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terça-feira, janeiro 14, 2014

O poeta e o bispo

Narrador – As religiões da região tinham sacerdotes castrados que praticavam prostituição nos templos. Mas parece que durante a Idade Média, também homens se casavam com homens em cerimônias cristãs e mulheres se casavam com mulheres travestindo-se. Já ouvi a história de um monge poeta e um bispo que virou santo.

Andavam de mãos dadas, escreviam cartas belas, saíam juntos pelo bosque ou rezavam sozinhos, mas lembravam das regras de São Cassiano, do século IV, para anular o corpo e do imperador Justiniano, do século V, que afirmava que pestes, fome e catástrofes vinham de uma população libertina. Um dia, os dois monges falaram na capela:

- O Santo Aquino defende a família natural
A luxúria é sujeitar-se à matéria escura
Sem educação e sem prole, surge o mal
Por desperdiçar sêmen Onan foi pra sepultura

Nas areias da província romana
Entre a concubina e a gramática
Viveu também Agostinho a bela prática
do amor caridade e chama

Por que encarnou o Filho se a carne é maldade?
Se o bispo de Paris condena a alegria
Esquece que o próprio Agostinho teve seu dia
O bispo condena quem acerta:  'destrói a virtude a castidade'.

- Agostinho chorou a morte, com alma aflita
do amado, sua outra metade
Mas chorou ter sujado com desejo a amizade
São as heresias que pregam amor dos sodomitas

A natureza pensou em procriar – pensa Tomás assim
O homem não existe para si
Tudo em Aristóteles tem um fim
Sem ordem o mundo se prostitui
Talvez nossa ciência esteja errada
Em ver em tudo uma razão dada

- Os filhos de camponeses pobres
Vem para Paris atrás de doutrinas nobres
E acabam por cair nas calçadas
Em farras, bebedeiras, orgias descaradas
os astros são movidos por seres celestiais
E buscar o eterno cabe aos mortais

Assim falas monge angelical
Porque não conheces os labirintos da mente
A solidão da noite e a tortura fatal
Quando o homem explode sua semente
Tua língua de fogo hoje acenderei
Nos meus braços saberás o que sei

Afonso Lima

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