Uma cidade
Adeus, prefeito. O melhor dos
últimos 40 anos. Muitos cravos e margaridas nos canteiros. A praça, conhecida
por ser escura e deserta, foi reformada, com calçadas ampliadas, e a população
passou a circular e a sentar nos bancos ao fim da tarde. Foi o que mais fez
casas populares. Trocou a lama e os buracos por asfalto, asfaltou mais que a
capital. Reformou prédios históricos. Mas o jornal da cidade não gostava dele.
- A saúde é o fundamental – dizia
o editorial quase todo dia – e o hospital tem filas imensas!
Só que todos os filhos de Dona
Sônia haviam nascido naquele hospital, muito bem atendidos.
- Eu sou bem de vida, podia
pagar. Injustiça não, comigo não – ela dizia aos quatro ventos.
A população, indignada,
agitava-se nos bares e esquinas. Até Seu Otávio, comerciante antigo, em frente
à praça, dizia, vendo as flores recém-plantadas:
- Mas olhem os outros candidatos!
Um fazendeiro grosso, que governou a cidade por anos sem mudar nada! Uma madame
desvairada que só pensa em compras e intriga! Um advogado que olha todo mundo
de cima só porque seus avós são europeus!
Seu Manuel, plantador de maçã, de
82 anos, completava:
- Comunista, mas trabalhador...
Os jovens vibravam com um centro cultural embaixo da Igreja: cinema de graça, biblioteca, música clássica aos sábados e a história da cidade nas paredes. Elisa, advogada recém-formada, que passara 12 anos fora e abrira um escritório recentemente, colocou as mãos na cabeça:
- Vamos voltar a ser o fim do mundo!
Os jovens vibravam com um centro cultural embaixo da Igreja: cinema de graça, biblioteca, música clássica aos sábados e a história da cidade nas paredes. Elisa, advogada recém-formada, que passara 12 anos fora e abrira um escritório recentemente, colocou as mãos na cabeça:
- Vamos voltar a ser o fim do mundo!
O prefeito havia comparecido a
uma inauguração no período eleitoral dez anos antes. Alguns panfletos antigos
com as obras realizadas foram distribuídos nas casas durante a última eleição.
O caso acendia debates: teriam escondido os panfletos para derrubá-lo? Seria
inteligente fazer isso por alguns votos? Ele realmente era corrupto?
Dona Berta, empregada doméstica,
disse à sua patroa:
- É, se errou tem que pagar; não
votei nele, nem gosto desses meninotes que querem já ser prefeitos; mas dou
graças à Deus da minha rua não ser mais de terra, senão... Está certo, está
certo, mas no meu coração... Eu estou tão triste. A gente já viu tanta obra
errada, tanto ladrão grande... Ai, o povo! O povo, sempre sofrendo! E, além
disso, graças ao hospital, agora vou voltar a ter meus dentes.
A cidade ia silenciando enquanto
o sol se punha.
O trabalho Uma cidade de Afonso Jr. Lima foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença em http://afonsojunior.blogspot.com.br/.
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