Uma noite sombria e tempestuosa. Ele chegou no castelo.
O contador viera para jantar. Depois, o conde serviu um conhaque. Falaram de negócios.
- Fico impressionado. As pessoas ainda acham que nada de anormal está acontecendo.
- Acham que a coisa melhorou.
- Fui comprar um presente numa loja. A vendedora disse, lá pelas tantas, que "roubaram tanto" que as lojas estão vazias.
- O sistema informativo está doente. É como um vírus. Fica-se pensando se é apenas má-fé ou se viver numa bolha contaminou a capacidade crítica dos jornalistas.
- Meus avós viveram isso. Os comerciantes tinham medo dos comunistas. Os industriais odiavam as greves. É uma característica fascista a negação de toda a realidade contraditória.
- E você viu ontem a entrevista do ex-ministro? Assemelha-se a um bando de lobos cercando uma ovelha.
- Existe uma contradição completa entre os fatos que descobrimos e o que está rolando nas conversas. Ou seja, implantaram alguma coisa nas mentes.
O conde abria uma caixa de joias finamente bordada na qual estava o brasão da família.
- Eu recebi o que tenho como herança, o senhor sabe. Mas, por sorte, nunca fui dominado pelo fogo da ambição. Minha família tem apreço à verdade, já que viveram o terror de uma verdade comum, mas absurda.
O fogo devorava a lenha e o jazz era uma melodia delicada.
- Minha esposa contou sobre a entrevista. Ela disse que respondeu bem.
- Sim, razoavelmente. Mas um homem público nunca pode falar toda a verdade. Uma das perguntas é: "O senhor acha eticamente correta a decisão do ex-presidente de aceitar reformas de construtoras?" O jogo, novamente, com a contradição sistêmica. O único governo que tomou medidas reais para corrigir a desigualdade brutal torna-se o pior e o mais corrupto.
- O papo que se escuta numa fila de banco ou num bar é: "A economia estava uma merda". É uma espécie de encantamento produzido por um demônio.
- Não acreditava nas colocações. Outra jornalista parece querer evitar a ida da presidenta ao Senado, dizendo que, se é golpe, o golpeado não deveria aparecer... Outro diz que não é golpe porque o Congresso continuará funcionando e haverá eleições.
- Já vivemos momentos em que Senado, Juízes e imprensa afirmavam não ser um golpe. E era.
- Uma repórter começa com a questão: "Levando em conta o caso de corrupção anterior, que parece ter iniciado a antipatia do ex-presidente pelo senhor..."
- Uma condenação sem provas, agora é normal. A pessoa é presa antes do julgamento. Mas como ele se saiu?
- Depois de uma defesa consistente, na qual afirmou que a crise foi a oportunidade da tomada do poder sem as urnas, o mediador não se aguenta e dispara: "e a imensa ladroagem nas estatais?" Será que o jornalista se deixou levar pela própria retórica e acredita que o vexame de um novo governo cheio de acusados é uma saída?
- Existe um sistema político podre. Estamos assistindo um jogo de cena. Não importa mais o fato. O fato demora muito para ser explicado e não cabe na manchete.
- Bem, eu tive um amigo que foi acusado injustamente. Não conhecia bem o sistema e não foi apresentar a defesa. Levou dois anos para provar sua inocência. Ele me disse: "Quando seu nome sai no jornal e todos falam, você pode sofrer violências reais. Quando sua inocência aparece, ninguém pode apagar as marcas da injustiça".
Afonso Lima
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