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quarta-feira, agosto 02, 2017

Olhe através de mim

O hall do hotel (?) está tendo as vidraças quebradas e corremos para um terraço. Lá estão barracas coloridas e as pessoas ouvem música. Um desconhecido me diz alguma coisa, que não entendo.
Acordo agitado.
Quero ir ao banheiro. Percebo que o chão está frio. O que houve com meus pés? Estão invisíveis. Eu os sinto, mas não os vejo. Mesmo assim, vou.
Parque - chão cheio de lixo e folhas. A administradora não trabalha sexta, nem sábado, é a folga dela. A administração só tem um cão na porta.
Pergunto o que aconteceu. "Não tem mais manutenção, nem limpeza. Só uma tiazinha que limpa os banheiros". Uma moça chega para reclamar que "tem mendigo bloqueando a passagem". Eram 9 seguranças, agora vejo três.
Comento com ela que provavelmente o parque está sendo abandonado para ser vendido. "Camisa vermelha, sei, comunista".
Eu compro um livro na frente do metrô. Percebo que meus dedos estão ficando invisíveis.
"Sim, voltamos, demorou um pouco pra prefeitura autorizar" - diz o vendedor.
"Espero que sobre alguma coisa".
"Nós sustentamos o país inteiro".
Eu não vejo mais minha mão, tento ocultar com a manga do suéter.
Uma moça diz para a amiga, bebendo cerveja na calçada: "Eu sou solteira, posso me vestir como eu quiser".
Um homem jovem caído no chão, bem no meio, separando o fluxo do fim da tarde em dois.
Numa TV, a votação dos deputados.
Lembro o que o desconhecido falou. "Não somos uma comunidade, somos indivíduos em luta uns com os outros".
Fico pensando, se eu desaparecer, verão apenas minhas roupas?
A votação acabou.
"E esses palhaços na rua?" - diz uma mulher.
"Agora é entre mercado e políticos" - diz um homem.
Eu penso: "O que eu tenho a oferecer? Qual a minha utilidade?"
Eu digo novamente pra funcionária o que preciso. Eu percebo que precisava ter vestido uma camisa melhor.
"O senhor não tem braços"?
"Como"?
Eu não tinha reparado que meus braços também estavam invisíveis.
Sentei num banco um pouco apavorado.

Afonso Junior Ferreira de Lima


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