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quinta-feira, setembro 20, 2018

Adeus aos argumentos?

"A inteligência é uma categoria moral".

Theodor W. Adorno.

Senhoras e senhores, boa noite.
É uma grande honra introduzir o senhor X.

*

Boa noite,
agradeço sua atenção. Por alguma razão quero falar o que não sei.

Vou direto ao ponto.

Esqueça tudo que você sabia sobre democracia, civilidade e direitos humanos.

O Brasil real não chegou nisso.

Você vai dizer que, sim, existem bolhas de progresso nas capitais. Sim, muitos jovens entraram na universidade. Mas...

Nosso povo não fez a reflexão histórica necessária.

Nosso povo não estudou para formar uma visão de mundo complexa. 

Nosso povo não tem informações suficientes.

Uma youtuber negra fala de ser "contra extremos" e "contra polarização". É contra Bolsonaro, mas acha que Lula é "ladrão e analfabeto". É como se a publicidade/jornalismo tivesse criado a vergonha do pobre que sofre, além de ocultar quem melhorou as estruturas.

Uma amiga universitária posta foto "provando" que nazismo é de esquerda.

O marketing criminalizador criou um exército de pessoas que acham a esquerda o pior mal do país. Pessoas "boas" e que se sentem defendendo a moral contra "corruptos". Não existem estruturas injustas, mas apenas roubo de políticos. 

Agora se pensa no contraditório como inimigo. O candidato considerado um "perigo" até pelo "The Economist" posta no Twitter:

"Tentaram nos tirar da disputa na covardia [a loucura não tem motivo no ódio propagado], mas o esforço de cada um, mesmo no momento mais crítico, só nos ergue ainda mais [2 milhões de mulheres formaram grupo contra no Facebook]. Estamos mostrando que é possível vencer sem vender a alma, sem mentiras [sou bom, o PT é mau; só estou defendendo a tortura], e isso ninguém vai apagar! Vamos em frente! Chega de facções comandando o Brasil! [papai metralha vai acabar com isso]

Recentemente fui no interior do estado. O PT é odiado. A força da doutrinação dos monopólios de informação é fantástica. Toda a sutileza de analisar o contexto, a necessidade de contrapor erros prováveis com desastres previstos, tudo desaba frente a um só argumento fanático: "houve corrupção". Depois de achado o culpado, nada mais interessa. Inclusive pensar que isso vai justificar um governo pior. 

Uma parte do eleitorado ainda se deixa iludir por senso comum que oculta os cortes de investimento e abandono com um discurso técnico de "centrismo" como "ele é administrador". Foi isso que o fechamento de aliança Tribunal-Mídia-Legislativo conseguiu no estado. 

Muitas pessoas de meia idade, educadas, se ressentiram do último governo muito além do que seus erros poderiam deixar supor. Minha análise é que nossos valores são conservadores, não gostamos de mudanças. As reformas propostas pelo governo anterior não foram bem assimiladas e compreendidas. Os erros são potencializados num clima de perseguição a inimigos públicos. 

A classe média não gosta de "negatividade". Para pensar que pode vencer sozinho, você precisa de otimismo, de certeza, nada de recuo. Muitos artistas me dizem que política é muito "pesado". Por que focar nos "problemas"? Até que os cortes acabam com a cultura.

Existe, claro, um empresariado que também não gosta nada dessa coisa de diálogo. Ou que embarca no senso comum que criminaliza todos os movimentos. Além da indústria de armas.

É evidente o dinheiro e o profissionalismo dos publicitários colocados na campanha.

"Guedes é um dos criadores do Instituto Millenium, o mais influente laboratório do pensamento conservador no Brasil. Pela primeira vez incursiona diretamente pela política. De um salto, assumiu o papel de orientador do desorientado parlamentar... Consta que, instigado a falar sobre como resolveria a violência no Rio de Janeiro, explicou: inicialmente, jogaria milhares de prospectos sobre a visada comunidade da Rocinha, exigindo a saída dos traficantes da comunidade. A plateia, curiosa, quis saber o que faria se estes não saíssem? Metralharia a favela para resolver o conflito entre traficantes rivais. A plateia aplaudiu freneticamente, não se sabe se sentada ou de pé."

https://www.cartacapital.com.br/revista/991/o-banqueiro-do-metralha

Alguém me diz assim:

... "O Brasil precisa urgentemente de uma mudança radical. Esta democracia que nós tanto lutamos pra ter virou um vandalismo geral. Eu fui da época do militarismo e entrei na briga pela democracia.
Hoje me arrependo amargamente deste feito. No meu ponto de vista acho que o B. pode fazer um bom governo.  Claro que não irá agradar os corruptos de carteirinha."

Não se sabe o que foi feito contra corrupção. A irracionalidade começa quando um candidato derrotado em 2014 questiona as urnas, passa pela herança de um debate público simplificado que se resume a jornal na TV e grupos de WhatsApp e chega a um candidato que ameaça "fuzilar" artistas e é aceito como um salvador moral. Sendo que nossas instituições educam para se ganhar dinheiro, mas nunca para respeitar o outro. 

A grande fortuna percebeu que nosso povo não tem defesas contra o marketing político. Depois de criada a doutrinação antiprogressista, a irracionalidade comanda. A despolitização vem de muito tempo, foi plantada pela ditadura, nasce da carência de livros e de educação básica. O monopólio da voz fez surgir um alvo único, o que já elegeu uma Câmara capaz de atacar o povo de forma brutal. 

"A esquerda está se borrando de medo que o B. ganhando vai acabar com a mamata de que estão acostumados. O militarismo, eu vivi intensamente esta fase, as pessoas de bem que amam o Brasil sentem saudades."

Medo (desejo de segurança) e desejo (ser rico). A nova manipulação conhece os desejos. 

"El fenómeno Bolsonaro, explica Mauro Paulino, director de Datafolha, “se alimenta del miedo que se ha apoderado de la sociedad brasileña”. Un 60% de la población confiesa que vive en un territorio controlado por alguna facción criminal. Cada año son asesinados 60.000 brasileños". 
https://elpais.com/internacional/2017/11/18/actualidad/1510970426_151092.html

A nova informação da manipulação de massa cresce livre num terreno abandonado:

“Nunca tinha visto na Alemanha essa discussão sobre o nazismo ser de esquerda”, disse à Deutsche Welle o cientista político Kai Michael Kenke. “Lá é muito simples: trata-se de extrema direita e pronto. Essa discussão sobre ser de esquerda ou direita parece existir só no Brasil. Se você perguntar para um neonazista na Alemanha se ele é de esquerda, vai levar uma porrada.”

https://theintercept.com/2018/09/19/bolsonaristas-negam-holocausto-desprezam-mulheres-marielle/

Os poderosos souberam criar ambientes de ódio nas novas redes:

"Ou vencíamos pelo volume, já que a nossa quantidade de posts era muito maior do que o público em geral conseguia contra-argumentar, ou conseguíamos estimular pessoas reais, militâncias, a comprarem nossa briga. Criávamos uma noção de maioria", diz um dos ex-funcionários entrevistados.

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-42172146


Diz o jornalista Bruno Boghossian: 

"O antipetismo levou Bolsonaro a romper seu teto de votos na campanha. Ele chegou a 40% entre eleitores de alta renda, 38% no grupo com curso superior, 37% no Sul e 30% no Sudeste (Datafolha)".

O controle funcionou segundo a lei de Thatcher ("só há indivíduos") - o pobre dominado se vê como um animal solitário que pode vencer sozinho. A publicidade criou um mundo perfeito ao alcance no qual nada de conflito real pode existir - "mimimi", são "gente que causa problema"...

Com uma professora, circulo por uma exposição sobre a ditadura. Lugares de tortura, relatos de sobreviventes.
"Não foi tudo isso", ela me diz.

Sem um pensamento complexo, o tempo da "lei e da ordem" fica como também um tempo de crescimento econômico. "Nunca houve corrupção na ditadura". O militar é o sujeito honesto, modelo de cidadão.

"Para que o plano de crescimento funcionasse, os militares resolveram conter os salários, mudando a fórmula que previa o reajuste da remuneração pela inflação... 'Foi um crescimento às custas dos trabalhadores”...

https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/29/economia/1506721812_344807.html 

O Brasil tem muitos pesquisadores, artistas, grupos de mulheres e jovens informados e ativos politicamente. Mas o cidadão médio - essa vítima da falta de investimento neoliberal que elege agora a extrema-direita - continua sem compreender nada. 

Nunca recebemos o debate sobre a desigualdade. Nunca repensamos as formas de eleger, educar, comunicar. Nunca pensamos sobre a lei da Anistia, nossa mentalidade é quase a mesma de 1985. 

Uma amiga comenta: 

"Não adianta viver numa bolha e achar que as coisas estão sob controle do PT. Não estão.
Ontem, no salão, ouvi as mulheres dizendo que vão votar no demo, inclusive a moça que corta meu cabelo. Não tem como argumentar com estas pessoas, pois elas só falam na segurança que ele vai dar e que o país precisa de ordem. Falaram também com ódio do PT. Na padaria e no restaurante que frequento vários funcionários também vão votar nele. Qualquer táxi que pego o motorista também fala q vai votar no demo."

O Rio de Janeiro perdeu investimentos (segundo a Federação Única dos Petroleiros, a Petrobrás deixou de investir R$ 49 bilhões - Brasil 247 - 08/12/2017), empregos (se fala em dois milhões de postos de trabalho que foram fechados como consequência da operação Lava Jato) e a militarização aumentou a insegurança. Mas a deputada federal pelo PT e candidata à reeleição Benedita da Silva foi agredida.

"No sábado, dia 15/9, enquanto tomava café com assessores num bar em Niterói, fazendo uma pequena pausa na campanha eleitoral, fomos agredidas por um casal que se dizia eleitores de Bolsonaro. Eles acusavam o PT da 'facada' em seu candidato, nos xingavam, cuspiam na nossa frente e gritavam tentando nos expulsar do local."

https://www.revistaforum.com.br/benedita-da-silva-e-assessores-sao-agredidos-por-eleitores-de-bolsonaro/

Os governos progressistas erraram ao não entender as ferramentas do marketing, ao não ouvir o novo pobre novo-rico, em não criar uma discussão forte para preparar as mudanças. Mas o poder do dinheiro é enorme. A comunicação nas mãos dos políticos e bilionários destruiu a democracia.

A consciência coletiva talvez precise crescer com essas tragédias. Acredito que ainda podemos ver uma reação, porém se revelou que sem opinião pública capaz de debate sério, a democracia é uma farsa. Coronelismo eletrônico e circo da urna.

Talvez seja a fase em que, sem medo de comunistas ou socialistas, a fortuna acumulada usa o medo da crise de 2008 para achar inimigos políticos e criar governos elitistas.

A resistência existe, mas agora é resistência contra o fascismo: 

- Ao justificar a violência como método, hostilizar mulheres, negros, oposicionistas políticos e quem não concorda com “sua” noção de normalidade sexual, Bolsonaro se coloca no mesmo patamar de doutrinas que tanto sofrimento causaram ao povo judeu e a todo o mundo, se desnudando como o fascista que realmente é.

https://catracalivre.com.br/cidadania/judeus-criam-movimento-contra-jair-bolsonaro/

Afonso Lima 

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