Ela estava cheia de trabalho. A neve caíra e, agora, ia derretendo ao sol cinzento.
A casa de seus pais era grande demais para ela.
Precisava de silêncio e de reclusão. Ela praticamente não subia mais aos quartos.
A gata era a verdadeira dona, circulando com empáfia pela sala.
Sentia preguiça de buscar diversão. Ouvia ópera e bebia café.
Cruzou pelo corredor ao lado da biblioteca. Observou como que uma rachadura na parede.
Odiava ser perturbada. O céu escuro prometia uma tempestade. Não fez questão de preocupar-se.
Na manhã seguinte, pensou ver uma luz avermelhada E azulada sair da rachadura.
Aproximou-se. Na verdade, era como se houvesse uma fenda.
Como podia ser aquilo? Cor emitida pela parede?
Caminhou em círculos e pensou em ligar para a polícia. As janelas tremeram. Ventava forte.
No outro dia, viu que a gata estava abrindo a fenda com as mãos. E entrou.
Ninguém está preparado de verdade para isso: não havia uma sala atrás, mas um espaço aparentemente infinito.
Ela decidiu esperar.
Deitou no quarto grande de cima. As fotografias horripilantes.
Não conseguia dormir. Aquela borda brilhante, vermelha e azul.
Estava vivendo um pesadelo. Como iria descrever isso? Quem se interessaria?
Pegou a lanterna e observou o buraco que parecia maior. A luz era sugada pelo brilho amarelado como se apontasse para o espaço.
Tentava imaginar uma explicação.
Devia ligar para alguém. Trovões. O vento arrancou galhos pela rua.
A gata não voltava. O que podia ser isso? Era um portal, um fenômeno físico desconhecido, uma alucinação?
E se ela nunca mais voltasse? E se fosse engolida?
Arrastou um móvel pesado. As raízes das árvores centenárias eram reveladas.
Ouvia ópera e bebia café.
Afonso Lima
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