- O senhor já leu Isaac Singer?
- O judeu?
- Ele tem uma frase: todo grande amor tem algo de telepatia.
- Na escola. Acho macabro demais. A senhora acredita em telepata?
- O que aconteceu entre eu e essa jovem. Se é que posso chamá-la assim agora.
- A senhora quer se livrar dela?
- Nós nos conhecemos quando eu era professora na universidade. Ela estava quase se formando, uma jovem de vinte e três anos. Nesses treze anos eu a traí e ela me traiu, mas nossa alma era uma só. Entende?
- Preferiria pular os detalhes. Sou antiquado.
- Nesses anos todos, não saberia descrever quantas vezes vivemons situações estranhas. No início, era apenas uma coincidência divertida. Eu ligava de uma cidade onde estava dando conferência, e descrevia a roupa que ela estava usando. Ou ela adivinhava o que eu iria perguntar. Depois as coisas ficaram mais estranhas. Eu largava meu trabalho subitamente para chegar em casa e encontrá-la desmaiada, com a cabeça machucada. Ela descrevia um sonho que tivera com uma mulher idêntida à qual eu cometera uma traição. Eu sentia enjoo e dor de cabeça quando saía com outras. Eu podia até mesmo dar comandos ao seu corpo quando não queria estar com ela. Ela sentia-se mal ou pegava uma gripe. Para o senhor pode não parecer nada, mas para quem vive isso dia após dia por anos...
- Mas por que quer...
- Nos separamos há três meses. Durante um tempo ela ligava todos os dias, batia na minha porta. Eu sempre fui uma mulher forte e decidida. Sou uma rocha. Mas recentemente tenho estado assustada. Cada dia me sinto mais fraca, nervosa, triste. Minha namorada recente escapou por pouco de um grave acidente. Ouço ruídos na casa à noite, percorro a casa e não acho nada. Objetos quebram na minha casa sem motivo aparente. Pior de tudo, sinto enxaqueca constante, sua imagem não sai de minha mente. Em uma de suas crises de ciúme, ela ameaçou me envenenar. Passei mal esses dias e fui ao médico. Ele examinou meu sangue e encontrou substâncias tóxicas, mas em baixa quantidade. Mas eu mudei de cidade. E, pior que tudo, acordo no meio da noite tendo a impressão de que ela está em meu quarto.
- A senhora já pensou em procurar um psiquiatra?- O senhor será bem recompensado.
- A senhora pode estar apenas abalada, será que ela cometeria um crime tão grave?
- Ela vai me matar com seu pensamento.
Afonso Lima
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