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quarta-feira, outubro 10, 2012

Incorporal


[Nota do Editor - Poucos contos desse escritor - Trebreh Egroeg - sobreviveram. Este, que teve nobre descendência, tendo sido citado pelo proeminente John Burke, despertou minha curiosidade, mas levei anos para encontrá-lo. Como é comum, nos escritores desse período, certa ingenuidade e exagero que desafiam nossa identificação. O mais notável era que, de fato, Trebreh fora famoso matemático e cientista amador. Achei-o na Biblioteca Nacional, finalmente, em antiga coletânea de ficção científica. Ele prova de modo categórico que, ao contrário do que se diz, não suspendemos a descrença como leitores: sabemos todo o tempo que é algo novo e o queremos.]

Se até agora evitei contar minha história, é porque a calúnia e a ignorância sempre afetaram meu espírito doente.
Morávamos na planície, na vila ao lado do canal e próximo aos penhascos avermelhados de indescritível beleza do lado Norte da ilha. Eu dedicara meus dias à construção de lentes e ao estudo do papel da teoria na ciência. Buscava materiais inusitados, unia teorias, ouvia palestras de diversas áreas. Um amigo enviou-me fatias grossas de um tipo estranho de cristal, que afirmava ter propriedades inusitadas. Logo em seguida, ele faleceu e não pude averiguar detalhadamente sua origem e composição. Mergulhava no estudo da luz e, ao mesmo tempo devaneava sobre a matemática como estrutura das coisas, como faziam os antigos, que viam a relação entre proporções da alma e do cosmos.

Acabei criando um instrumento magistral, capaz de visualizar com perfeição as mais longínquas paisagens. A teoria comum diz que o céu sobre nós é infinito e que os astros que vemos brilhar são, na verdade, fogos imensos à distância inimaginável. O senso comum, entretanto, desaconselhava a especulação sobre a natureza: "Um dia perdido não volta", diz o provérbio. Certa vez, porém, apontando meu invento para ele, algo estranho ocorreu.

Eu vi como uma luz fraca que fosse refratada e não um espaço vazio. Nada conforme às precisas leis da óptica. Passei algumas noites sem dormir, em estado de pânico.
Algo na composição do material estaria gerando isso? Eu sabia tratar-se de algo assim, mas não tinha conhecimentos nem coragem de buscar ajuda. Lembrava-me de um professor na Universidade que dizia: "Se algo novo é descoberto e não se enquadra nas leis científicas existentes, modificamos as leis da ciência para acomodar o novo fenômeno".

Lembrei que os antigos falavam do lekton, a linguagem, o sentido, como um dos incorporais que estruturavam o universo. O lugar, o tempo e o vazio precisam da lógica como elemento fundante.
Escondia-me no mais escuro da madrugada para observar o fenômeno. Algo ainda mais assustador aconteceu: pareceu-me ver, desfocado, algo como - maldito seja eu – o que seria aquilo? Era como se o material mostrasse um pouco meu próprio rosto. Fui tomado de intensa agitação e fiquei dias entre a melancolia e a insônia. Minha esposa se preocupou. Por fim, sonhei com o terrível olhar - cansado, solitário, como os ansiosos olhos de um comerciante. Voltei ao céu. Esperei algumas noites. Finalmente, o fenômeno se repetiu.

Convencido estar passando por uma espécie de delírio, fruto do intenso trabalho científico, retirei-me para nossa casa no campo e deixei as aulas na Universidade. Minha filha foi morar comigo para dar-me o mínimo de conforto. Mesmo assim, sonhava com um homem triste, infernizado por uma mulher extravagante, com um enteado feroz e uma enteada rabugenta. Eu via uma loja com crânios de tigre, aquários vazios, peças de xadrez, armaduras e punhais.

Um antigo filósofo afirmou que "os átomos são fisicamente indivisíveis, e não há motivo para um átomo não ser tão grande como um universo". É preciso dizer que, dentre as filosofias conhecidas, existem as mais bizarras – uma teoria nunca é verdadeira ou falsa, e mesmo duas teorias opostas podem conviver. (Uma piada do meio diz que um físico natural nada mais é que um artista do método). Haviam aquelas teorias que falam do universo com uma estrutura semelhante a uma árvore de histórias paralelas e alternativas mutuamente excludentes e até mesmo como um conjunto complexo de "bolhas" com contato limitado. Já se propôs que múltiplos universos estariam em expansão alternada: haveria uma energia estática do cosmos que converteria constantemente energia em matéria (teoria dos buracos no queijo). Recentemente se têm falado sobre a interferência do observador como intrínseca e de como a "realidade", em determinado nível, seria apenas a soma de diferentes possibilidades excludentes calculáveis. Algumas propriedades poderiam mesmo ter origem em dimensões físicas invisíveis, que “vazariam” por uma “membrana” que ligaria universos.

Acabei contando meu segredo à minha filha. Ela ficou muito perturbada e chamou um médico.
Que deveria eu fazer? Destruí minhas anotações e meus inventos. Dediquei-me à literatura. Deixo esse manuscrito, na esperança de que alguém... Não, não tenho esperança.

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