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segunda-feira, agosto 24, 2015

Sapatos

Num dia de chuva, cheguei à escola onde trabalhava como estagiário durante a faculdade para descobrir que a aula seria num outro endereço, uma espécie de show-room, junto com uma professora, que, então, me ofereceu carona.
Ela sempre me tratara bem, mas todos comentavam que era arrogante e chegava a humilhar alunos e estagiários. Existe esse tipo de pessoa madura, bem educada, profissionalmente bem sucedida, mas no fundo autoritária e intolerante, acostumada a saber e a explicar. São elegantes, falam com cortesia, mas você percebe o tempo todo que não passa "de um simples..."

Começamos amontar as coisas (meu apoio era mais psicológico), até que solucionei um problema numa placa com uma simples fita dupla-face.  "Você já sabe como eu sou", ela diz com frieza educada. Sai de mim uma ironia fora de hora, como tantas vezes: "Para o bem e para o mal".
A manhã segue seu curso com os alunos cosmopolitas falando seu vocabulário de seita até que uma aluna próxima a mim responde: "Eu não sei o que você está falando!" E eu completo: "Até o dia em que nenhum de vocês fale em português!".
Ela dá uma risada simpática. Nesse momento meu sapato molhado por algum motivo sai do meu pé e fico vermelho porque aparece o papel que eu colocara para fugir das poças de água, revelando que eu não vinha de carro. Não posso dizer que lembro do rosto dessa moça, se foi de pena ou de desprendida compreensão.

O dia acabou com a professora quase sorrindo pelo trabalho realizado, o que significava que todos tinham feito "como ela queria".
Como isso não é uma história, mas uma espécie de crônica, não tem moral da história, nem clímax. Eu apenas carrego a grande humilhação daquele momento e a lembrança dessa professora serena, com seu ar superior, mas que guardava tanta frieza e desprezo dentro de si.

Afonso Lima

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