Na casa de chá
Uma tarde muito quente, sentamos
em uma casa de chá e ficamos observando as flores e ouvindo os passarinhos da
praça em frente. Nós estávamos trabalhando na abertura da Avenida Farrapos na
capital, e eu vinha mostrar a serra ao meu colega. O movimento surpreendia para uma segunda-feira: os moradores da cidade vinham em busca do pão caseiro,
das cucas e pastéis para um chá da tarde, e os forasteiros, mais em busca dos doces
artesanais. A dona, uma senhora gorda,
loira e de grandes olhos azuis, apareceu para recolher louças, e meu amigo começou
a perguntar algo; logo começamos uma boa conversa:
- Essa casa começou com meu pai.
Eles passaram muito trabalho como colonos e ele queria uma função mais adequada
para minha mãe - expliquei que os primeiros alemães haviam chegado há cem anos.
Eles se orgulhavam da biblioteca pública, da faculdade e de não haver
analfabetos na cidade. Tinham até um banco dos moradores. Ela continuou - Tanta
gente interessante já veio aqui. Tem gente importante que sempre volta,
clientes que param na cidade para tomar um café e comer uma torta.
Comentamos da cidade, de como era florida, calma e agradável. (Eu percebia que ela olhava para os lados, mas ficou
tranquila quando viu que os funcionários davam conta dos clientes). Falamos sobre
o crescimento inevitável, do nosso trabalho, que, planejado desde
1914, só saía agora, sobre Jango e os novos espigões da capital.
- Que horror, fujo de cidade
grande! Se eu pudesse ia para o fundão onde morava minha mãe! E essa coisa de
construção... Lembro de um senhor que veio aqui há alguns anos... Ele
trabalhava na modernização do presídio – iam criar um controle dos presos que
entravam e saíam. Isso porque eles viviam transferindo presos de um lado pro
outro, e onde saíam dez, chegavam oito... e quem diz? Não se conseguia fazer! Peixe
grande ia perder... Depois ele trabalhou nas estradas. Iam fazer o mesmo para
controlar os contrabandos nos postos... “O senhor veja, veja que todo
funcionário aqui tem carro. O senhor acha que isso vem do salário deles? Não,
temos de demorar uns anos pro pessoal se adaptar, senão não sai projeto nenhum”
– disse o responsável. Segundo ele, levou 10 anos. Ele contou que estava em uma
reunião com quatro vereadores e um deles por nada queria aceitar o projeto.
Outro disse: “Liga logo pro teu capo e pergunta o que ele quer. Vai que o cara
te apaga”. Falou assim, na frente de todo mundo! Acabaram diluindo o tal “controle”. Dizem que
os comunistas querem tomar o Brasil, mas eu te digo, quando o Jango fala de
reformar o sistema penitenciário... O Jango é estancieiro! O senhor sabia que “eles”,
“eles” querem vender o banco do estado? Dar, eles querem dar de graça!
Ela pediu licença e saiu com um
sorriso. Comemos nossas tortas de morango um pouco melancólicos e pensando que
são surpreendentes os homens.
O trabalho Na casa de chá de Afonso Jr. Lima foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença em http://afonsojunior.blogspot.com.br.
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