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sexta-feira, maio 13, 2022

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura - crítica

Depois de ficar algum tempo sem ver filmes da Marvel, mais ou menos desde que X-Men virou uma máquina de explosões, confesso que me surpreendi por conseguir gostar do filme, e por ele não ser um universo fechado acessível apenas aos "iniciados". Mas tem coisas muito irritantes nesse Dr. Estranho.

Uma das piores é a constante abertura de novos "universos" - abas e subtramas que podem criar um "carnaval da totalidade". Tendo no primeiro Homem-Aranha um exemplo do oposto, de muita sensibilidade. 

Para derrotar Wanda, Stephen Strange precisa do Livro de Vashanti - e depois isso não parece ter importância. Mas por que ele foi procurar a vilã, em primeiro lugar? (São essas coisas que devem ter um explicação - em algum lugar! - mas que não conseguimos entender na hora). Wanda quer o poder de America Chavez (muito bem apresentada aqui) para ir para um universo em que esteja em paz com seus filhos imaginados - mas o trabalho mental de criar essa narrativa é constantemente atrapalhado por algo perdido da cronologia Marvel de 20 anos e pelo festival de cenas desconjuntadas. E ninguém vai ver filme de super-herói querendo Ingmar Bergman, mas barriga tem limite. 

Um dos prazeres dos fãs quando vão ver a transcriação de uma mídia para outra é o simples deleite de "estar com quem se ama". Para esse fã, pouco importa a narrativa, a emoção de ver em 3D um livro praticamente basta. 

Mesmo assim, Marvel criou um número considerável de fãs dos seus filmes, desde 2002 - e uma onda de propagação que passa a qualificar esse legado, sendo praticamente impossível querer contrapor-se a uma "cultura sedimentada". 

Por isso observei bem os jovens atrás de mim. Empolgados no começo, ameaçando atrapalhar o filme, saíram meio confusos e falando baixo, parecendo nem entender muitas coisas. 

A única explicação para os criadores de conteúdo nerd estarem tão empolgados é que os outros filmes devem ser muito mais desconexos. A única opinião que vi mais crítica foi justamente de alguém que não trabalha com cultura pop. E acho isso um mal sinal. 

Começamos com uma explosão de CGI - ok, que estamos num "outro universo", e os quadrinhos eram psicodélicos, mas a artificialidade do mundo remete muito mais a uma "vontade de brilho" do que a uma necessidade narrativa. Uma paisagem de isopor de Star Treck acaba sendo mais plausível pelo simples fato de não ter glitter. 

Um dos problemas centrais do filme é que deve cumprir muitas funções: deve ter uma luta de monstros porque supostamente os jovens morreriam sem ela (tomara que não tenha matado aquele monstro incrível dos quadrinhos!); deve trazer esse e aquele personagem tão esperado; deve trazer referências a outros filmes e ter piscadelas para os caçadores de easter eggs; deve ter humor porque é disso que se trata a Marvel; deve seguir uma cronologia, encaixando com algo que passou e sendo transição para outra coisa, etc, etc. 

É um milagre que qualquer roteirista consiga um mínimo de coerência nesse contexto. E é um grande mérito de Michael Waldron e Jade Bartlett terem conseguido. Mesmo assim, parece que estamos nos afastando do que conhecíamos como cinema: a condução emocional de relações, porque a relação emocional está no outro filme. Os milhões de fãs escalaram pelo menos um ator: e parece que lidar com tanta ansiedade compromete a tarefa simples de contar um evento.

Um dos erros centrais é que - ainda que se explique razoavelmente o drama da anti-heroína Wanda - não se poderia repetir o que foi dito em WandaVision. O resultado é que 70% do sentimento está no passado. Mas quem se importa por condução emocional, aí vem mais um universo colorido! É um tipo de cinema novo, cinema-evento?

Temos, por exemplo, a elogiadíssima cena da guerra de notas musicais. Ideia linda, Harry Potter no Fantasma da Ópera. Mas que isso significa em termos de enredo? É apenas uma "aparição bonita"? 

A luta em Kamar-Taj - a "terra oculta do Himalaia" - também parece fazer apenas figuração aqui: ninguém sabia que Wanda manipula a realidade? Que espécie de magia é essa, para que serve?

O resultado é que (simplificando um pouco) estamos aqui para ver coisas, e não para sentir. O coração da história nunca aparece de verdade. Ah, mas é tão legal quando aparece um Illuminati, ou um zumbi! O filme é um grande fanservice. Impossível não, aqui, mas toda obra precisa antes de tudo responder a sua própria coerência, suas questões. Eu preferiria uma hora com força emocional do que duas horas para unir todos os universos Marvel. 

É claro que esse tipo de história tem outra coerência (não o drama de conflito clássico), mas mesmo a coerência da ameaça e da luta necessitam ser mais que cinco minutos de reencontro com personagens. E ao que isso leva é a uma "barra de energia" em que os poderes sobem e descem de acordo com o personagem do checklist (dois homens você mata em um segundo e duas mulheres em um minuto).  (Um comentarista chega a dizer que não entendeu o que eram as "incursões" porque estava prestando atenção nas aparições de astros que haviam ou não sido noticiadas). 

A direção, entretanto, é muito competente em reunir esses retalhos em algo interessante - Sam Raimi se diverte e diverte os fãs; de modo estranho, entretanto, parece que roteiristas e diretor são possuídos por forças que não controlam. O que unifica o filme é sem dúvida a crença que Benedict Cumberbatch tem no seu personagem e a força emocional de Elizabeth Olsen. 

Só duas vezes na minha vida lembro de sair de um cinema no meio de um filme - e uma delas foi com Animais Fantásticos. O dom para criar milhares de personagens funciona para romances, mas não na tela. 

Aqui não foi o caso. Consegui reunir o que a indústria separou e saí feliz em ver que ainda existem poderes criativos na Marvel. Apenas não pude apagar a ideia de que penetrei num universo fechado.

Afonso Jr. 







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