Faz tempo que me incomoda a fala de "especialistas" (da TV, do livro) que parecem isolados do tecido social e repetindo mantras para proprietários e intelectuais autocentrados.
Edgar de Decca diz em entrevista (Univesp TV) que "o projeto de um partido não é o projeto da nação" e chama o PT de "populista", vendo a história depois da Segunda Guerra como uma lenta "emancipação da sociedade civil do Estado". O trauma do totalitarismo faz com que a ideia de neoliberalismo seja uma "bobagem"?
O termo populismo tem sido usado recorrentemente na mídia para classificar a era PT. Na historiografia geralmente significa a manipulação do povo, promessas que não são cumpridas, mas que geram apoio popular, etc. Seria preciso diferenciar cada caso e lugar.
Getúlio Vargas é sempre o ditador, aquele que seguiu o fascismo. Ora, o fascismo italiano e o nazismo surgem também de uma ânsia de industriais pelo controle do comunismo. O caso brasileiro fica inexplicável como "fascismo" que fortalece a sociedade civil através da educação e do fortalecimento de uma distribuição de funções numa sociedade urbana, na qual o poder central não se identifica automaticamente com as oligarquias. O Parlamento oligárquico da República Velha era autoritário por representar a elite num processo de repressão e precarização do trabalho. Foi um trauma as elites paulista e mineira perderem a direção do Brasil.
Diz o sociólogo Jessé Souza:
"Essa coisa de o brasileiro ser inferior tem um lugar específico entre nós desde Sérgio Buarque: o Estado. É a tal tese do patrimonialismo. Há uma elite que, só no Estado, rouba a sociedade como um todo, como diz Raymundo Faoro. Então se cria um conflito artificial."
http://brasil.elpais.com/brasil/2015/11/10/politica/1447193346_169410.html
A massa é também tema de jornalistas conservadores. A questão do pagamento da dívida social não entra no cálculo. A vida diária é apenas um entrave ao superávit, medida "eleitoreira" para estancar uma "queda de intenções da voto", como diria o editorial do Estadão de 02/05/2014.
Vejamos o caso da Grécia, segundo Krugman: " ...realizou diversos cortes no gasto público e aumentou a arrecadação fiscal. Os empregos públicos foram reduzidos em mais de 25% ...a economia grega desabou, muito por causa dessas importantes medidas de austeridade, que afetaram demais a arrecadação."
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Grecia-no-limite/6/33876
Críticos à esquerda, como quem divulgou o termo "lulismo", sinalizando o apoio dos mais excluídos ao PT e o afastamento da classe média, parecem esquecer a conjuntura desfavorável que partidos de esquerda têm em países com imensa desigualdade de patrimônio e renda, no qual o marketing político criou coronelismos urbanos e o Legislativo pouco representa os avanços da sociedade. O controle ideológico neoliberal no mundo. A "massa" pode pensar que resultados seu voto gerou? A classe média "à esquerda" pode estar sonhando com socialismo livresco na terra do especulador/latifundiário?
Ao mesmo tempo, falou-se do "fascismo do consumo" mais do que do fascismo real e diário da máquina parlamentar e a pressão do mercado financeiro e industriais-rentistas (os ajustes de Dilma são apenas traição, sendo que diariamente a inflação e os gastos eram jogados na cara do governo exigindo juros mais altos e "responsabilidade fiscal"). Assim, o valor de uso do intelectual, o pensamento crítico, exige que se ilumine o mundo político, ainda que as pressões e distorções da realidade sejam esfumaçadas:
"Isso deu uma chance à esquerda que não foi aproveitada: houve um momento em que setores que sempre votaram com os conservadores, e estiveram sempre sob sua sombra, estavam, digamos, acessíveis para uma visão mais à esquerda. O que não foi aproveitado, não houve a politização que poderia ter havido"...
http://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/andre-singer-ve-o-momento-mais-dificil-do-lulismo/
"A sociedade começa a questionar se um projeto de partido pode representar a sociedade inteira" - o que de Decca está falando? Os partidos devem ter sido expulsos das manifestações não por um fortalecimento da consciência, mas por uma revolta criada por monopólios e pouco entendimento da estrutura do sistema. "A multidão na rua dia 15 de março... é uma sociedade que defende direitos da democracia". "O populismo está em crise já que Lula está fora da política"... "Milhares de pessoas na rua não é golpismo". Que distância da real destruição da consciência pública promovida por monopólio de fala, educação espacializada ou sucateada e uso da máquina judiciária para criminalizar um partido de esquerda. Se o PT diz ser "herdeiro de Getúlio" é justamente por não se aliar a um projeto extrativista entreguista no qual as elites vendem nossos recursos e gerenciam as revoltas.
A força surge de grupos ligados ao fato e ao ato: terras, casas, escolas, etc. O Parlamento é um baixo-clero sem ideologia. O fundamentalismo cristão, nascido de uma falta de educação política, leva uma multidão em marcha do moral ao político e de volta ao moral.
Após o golpe parlamentar, a imposição de um projeto de ajuste antissocial e a ameaça aos direitos humanos revelou o peso dessa herança autoritária maldita da cocentração econômica, mas também da intelectualidade perdida em generalidades e falta de enraizamento real. Com o golpe, o projeto ultra-liberal em que o mercado cuida da Previdência, Saúde e Educação será implementado com 2/3 dos votos do Congresso. Colonização como projeto norte-americano de sociedade de castas com liberdade para corporações e capital.
Para lembrar Adorno, sem aplainar a realidade fraturada, o ensaio pode acabar sem respostas.
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