Síntese do livro -
A
batalha pelo Centro de São Paulo (Paulos, 2011)
por
Felipe
de Souza.
A
uma possível definição da concessão urbanística:
Concessão
urbanística é um instrumento urbanístico aprovado pelo plano
diretor de 2002 em São Paulo, que concede a promoção da
desapropriação para o desenvolvimento urbano, prerrogativa essa do
Estado, para concessionárias privadas.
Durante a aplicação do
instrumento, cabe ao poder publico licitar e coordenar o
desenvolvimento de projeto de "caráter público", onde o
caráter público pode ser questionado, vide os conflitos do Projeto
Nova Luz; e, à concessionária privada, cabe a promoção da
desapropriação e a execução do projeto, onde sua remuneração
será advinda da exploração das áreas destinadas ao uso
privado.
E, a uma possível crítica ao instrumento
urbanístico, segundo as palavras de Harada:"A concessão
urbanística de que cuida a propositura legislativa sob exame é
fruto de uma grande confusão conceitual. Confunde-se concessão
de serviços públicos mediante licitação, hipótese em que
pode ser conferida ao concessionário, por lei específica, a
faculdade de desapropriar para expansão do serviço ou para
melhorar o desempenho na execução do serviço concedido, com
uma concessão para execução de obras urbanísticas conferindo
ao “concessionário” o poder de desapropriar.
Em outras
palavras, a desapropriação não é para melhorar o desempenho
na execução do serviço público concedido, mas para executar
o plano de requalificação urbana apresentada pelo Executivo
Municipal.
Não há na legislação federal a faculdade de o
Município conferir a particular o encargo de promover a
reurbanização mediante desapropriação dos imóveis
abrangidos pela operação urbana, às suas expensas, para
ulterior revenda das novas unidades surgidas da requalificação
urbana, a título de ressarcimento das despesas feitas e a
realização de lucros."
Capítulo
I
A
entrada da concessão urbanística no Plano Diretor de São Paulo
aconteceu por um esforço individual, num ideário de viabilizar
agências de implementação de projetos, semelhantes a agências
encontradas na França, de capital misto, com maior autonomia e sem
a necessidade de contratar obras e serviços por meio de licitações,
ou seja, atuando conforme o regime jurídico das empresas privadas
para realizar ações capitaneadas pelo poder público.
A
inserção de um instrumento urbanístico sem delimitar uma área de
atuação e sem uma discussão ampliada, incluindo os potencialmente
afetados por sua implantação, contrariou o “espírito geral”
do plano diretor. Para a maioria dos demais instrumentos
urbanísticos, houve delimitação de sua aplicação,
especificando-se áreas da cidade em que seriam aplicados.
Essa
teria sido uma “artimanha” de seu proponente: aprovar o
instrumento da concessão urbanística sem a delimitação de uma
área específica graças à previsão do potencial conflito que ele
pudesse causar. Portanto, a concessão urbanística na gestão Marta
Suplicy (PT) foi resultado de um processo restrito, envolvendo um
leque limitado de atores e pouca compreensão da comunidade técnica
sobre a essência do instrumento urbanístico.
- A gestão
PSDB-DEM chega, em seguida, com um ideário de “revitalização”
para área socialmente problemática, no Centro de São Paulo,
denominada “Cracolândia”. A Santa Ifigênia, locus do consumo
da droga, apresenta um forte potencial econômico para o
“desenvolvimento” graças sua localização em ponto nodal da
cidade, com imóveis dilapidados e preços baixos, servida por
infraestrutura e com boa acessibilidade.
Desconsiderando a vida dos
pobres presentes no bairro, a “revitalização” adotada seguiu o
modelo conhecido por “arrasa quarteirão”, ou seja, desapropria,
demole, constrói tudo novo. O fracasso em viabilizar a
transformação por meio desse modelo, por inúmeras razões, entre
elas o lento processo de desapropriação, levou o Prefeito de São
Paulo a solicitar uma solução para representantes do capital
imobiliário.
O SECOVI apresentou um projeto elaborado pelo
urbanista Jaime Lerner, um ideário parisiense de ocupação das
quadras, e uma solução para o arrasa quarteirão: para concretizar
o projeto Nova Luz, as desapropriações deveriam ser promovidas
pelo privado, considerando “sua agilidade e sua capacidade de
barganha maior” em relação ao poder público. Entre os
instrumentos urbanísticos, a concessão urbanística “pareceu”
ao SECOVI o mais indicado para “solucionar” o problema das
desapropriações na Nova Luz.
Assim, a concessão urbanística
entrou na agenda pública governamental de maneira exógena ao
processo técnico interno das Secretarias de Planejamento e
Desenvolvimento Urbano de São Paulo. Portanto, o projeto Nova Luz
seria uma política pública disfarçada de solução para a
Cracolândia, que consiste em uma maneira de criar um novo canteiro
de obras para o capital imobiliário em busca de novos vetores de
atuação.
Capítulo II
Após
a publicação do projeto de Jaime Lerner, atores da sociedade civil
começam a formar grupos de resistência por entender que as ações
do Poder Público Municipal seriam restritivas a grupos ligados ao
capital imobiliário. Em nenhum momento, comerciantes, proprietários
e inquilinos do bairro da Santa Ifigênia são consultados, e esses
passam a entender a concessão urbanística como uma ameaça ao
ponto comercial e ao direito de propriedade.
Durante as audiências
públicas para sanção do projeto de lei sobre a concessão
urbanística, a Associação dos Comerciantes da Santa Ifigênia
ACSI organiza uma passeata e reivindica sua participação no
processo de formulação da lei, propõe alterações e condena o
processo democrático. O projeto de lei é aprovado, considerando um
substitutivo que não foi alvo de nova audiência pública, uma
semana depois da última audiência pública, em plenária fechada,
durante a noite, na Câmara de Vereadores.
As audiências públicas,
portanto, foram insuficientes, realizadas de forma apressada, e
conduzidas de modo a não abrir espaço “de fato” à revisão do
projeto. Esses eventos, embora concebidos para garantir “voz” e
debate a todos, não surtiram os efeitos desejos pela população
afetada.
Por
outro lado, o SECOVI, parte “interessadíssima” no projeto Nova
Luz, não apareceu ou “representou-se” em nenhum momento nas
audiências públicas, apesar de explicitamente, em entrevistas,
“proclamar-se” como responsável pela entrada da concessão
urbanística na agenda pública governamental e auxiliar a
prefeitura nos estudos de viabilidade econômica do projeto.
Será
que o SECOVI possui outras formas de participação mais eficientes?
Será que ele possui quem advogue por seus interesses nesses
momentos? Portanto, questiona-se uma possível correlação entre
vereadores, financiamento de campanha por meio da Associação das
Imobiliárias Brasileiras (AIB, ligado ao SECOVI) e, por fim,
possíveis votações de projetos de lei que favoreçam o capital
imobiliário.
Capítulo III
-
Aprovada a concessão urbanística, a Prefeitura iniciou a licitação
do consórcio responsável pelo projeto Nova Luz. O secretário de
planejamento anunciou que, não apenas a licitação para contratar
um consórcio – e não um projeto –, mas também a participação
popular durante todo o processo seriam um avanço proposto pela
gestão DEM.
A primeira audiência pública para discutir a Nova Luz
foi cancelada e a segunda acabou em confusão: a exposição de um
projeto sem primeiramente permitir as opiniões de comerciantes e
moradores gerou manifestações durante todo o evento; que chegou ao
fim quando um ex-morador desapropriado invadiu o palco, para pegar o
microfone para pronunciar-se, e foi agredido pela Guarda Civil.
Apesar
da divulgação do projeto, questões relacionadas à permanência e
à participação da população nunca foram devidamente
esclarecidas até hoje, e durante o processo de atualizações do
projeto, as três associações criadas em torno do problema, duas
de moradores e uma de comerciantes, divergiram em opiniões e ações.
Portanto, a participação da sociedade civil foi multifacetada com
relação ao olhar sobre o processo de elaboração da Nova Luz.
Apenas uma unanimidade foi verificada, o acordo em combater a
concessão urbanística por meio de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, protocolada no Tribunal de Justiça de São
Paulo.
Os
comerciantes entraram com o processo, ganharam uma liminar, a
Prefeitura agravou e o relator indeferiu a liminar. Segundo artigos
publicados em jornal, Claudio Lembo, ex-governador e atual
secretário municipal de negócios jurídicos de São Paulo, desde
2006, indica a lista dos novos desembargadores do Tribunal de
Justiça e por essa razão as associações não acreditam que a
ação terá efeito.
Desacreditados pela falta de equilíbrio entre
os poderes – o legislativo e o judiciário parecem completamente
comprometidos com o poder executivo –, as associações
conseguiram a elaboração de uma nova ADIN via partido PSOL, a ser
encaminhada diretamente ao Supremo Tribunal Federal. Enquanto a lei
continua em vigor, com o anúncio do projeto Nova Luz, publicou-se
também a “conta” para os cofres públicos: a prefeitura terá
que investir quase R$ 400 milhões para viabilizar o projeto,
contrapondo-se ao ideário inicial de utilidade do instrumento
urbanístico.
Segundo
Lomar (2001:51), “a concessão urbanística possui um enorme
potencial para a reconstrução das cidades brasileiras, uma vez que
o poder público não dispõe de recursos financeiros suficientes
para a realização das intervenções urbanísticas reclamadas pelo
interesse público”.
Por fim, com a criação de uma política de
abandono – a região da Santa Ifigênia tornou-se a líder no
ranking de assaltos do município de São Paulo –, e com um
processo político “viciado”, portanto, caso a lei e o projeto
comecem a ser implementados em São Paulo, poderá tornar-se uma
"moda" no Brasil utilizar a concessão urbanística para
expulsar populações de lugares com potencial de valorização e
colocar outras, a bel-prazer, que interessem aos grupos de
relacionamento de prefeitos. E uma sociedade democrática não pode
viver assim.