MundoLivre, aquela cidade com 100 milhões de habitantes, eu era um cara normal. Saindo correndo 3 horas da manhã para chegar no emprego, preocupado com o filho e as queixas da escola, um pouco bravo demais com ele e vendo minha mulher me criticar. Saía do trabalho quase no fim da tarde, bebia alguma coisa.
Comecei a ter um enjoo constante. Eu me sentia oprimido, mas não podia saber o que era. Era como se toda a pergunta que eu viesse a formular já tivesse uma resposta numa prateleira.
Um dia simplesmente parei. Não voltei pra casa. Fiquei sentado numa esquina, em frente a um banco que eu sabia ser dono de metade da cidade. Não respondia os recados. Eu vi um homem andando apressado. Usava um sobretudo.
Estranho, resolvi segui-lo. Desceu a rua da boemia, entrou numa lojinha sórdida.
Entrei atrás.
- Quem é você, ele me perguntou.
Não respondi. Ele me analisou e me fez sinal para descermos até um subsolo.
Abriu uma parede secreta.
Um salão com espelhos, um piano, pilhas de objetos de papel.
- São livros.
- Livros - perguntei. "Intelectuais são idiotas".
- Sei que a escola diz isso. Não se preocupe.
Ele começou a me mostrar alguns deles. Tinham figuras.
- Não sabe decifrar, não é?
Eu não sabia. Aprendera apenas Matemática. "Mais é melhor".
- Volte amanhã. Posso lhe ensinar.
Eu estava confuso. Mas me sentia intrigado e entusiasmado por algum motivo.
- Mundo livre é quando o imaginário é controlado por uma minoria - ele disse.
Eu voltei pra casa. Não pude dormir aquela noite. Livros podem ser a verdade, pensava. Existia a verdade em algum lugar. Apenas as pessoas não buscavam mais.
Nunca imaginei que seria conhecido como O Professor.
Afonso Lima
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