Sketch sobre Nova Luz
(Centro da maior cidade do Brasil. Rua do Triunfo).
- Não, ninguém vai me tirar de minha casa. Eu tenho 82 anos.
- Você é um terreno. Querem limpar o chão. Lembra o João? Ninguém recebeu ainda o dinheiro do hotel derrubado em 2007.
Ele ficou doente e não pode pagar o tratamento. Morreu.
- Vão respeitar minha idade. Nasci aqui. São Paulo nasceu aqui. Era um mato, fizeram um bairro, era o século XVIII. A escola onde eu estudei, demoliram.
- O esquecimento venta sobre nós e nos apaga. Terra Brasil, dez vezes um milhão, ossos, sangue e carne e não comem. Agora, seres esqueléticos, fantasmas pela rua, abrindo sacos de lixo para procurar comida, parecem os mortos de fome do Quênia. O dinheiro é livre, corre sem raízes nem frutos, mas as mulheres negras, carregando filhos da violência, estão presas na fronteira. Eu li no jornal. Uma delas viu sua filha morrer e seus netos caem um a um. Como fizemos isso? Aqui, os cadáveres vivos são expulsos pela tropa para o fim da rua, até o outro dia. Criam o clima. Escuridão nas almas, corações negros. Reconstrução. Peixes pequenos são alimento. Brotam prédios caros. Uma mulher suja canta, lembrando dos seus dias na noite. Chora. Terra antiga, um velho sangue. Virá a nova luz.
Afonso Lima
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