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sábado, janeiro 18, 2014

Normal

Abro a cortina. Prédio baixo antigo azul claro com janelas escuras e sacadas. Prédio alto amarelo antigo com sacadas e varais de roupas. Prédio cinza velho com sacadas estilo colonial com uma janela de cada lado. Jardim no terraço e caixa d´água. Torre de igreja ou prédio antigo. Prédio verde com janelas sem vidro em reforma ou ocupado. Raios de sol cortando pesado céu. Neblina no horizonte, retângulos opacos, sugeridos. Apareceu uma bandeira no alto da torre.
Dorme. Tenho que sair.
Levo pouco, volto para pegar as coisas. Pedaços do verde brilham, parece que algo metálico foi derramado em plantas baixas, Rembrandt caminhava pelos bosques. O universo das raízes, folhas grandes, manchadas, frutos vermelhos, protuberâncias caindo dos troncos e abertas no chão como ventres amarelos, prostitutas. Uma chuva fina começa a cair.
Eu corro. Para casa. O céu desaba perto da estação. Entro molhado.
Ando, penso, ando, vento, mais vento, multidão aglomerada, medrosa. Olho o relógio. Tenho que ir direto. Só eu.
Sobe, desce, amarelo, vermelho. E chego na estação.
As palmeiras serão arrancadas. Homens amarelos trabalham na chuva. Telhados vermelhos e prédios sinistros gigantes e feios espreitando. Calpões. Uma criança chora.
Preciso comer.
Bye, bye-bye, baby, bye-bye.
I gotta be seeing you around
When I change my living standard and I move uptown,
Bye-bye, baby, bye-bye.
Lembro 68.
E de um amigo que disse. Largou a faculdade. Pegar metrô lotado de manhã trabalhar oito horas metro lotado para estudar cinco horas estudar em pé.
Falo com a funcionária. Ilhados, né?
O que, o trem parou? Quero voltar pra casa.
Como?
Ah, pensei. É que tem estações abaixo do rio, quando transborda.
Ah, um amigo que diz que o trem anda rápido, mas não pode correr porque os trilos são velhos.
Ainda chove forte, não tem jeito, tenho que ir. Pulo lagos sujos, oprimido entre água e portas de lojas. Meninos gritam, ele pisa na água para me vender. Uma capa de plástico. Feias piscinas, multidão. Um guarda-chuva. Estou avançando, quase normal, o Canal da Mancha, como passar?
And you left me here to face it all alone,
You left me here to face it all alone,
You left me here to face it all alone.
Céu escuro. Sala vazia.. Fico sentado observando a chuva cair. Um amigo toca piano.

Afonso Lima

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