" frente a um "impessoal" (a peça usa essa palavra). O pequeno grupo - afetado nas duas pontas pelo capitalismo-sangrento, a produção infinita e o vício, a prisão a quem nada mais sabe vender - que regula, limita, inspira, sumiu, ficaram relações de troca rápida (aprendemos paralelamente, almoçamos juntos no domingo, trocamos bits, dormimos em quartos próximos...).
Que saudade do poder religioso que só queria reprimir! Será o Facebook, o fim da família ou a publicidade? Sei lá, quero meu ingresso de volta!
Afonso
Nenhum comentário:
Postar um comentário