Anoitece. Ele caminha pela avenida, vidro vertical e
concreto. A luz da torre no escuro prédio em frente. Alguém lhe disse: meus
alunos são analfabetos. Ouviu: A distribuição de renda se deu pela globalização mundial. Onde está? Ouviu: A democracia tem que ter alternância. Quando era adolescente,
andava de skate, um policial bateu na sua mão, propaganda, a empresa
não permite plantas e ideias novas sobre a mesa. Barulho, um animal se arrasta no chão. Inovação, design
na vitrine. O
doente incurável que dissolve a estabilidade.
Um carro grande para sobre a faixa de pedestres, uma mulher arrasta
uma criança. Dores nem do corpo nem da alma, que tem algo dos dois. Onde está? O
homem normal nos odeia, nos teme, raça de perdidos.
Livraria, na capa, um senhor feudal manda matar os filhos, casa com a
cunhada, prende o servo rebelde. Vento frio, a lua sai de trás da
nuvem e se deforma no décimo-sexto andar. Na manchete do jornal:
governo - crime e conivência. Um jovem diz: "Eu não tenho dinheiro para ler
jornal". Uma mulher: "Se tem fumaça, tem fogo, ladrão". Fogo no ônibus, os mercados tremem. Fumaça, pessoas afetadas pela
indústria. Passa pela universidade, estudou para
ser sozinho. Onde está? No café, o livro: e o fantasma do
rapaz preso no castelo aparece para o príncipe. Quando tenta violar
a cunhada a imagem da filha aparece sem cabeça. O cavalo no campo à noite se assusta com um corpo de enforcado. O príncipe passa a viver dentro de seu quarto e enlouquece aos poucos. O
veneno inato, o inferno, que nos deixem em paz, em paz. Na esquina, um violão, blues, um gringo, a crise. Compra um
cigarro, economia de TV sobre a "roubalheira". Na fila: querem plebiscito, quem votará é só militante, logo vão estar enforcando pessoas na rua. Entra, frio, ambiente
controlado, laboratório. Na tela, extermínio de espécies
exóticas, planos políticos, toneladas de informação, um
grupo pequeno de pessoas poderosas. Um homem de bigode lembra seu tio coronel, almoço de domingo: o empresário não
pode ser tutelado pelo estado. Alguém falou: de que forma isso poderia ser, era sertão, escravos e senhores, indústria, torturadores e patriotas. No filme: reformar o mundo, histeria coletiva, remodelar o mundo mental de uma
geração inteira. O eu louco incurável, a castração do espírito, o controle. Um homem
de terno parou por algum motivo no meio da calçada. Como?
Pela avenida carros com pessoas silenciosas, ouve-se o discurso por
toda a cidade.
Afonso Lima
Nenhum comentário:
Postar um comentário