O que é o manuscrito nós não
sabemos. Uma ficção do jovem suicida? Um diário? Uma crítica
literária embrionária? Em alguns momentos ouvimos a voz do pai, por
exemplo: "A governanta me dizia que ele, com dez anos, passava
as tardes deitado olhando o teto". Em seguida o jovem é
descrito em terceira pessoa como um bom aluno, alguém que jogava
futebol com o motorista. "Depois parou de me contar. Eu achava
que meu trabalho estava mudando o mundo e não era fácil sair de
Brasília" - aqui temos novamente a voz do pai. A governanta é
apresentada em uma reunião de escola onde o menino é elogiado por
suas notas, mas contam-lhe como ele ficava solitário no pátio todo
o recreio.
Logo depois temos uma extensa nota onde se apresentam os
livros que o jovem autor lê, com uma nota para cada livro (Hesse -
8,00 - reprovado). Poemas sobre a solidão, descrição detalhada
sobre os cabelos de uma aluna, cartas falsas para a mãe em Paris.
"Julio queria estudar ciências, mas nunca vai, porque quer
morrer cedo. Eu sou tão pequeno, ele dizia. Não tenho um amor."
O motorista o levara para assistir uma sinfonia de Mahler aos 11
anos. Temos, então, duas páginas de estudo sobre as sinfonias.
"Julio poderia ter sido músico, mas seu pai não deixou".
A crítica tem divergido sobre o valor da obra nesses últimos 20
anos, mas parece retratar uma crise na narrativa contemporânea e
descreve a vida sofisticada da classe alta, uma bela casa em frente à
lagoa, conforto e presentes vindos de todas as partes. Infelizmente,
o rapaz morreu com 20 anos. Seus pais deixaram para a governanta o
manuscrito, que foi publicado.
Afonso Lima
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