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terça-feira, janeiro 12, 2016

Valentina

Tenho certeza de que com esse testamento frustrarei meus mais próximos parentes, meus sobrinhos e minha irmã, meus amigos queridos e minha companheira de últimos anos. Nada posso fazer. Ainda penso em Valentina, ainda vejo sua pele branca, seu suave sorriso. Ela gostava de caminhar no parque e lá íamos nós em dias de primavera, eu, um velho, ela, toda alegre com seu rosto de menina. Era filha de polacos e italianos, do sul do Brasil. Fazia universidade. Seu abraço me consolou. Nossas conversas me faziam compreender melhor as mulheres, ela argumentava com espírito, era inteligente. Valentina foi a mulher mais pura que eu conheci e sofri muito o dia que encontrou seu “príncipe”, um vienense safado, que nunca me enganou. Não podia desfazer seus sonhos, mas coloquei gente para o espionar. Era um criminoso. Ela me avisou que, ao noivar, nossa relação mudaria. Eu ofereci a ela tudo, ofereci mesmo deixar que vivesse onde quisesse, mas ela estava apaixonada. A última vez que a vi foi no parque, ela pediu que eu levasse seu livro favorito, Madame Bovary, que ficara comigo. Não foi amor, mas essa garota de programa marcou minha vida. Chorei como um menino. Deixo aqui tudo que sei sobre ela, eu deixo tudo para ela, peço que a procurem, que a façam feliz, e que eu, agora morto, possa louvar essa amiga, essa companheira, essa menina que com coragem enfrentou o mundo.

Afonso Lima 

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