Eu era uma pessoa feliz quando tinha 12 anos. Eu assistia TV a tarde toda e, à noite, sentava com meu pai para o jornal e minha mãe para o programa de maquiagem, cozinha ou decoração. Quando via algum funcionário de meu pai ir submisso até a cadeira de choque para ser punido, pensava que era mais um malandro. Mas, um dia meu pai encontrou um velho amigo de colégio - o colégio privado para jovens herdeiros. Sim, o homem parecia dez anos mais velho que papai.
Meu pai contou a mamãe que esse amigo salvara sua vida com primeiros-socorros na escola. Os dois ficaram conversando até tarde da noite no quarto.
- Ele nasceu para liderar e se perdeu - mamão sussurrou.
- As coisas são o que são, quem é violento, sofre - meu pai disse com a voz embargada.
- Pessoas tão inteligentes e inúteis, pobre coitado - ela disse.
O homem foi morar conosco.
Ele era desconfiado e atormentado, silencioso, triste. Eu gostava de observá-lo. Nós ouvíamos música, eu jogava, via-o desenhando. Havia passado pelo tribunal. Começou a reclamar e foi acusado de distúrbio à ordem.
Um dia recebemos uma tia, que vivia no estrangeiro há muito tempo. Minha mãe parecia transtornada, a visita era imprevisível. Ela decidira limpar o chão da sala.
- Parece uma criada - mamãe resmungava.
Meu pai estava muito brabo. Os dois passavam horas no jardim, mudos.
Uma noite, em pleno jantar, nossa tia disse:
- Eu tiraria os meninos da escola. As pessoas estão sendo mortas por aí e ele só aprende sobre um mundo paralelo.
Meu pai ficou vermelho, mas se calou. Os dois se casaram no fim do mês.
- Pai, existe alguma coisa errada com o mundo - eu disse no dia do meu aniversário.
- Não, não pense nisso, ele me abraçou.
Afonso Lima
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