Aqui tudo tem suficiente clareza e a deliciosa obscuridade da harmonia. No julgamento, o homem parecia não estar entendendo. O epitáfio era um belo poema. Usava um colar de pérolas, vestido cinza, apesar do dia ensolarado, os pássaros não cantavam, devia ter colocado o verde, tinha sonhado com seu marido, que fora confinado em Treblinka, perdera toda a família. Quando menino, sentava em seu colo, ela contava histórias, aprendeu algum piano da vizinha. O filho era casado com uma libanesa, um livro das Mil e Uma Noites. Crescido, sempre perguntava sobre a grande perseguição, a mãe ficava nervosa, só o que faltava, filho, ela contava sempre. Eles quebravam vidraças, em uma cidade na fronteira, mataram meninos quebravam-lhes o crânio com suas armas e, transpassando-os com um pau, os pregavam nos muros. Dona Sara sempre dizia, Se alguém te tratar mal, responda, não podemos aceitar o mal. Faculdade, voltava pra casa, bicicleta, foi escurecendo, parado, o homem, Tem passagem, Não, Vou verificar, se tiver passagem te dou uma surra, E se eu não tiver, posso dar uma surra no senhor? Ela lembrava de um Ano Novo que passaram na praia.
Afonso Lima
Afonso Lima
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