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segunda-feira, fevereiro 04, 2013

Uma pequena diferença

- Para iniciarmos nossa análise - disse o diretor do departamento de investigação - gostaria de deixar claro que o caso envolve uma república asiática que nenhum país do globo deseja ver desestabilizada. Qualquer vazamento de informação colocaria os líderes mundiais em pânico. 
- Compreendo senhor, pode contar com minha discrição - disse Momai.
- O senhor Moon está aqui para acompanhar a investigação. O caso é que o poderoso líder dessa república está com problemas com seu filho mais velho, seu provável sucessor, que tem se mostrado um playboy inconsequente. Por causa disso, seu irmão, que estuda em uma escola renomada na Suíça, pode tornar-se o novo presidente. O rapaz já foi  descrito como "afeminado" pelos colegas de escola. Entretanto... Uma foto comprometedora, envolvendo, ao que parece, uma jovem, foi parar nas mãos da uma importante marchant brasileira Vera Klosto que tem revelado talentos asiáticos no mercado Ocidental. Como ela não exigiu resgate, supomos que apenas deseja ter uma espécie de "proteção".

- O senhor saberia descrever como ela se apossou da foto? - perguntou Momai. 
- Essa é a parte mais interessante. O presidente tinha acabado de receber a foto de seu serviço de espionagem, eles haviam roubado a câmera do fotógrafo. Por segurança, haviam destruído a máquina e mantido uma única impressão. O pai, entretanto, aturdido com o fato, foi capaz apenas de virar a foto na mesa quando surpreendido pela entrada da exuberante figura, com quem havia criado alguma intimidade. Vinha acompanhada por um diplomata europeu. Não faltou a esta astúcia para compreender o objeto sobre a mesa, que mostrava o nome do filho e o símbolo do serviço secreto no verso. Por acaso tinha uma série de amostras do catálogo de uma exposição que seria realizada em Veneza e deixou-as sobre a mesa. Depois de uma conversa de mais ou menos quinze minutos, retirou dali tudo que era seu e mais um pouco e se foi sem que o presidente pudesse dizer uma palavra. 
- O método guarda uma semelhança estranha com o conto "A carta roubada" de Allan Poe - disse Momai. 
- Sim - respondeu o diretor - Suspeitamos que esteja entre os pertences dessa senhora na sua mansão, mas as paredes são cobertas de gravuras e pinturas - no fundo das quais se poderia, por exemplo, esconder o objeto - e sua coleção de fotografias contém mais de 11 mil itens. Não podemos pedir um mandato. Dois homens já conseguiram entrar secretamente na casa em vão. Podemos colocá-lo lá dentro por algumas horas - ela irá dar uma conferência por esses dias em Boston - e esperamos que o senhor possa nos ajudar. 

- Claro. Mas antes preciso ir a um museu. Tenho de pensar como uma marchant - disse Momai - é assim que as intuições surgem. Mais uma pergunta: imagino que o rapaz tenha sido vigiado e acompanhado o tempo todo na Suíça. 
- Sim, ele usou nome falso e era a único garoto do colégio a chegar de carro, com um motorista. Um importante diplomata tinha como função acompanhá-lo. Ele é fanático por tênis e sempre tinha muitos seguranças. 
- Estranho: como alguém pode tirar essa foto? - Momai perguntou se levantando. 

Hélio o esperava na porta da Pinacoteca.
- Espero que seu namorado me perdoe por mais essa - Momai disse.
Eles entraram. Uma exposição de tapeçaria contemporânea, muito colorida, misturava fios, metal e madeira. 
- Andei retomando os contos de Poe, só para me sentir preparado - disse Hélio ao sentarem na sala de esculturas. Encontrei nesse outro conto, "O mistério de Marie Roget", algo que me pareceu interessante. Importa-se que eu leia? - Momai fez um sinal com a mão - "Porque em relação a última parte da suposição , dever-se-ia considerar que a mais leve variação nos fatos dos dois casos poderia dar origem aos mais graves erros de cálculo, fazendo divergir totalmente os dois cursos de acontecimentos, como acontece tantas vezes em aritmética, em que um erro inapreciável, se tomado individualmente, produz afinal, por força de multiplicação em todos os pontos da operação, um resultado enormemente distante do verdadeiro". 

- Interessante. O método de Dupin é partir das superfícies, como num jogo de cartas, das variações de expressão, da fisionomia dos jogadores, do modo como classificam as cartas na mão - para chegar ao verdadeiro estado do jogo. Prefiro a perspicácia intuitiva à indução. Nossa amiga nos oferece um banquete de sensações e dados para analisarmos... Mas as coisas nunca se repetem. Se começarmos supondo que a exposição oculta e não mostra e não que a exposição distrai...

- Não estou acompanhando, Momai.

- Oh, às vezes me parece que, quando eu estou pensando sobre um caso, a natureza toda pensa comigo.
- Jung diz mesmo que não sabe onde começa e acaba o inconsciente... - Hélio disse.
- Pensando nisso, lembro de ter visto o mesmo trecho do conto usado num livro sobre sistemas caóticos e complexos. Poe expressou profeticamente uma ideia hoje muito importante no estudo desses sistemas. Não sou bom em matemática, mas penso que esse artigo dizia que um atrator estranho é uma região para a qual tendem os eventos futuros de um sistema, apesar desses eventos terem muita distância entre si. Além disso, pequenas variações iniciais levam à resultados muito distintos no futuro... Neste caso... Da superfície para a verdade da estrutura, ou da estrutura para a verdade da superfície? A aparência também é estrutura...

Na mansão, paredes de quadros se ofereciam para análise. 
- Por onde começar? Cubismo ou Tachismo? A carta estava muito "à vista", por isso não era vista - disse Hélio. 
- Vamos buscar uma parede secreta. O mais difícil. O atrator, não o evento. 
- O mais difícil não seria um cofre num banco?
- Não para quem quer estar na região mostrar/ocultar, dentro/fora, visível/invisível - Momai passava as mãos pelas paredes. Viu uma tela com moldura oval, dourada, no estilo de "vinheta", com um busto delicado de jovem se fundindo com o fundo negro. 
- As equações são explícitas e deterministas, mas o resultado tem um alto grau de incerteza... Poe: o atrator estranho. 
Moveu o quadro e empurrou a parede atrás dele. Ela girou. Hélio parecia estupefato. Um envelope estava sobre uma mesinha. 

- Ela fingiu expor o objeto para nos confundir, disse Hélio. Ao usar como método uma referência tão clara, estava na verdade direcionando nosso olhar para a carta "manchada e amassada" no "porta-cartões".  
- Pior que isso. Por que alguém iria imprimir uma foto para os arquivos oficiais? São cúmplices? Suspeito que o que resgatamos não seja mais que uma foto comprometedora falsa. Imagine a seguinte situação: o pai é informado pela sua espionagem de que certos comportamentos do filho são notados; pede ao serviço secreto que finja obter uma foto do rapaz levemente comprometedora: por exemplo, ao lado de uma garota com os seios à mostra junto com um amigo. A foto é deixada na mesa quando se percebe a marchant, devidamente identificável. Quem levou à "Carta roubada" foi o pai.
- Claro! De alguma forma se especula sobre o escândalo, mas não sobre a homossexualidade do filho! Mostrar para ocultar...
Hélio pega o envelope e vai abri-lo, mas é impedido. 
- Uma pequena mudança nas condições iniciais leva à resultados que estão muito distantes entre si...

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O trabalho Uma pequena diferença de Afonso Jr. Lima foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.

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