A linguagem é a substituição do mundo. O formalismo modernista, pai do estruturalismo e avô do derridadismo, era talvez uma fuga do mundo complicado demais, depois que Napoleão subiu ao poder e estourou a Segunda Guerra. Os autores da guerra pareciam cercados por cinzas e ruínas. “Não vejo qualquer traço de qualquer lógica em parte alguma” – diz Beckett.
O medo aos “sistemas” iluministas e nazi-stalinistas que propunham um cientificismo único, lógico, abria para a liberdade absoluta, o que deixou a nós, artistas, sem modos de entender o mundo político e econômico. Hoje, entre o “naturalismo” do mercado que prega bom-mocismo (no fantástico mundo TV, a vida como “posição credora” ou “posição devedora”), força de vontade individual e o totalitarismo dos modelos de ser que nos penetram, e a violência que ocupa o espaço de um Estado abandonado pelos ricos para montar a fábrica na Indonésia, lutamos para ver alguma lógica em algum lugar.
O que isso tem a ver com “No Vão da Escada”, do Grupo Teatral Falos & Stercus?
Acho que estamos, de algum modo, passando (se pudéssemos supor um certo movimento insinuado nessas contradições que somos nós) da idade modernista e pós-modernista para uma fase de realismo complexo (vide texto de Fernão Pessoa Ramos, hoje, na Folha, sobre documentários e narrativas na primeira pessoa) uma fase em que as conquistas são mantidas e se supera os excessos. (Recentemente vimos filmes sobre Berlusconi, a rainha e Lady Di, aquecimento global e a Guerra de Bush.)
Sempre gostei do trabalho do Falus (se é que me entendem), mas, assim como ocorreu com “Cassandra em Progress”, da bi-décade Terreira, acho que aqui texto, direção e atuação simplificam e ganham. Luciana Paz mostra que uma grande atriz está presente sempre. Quando falo grande quero dizer grande, pois ela humanizava as frases mais "contadas" do personagem e mantinha o olhar para cada pessoa do público. Também o trabalho com o corpo que marcou a trajetória do grupo é retomado em um movimento difícil e coeso.Marcelo Restori criou um texto beckettiano, falando do fim do mundo, um mundo sem portas, nada novo para esse grupo que luta por teatro inovador enquanto invade uma ala abandonada de um Hospital Psiquiátrico e lá se apresenta.
A geração que foi à rua no início dos anos 90 era marginal porque- diferente do que dizem os falsos liberais que tiveram o “pai” lhes dando proteção antes de “fazerem por si mesmos”- não dá para primeiro crescer e estudar para depois viver: a arte era (é?) lixo no mundo privatizado. O grupo jogou na cara do mundo (reconstruída) essa violência que é ter só FunProArte para financiar, o peso da cidade (o frio que vem do tempo em que se degolava inimigos) e nossa ultra-intelectualização, que muitas vezes vai de Derrida a Tchecov, mas tem medo do novo. (Marília Pera uma vez disse: "Sei como é o público de Porto Alegre: em um primeiro momento mais quieto, não reage tanto quanto o de outros lugares, mas no final é muito caloroso"- Zero Hora, 2ºC, 20/05/06)
Voltando à dramaturgia, achei um texto mais concreto e sensível do que, por exemplo “In Surto”, mais fragmentado e desesperançoso, e mais maior. Aqui algumas narrativas se juntam ao metafísico, suavizando a linguagem. (Gosto da comunicação "essaéminhavida", provavelmente ainda quero mais “o que eu fiz e por que”).
Nietzsche, Foucault, AIDS e Collor faziam parte de uma escuridão absoluta nos anos 90. Nada saiu de cena, mas soubemos fazer nosso espaço, afinal existe o Carnaval, João Gilberto e a Cidade Baixa (dizem que o gaúcho é bairrista, para quem é off-POA, significa Quartier Latin+Copacabana sem água). Esse grupo marcou a história de Porto Alegre por ir ao extremo, por ser puro fogo.
Agora sinto que é o momento em que as conquistas são valorizadas como poesia: sabemos nossos limites, mas sabemos o que somos e podemos. Começam a aparecer esperanças, dentro de um novo realismo.
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