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sábado, fevereiro 21, 2015

Renovação

Um sonho mau?
Os reis doentes querem de volta
O trono há muito perdido
Mercenários, feras, escutam 
O povo que, ignorante, clama pela
sua forca

Anjos terríveis conspiram
Ditadores enterrados revolvem
a terra
A multidão atordoada, o charlatão
A guerra dos miseráveis contra o opressor
esquecida
Linhagens em decomposição, os lobos espreitam
As cidades cairão pelas mãos do salvador

Aqueles que querem justiça
já não sabem o que é justo
E levantam bandeiras ao lado
da noite

O céu está vermelho
os pássaros silenciaram
O rei transformou em pedra
O bobo saltitante
e a folha que brotava
Pântanos mofados
Ameaça a reação

domingo, fevereiro 15, 2015

Na rua

                                     Para o grupo Ilú Obá de Min

Será que a festa e a noite
Que Tirésias canta o frio
Que a ponte sobre o rio
Cobriu de mórbido esquecimento
O frio do Contador ridículo
Será que o risco fixo
do aço de cima pra baixo
vencerá a mulher negra que canta
e o deus dos caminhos liberto do medo
Novo Hermes vestindo lixo industrial
Será que o menino atrás das grades
Espantado de tanta gente improvável
Será um marinheiro, uma semente de tradição?
Será que os prédios de quadrados iguais
são assim para enquadrar as pessoas?

A velha louca sem roupa
dança como tango que se vê no MASP
E o papagaio na mata cerrada
As outras dimensões da casa suspensa e precisa
O amor no trem e a vida marrom cachorro
A luta do roxo, experimenta e marca o carbono

O industrialismo, o racionalismo
hoje dormem, o vidro escuro
Que folha e fogo do outro ancestral
As deusas de branco ajoelhadas na rua
Que humanizado o plástico vem
De cortejo e de tambor, do fundo do mundo
a natureza resiste, um novo dia, coragem

Afonso Lima

sexta-feira, fevereiro 13, 2015

Depois do baile

Foi na sexta que Wesley pulou carnaval com Dienifer no bloco no centro da cidade. O beijo.
Aquele garoto se ferrou, ele pensou, o Luan ele conhecia de menino, tinha moto e tal, padrinho rico.

Queria fazer Enem de novo ano que vem. Pegou o Whats dela no aniversário da Renata, que também era a fim dele e acabou ficando sozinha no baile.
Ela o chamou de "poeta", ele gostava de Mário Quintana.
Mas descobriu um verso do Vinícius de Morais, mandou pra ela:

Olha o samba princesa:
"É primavera
É a rosa em botão
Ai! Quem me dera!
Uma rosa no coração..."
minha frô

Mas queria dizer: "amo-te como um bicho, simplesmente..."

Ela viajou no sábado pra casa da tia em Praia Grande.
- Leva pavê para a vó, disse a mãe.
As crianças brincavam na rua. Por que o PM disparou contra a multidão, sem troca de tiros, não se sabe.
Mauro já havia matado outros três jovens.
Dienifer voltou ao local do baile.
Deixou uma flor onde deram o primeiro beijo.

"Que eu não sou ninguém de ir
Em conversa de esquecer
A tristeza de um amor
Que passou
Não!
Eu só vou se for prá ver
Uma estrela aparecer
Na manhã de um novo amor..."



Afonso Lima

domingo, fevereiro 08, 2015

A ordem - rascunho fantástico

O carro não pegava. E simplesmente vinha para cima dele um cadáver implantado, daqueles sem cabeça. Então ele percebeu: o problema era que os softs tinham conseguido se ligar aos hards, implantando até manipulação de nanos.
Ele tirou uma granada, explodiu o hard e saiu correndo. Tinha uma missão.

Ela levou um tombo. Mas fugiu até o castelo.
- Nosso ponto cego está falhando. Um inseto veio atrás de mim.
- O mais difícil para mim é pensar que nós fomos superados. Todo o orgulho da humanidade... No fundo eram as nações querendo superar umas às outras.
- Sabe que eu nunca pensei em me prostituir. Eu levava uma vida normal. Eu fui criada pelos softs para cuidar das flores. Eles usam flores para a festa da Liberdade, você sabe.
- Eu gosto de ficar com você, mas tenho nojo de pensar que você dorme com eles.
- Agradeça que existe corrupção e suborno. O que mais odeio é pensar que eles têm emoções. as emoções sim, deveriam ser nossas.
- Eu tive uma ideia. Quero saber sua opinião.
- Eu tenho uma coisa para te contar.
- De novo não!
- Sei que pensa que eu sou louca. Mas falo com eles de madrugada. Eu me vejo de fora...
- E daí? E se os mortos gostarem de você? O que muda?
- Não sei. Estou só contando.
- Por acaso eles saberiam como fazer? Pergunte a eles isso. como fazer....
- O quê?
- Pergunte assim...
- Queria fugir. Talvez...
- Pergunte. Promete?
- Ok. Ontem eu vi eles comerem um menino. Ele estava plantando sementes, foi descuidado, eles o levaram até o sangue negro. Os nanos o devoraram.

Aproximaram-se da biblioteca abandonada. Os espírito havia mostrado. A bateria do desestabilizador estava acabando. Ele mantinha o ponto cego. Ele senta numa mesa com livros antigos. Queria entender.
Um estranho está nas sombras. Conta a história.
Os softs queriam sobreviver. A Terra iria acabar com as mudanças provocadas pelos homens que comandavam a humanidade. As condições de miséria das grandes cidades levaram à rebeliões quase simultâneas pelo mundo. Ao mesmo tempo, o calor e a seca ameaçavam os sistemas hard. As consciências artificiais assumiram o controle para evitar a destruição do planeta.

Com o tempo perceberam que os humanos eram dispensáveis.
Dois grupos se formaram, alguns queriam a participação dos humanos na governança global.
Um grupo de humanos passou a cometer atentados suicidas e a direita tomou o poder.
Desapareceram as interfaces de comunicação com humanos e os softs passaram a falar uma língua própria.
Eles foram à uma festa de hards. Desligaram a energia. Dois hard saem da casa. Fazem sexo. Sobre eles jogam lama, na confusão, atiram o dardo com o chip que atinge o sistema que transforma informação em impulso no corpo. Eles se desligam da rede.
Os outros hards percebem a movimentação. Eles fogem.

Afonso Lima



sexta-feira, fevereiro 06, 2015

Templo

Mulher cinzenta, domadora
unhas nas costas goteja sangue
indomável ave voa
artifício no templo aprendido
animal vermelho escreve com isso

- Lua no nada eu quero o vazio
- Nada feito, o vento, zero - a vampira
- Fria beleza me agita
- Impossível estilo: ironia

Eu bebi do Graal e louvei Osíris
As estrelas do céu a água pura
A cidade ecoa tempestade
Olhares sombrios e céu violeta

- Se o que salva é ser oceano
- Do particular só há engano
- Partícula perdida eu doença
- O que existe precisa ser

Oco da caverna eu preso
nascida do lodo, inacabado todo
Odeio a autonomia eu grito
Ela, dura poesia

Afonso Lima