Um conto inacabado de
Tchékhov. Ele estava impressionado com o
fim trágico de Guy de Maupassant. Ele havia lido no Malleus maleficarum sobre um padre com estranhos
movimentos, que seriam possessão demoníaca. Tivera sífilis hereditária. “O
senhor Maupassant transformou-se num animal”. Além do sistema nervoso central,
pode ter se interessado em corrigir o sentimental conto “Relíquia viva” de
Turguêniev de 1852: “A cabeça completamente murcha... como ossos finos, os
dedos...” Seu primeiro contato com ele fora através de uma rica judia que pediu
ajuda para a tradução das obras completas. Sua beleza de olhos negros, seu
vestido de seda vermelha, uma garrafa de 1883 e uma noite estrelada me prenderam
ao autor. Nunca acabamos sequer um livro e achamos melhor acabar com os salões
literários. Ele leu sobre a vida do autor em Édouard de Maynial. Provavelmente,
nessa época, fez as muitas anotações, que aparecem misturadas aos manuscritos
de rascunhos do conto. Noites no mar, observando o céu nu, na infância. A mãe, prima
de Flaubert. As tardes ensolaradas nas ilhas do Sena. A triste visão do jardim
atrás da porta do escritório, durante o dia. As pesquisas do século passado
mostravam que a sífilis era fruto de uma alma fraca, o que se provava mostrando
a sua incidência entre os negros. As prostitutas acabavam com as famílias pelo
amor e pela doença. A faca, a garganta, o hospício. O viajante. Como a Rússia. Os
servos são libertados, o csar assassinado. Revolução no horizonte. Eu combato a
cólera, eu ergo escolas nas aldeias. Turbulências. Argélia, Itália, Inglaterra.
Exercícios, prostitutas, álcool, sexo, luxo. Terror, paranoia, inconsciência. “Sua
vida de trabalho mataria dez homens normais”. A guerra. Febre. “Sei que alguém
me observa, se aproxima”. Avós servos, médico disciplinado. O olhar científico
observa? A sociedade das barreiras ruía. A última frase do conto, inacabado,
diz: “Engatinhava quando parti do manicômio. Como acabou sua história, não sei
dizer”.
Afonso Lima
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