Tolstói fez, em 1892, uma versão do conto "O condenado à vida", do francês Guy de Maupassant, de 1883. Temos algumas linhas escritas nas margens, que parecem situações imaginadas para serem inseridas, mas nenhuma delas está na publicação.
Assim, frases como "Os juízes eram elegantes, houve jurados, procuradores, discursos e, com toda a pompa se decidiu pela guilhotina" ou "Na Alemanha, depois do duelo entre um barão e um burguês por causa de jogo, os principados desistiram de ganhar com o azar" (cuja inserção é assinalada com *) - não parecem encaixar no todo.
Vejamos as duas versões:
"A ilha não possuía muito de onde tirar sua fortuna. O monarca vivia com relativa modéstia, em comparação com seus parentes do continente. Quando o juiz condenou o réu à morte*, não imaginava como seria custoso trazer da França uma guilhotina. Pensou-se em várias formas de matar. A forca: não haviam homens treinados e o espetáculo poderia degenerar em miserável tortura. O veneno: os especialistas moravam longe e queriam hospedagem para a família. A morte por afogamento: uma lenda de um assassino de séculos passados, que teria voltado, ainda deixava as pessoas arrepiadas. O que fazer? O jogo era a única fonte de renda do pequeno reino*, e o monarca se viu forçado a prender o homem numa cela, mas a troca de guardas era constante. Feitos os cálculos, uma pensão vitalícia soava muito mais razoável. Foi assim que o reino de Mônaco acabou trocando a pena de morte por equilíbrio nas contas".
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"Era deprimente ver o rei assim abatido. Ninguém queria fuzilar um homem por tão pouco. Ele mesmo chegou a ir ao cárcere de pistola na mão, disposto a dar fim no caso. Mas... E se errasse o tiro? A fidalguia não acobertaria um vexame assim na Europa. Já não basta chamarem o reino de "aldeia"? Já não basta dizerem que alimenta sua corte e exército com a roleta? Que fazer, se entre o imposto pouco e a briga do jogo, vale mais a segunda? Mas não havia como matar um sujeito sem importar coisas, pessoas, importar até essa coragem. As técnicas haviam avançado. Estávamos num século da lei e da ordem. Ninguém ia enfiar uma faca no homem sem uma certa formação. Ainda, muita gente achava que a liberdade era incompatível com um "estado". Tudo era dívidas e, com tanto luxo a ser vendido e comprado, os ricos desgostavam de obrigações. Na última montagem, a Ópera parecia bem pobre. Pensaram, pensaram. O criminoso foi solto na montanha. Voltou em uma hora, não tinha como viver escondido em reino tão pequeno. Tentaram colocá-lo num navio. O capitão avisou que a imprensa queria embarcar junto, o que tornava o caso impossível. Já se falava em revolta por medo de novo imposto. A corte começou a fazer doações para que se conseguisse um carrasco. Nesse momento, alguém fez as contas e percebeu que uma pensão e uma terrinha no cafundó ficava bem mais em cota. Assim, assinaram o contrato e acabou-se a pena de morte."
Afonso Lima
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