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sexta-feira, julho 26, 2013

One

Esses registros foram encontrados muito tempo depois do ocorrido. M.T. era astronauta na estação Centuria 17P33. Uma tempestade elétrica o deixou sem comunicação com a Terra por mais de um dia. Quando retornaram seus equipamentos, não havia resposta alguma. Depois de uma semana, decidiu aterrizar. Ele conta que não encontrou ninguém na plataforma espacial que comandava a estação. A central e os escritórios também pareciam estar vazios. Tentou ligar para os amigos, os parentes, sem sucesso. A TV também havia parado de transmitir. Ele iniciou uma busca de carro por outros seres humanos. Ninguém nas ruas e nas estradas. Sua casa parecia deserta. 



Relata que o primeiro mês foi de sofrimento, mas que a esperança ainda existia. Vastas paisagens, silêncio quase absoluto, apenas os pássaros e o vento. Percorreu o país comendo o que encontrava em mercados de estrada e abastecendo-se livremente nos postos que encontrava. Uma sensação de paz se misturava à angústia. Nenhum sinal de pane, catástrofe ou doença. Atravessou metade do estado não encontrando ninguém. Finalmente, voltou para uma casa que tinha no campo e lá ficou. 

Decidiu plantar para distrair-se. Leu muitos livros. Começou a criar companheiros imaginários: a cadeira Senhora Tulls, o bule de café Sr. Piccard, a poltrona Lady Maus. Os animais lhe faziam companhia: cavalos, porcos, pássaros. Muito trabalho. 


Mas um dia acordou e viu um homem que se apresentou como Samuel. Era um perfeito cavalheiro, em suas roupas muito antigas. Eles tomavam chá e falavam sobre a evolução da raça humana. "Sabe, amigo, como a natureza sempre seleciona os melhores, vamos progredir indiscriminadamente". Achava estranho ele não dizer: "infinitamente". Samuel era um bom amigo, mas, um dia, ao caminhar sozinho próximo do rio, teve a impressão de ouvi-lo gritar. Voltou correndo à sua casa e nunca mais o viu. 



Por outro lado, buscando ao redor da propriedade, encontrou uma espécie de caverna. Sua entrada era pequena e coberta de vegetação, mas resolveu entrar depois de sentir o vento sair pela abertura. Nunca havia sabido de sua existência. Dentro dela descobriu paredes pintadas e polidas. Eram como letras, mas não pareciam formar uma língua, nem tampouco uma história por imagens. Continuou buscando em seu interior. Qual sua surpresa quando, dois dias depois, ouviu a fraca voz de uma menina, de aparentemente 14 anos, que parecia agonizando mais ao fundo da caverna. 


Levou-a para sua casa. A menina estava muito fraca e dormiu durante 24h. 
- Os Altos, ela disse. Os Altos. 
Mas ela não podia falar mais. Três dias depois, ele a surpreendeu folhando um livro, na biblioteca. 
- Conhece? Sabe ler?
- Lótus. São lótus - sua voz era fraca. 
- O que é lótus, ele perguntou.
Ela caminhou até a janela e pareceu fraca:
- Os de sua raça pensam que nós não pensamos. 
- Minha "raça"?
Ela olhou tristemente para o livro. 
- Nosso povo usava objetos como esse para preservar suas histórias. Hoje, sabemos que eles conseguiam juntar Votons para expressar o pensamento. Mas só temos, agora, Votons das coisas simples. 
- O que aconteceu com seu povo? 
- Os Altos começaram uma grande perseguição. Acham que temos poucos recursos na Terra. Acham que queremos tirar o que é deles. 


Finalmente, ele conseguiu tirar dela que, na caverna, havia uma espécie de lótus-pergaminho, muito danificado, em uma caixa de metal, que eles não podiam ler, onde sua antepassada contava fragmentos de histórias, borrados pela degradação do material. Ele as interpretou como pode: máscaras de oxigênio, contaminação química. "Grande Divisão". Grupos fascistas mataram todos os líderes de trabalhadores. Guerra, Corporação Branca e Vermelha. Os "Altos" passaram a venerar a Pedra. 


Os Baixos deveriam pagar por sua formação, perdendo acesso aos lótus e, por fim, qualquer forma de linguagem complexa; nova língua Klyn, global, seitas fanáticas e rivalidades locais, robôs e, depois, seres holográficos, "campos de força seletivos" nas cidades, "polícia molecular", teste de "DPCI", coeficiente de evolução. 



Para os Altos, andar em pares ou grupos era considerado deselegante. Robotização orgânica. A maioria dormia muito pouco por causa dos pesadelos. A fome e uma peste levou os Baixos à rebelião. Muitos foram queimados. Depois disso, foram instituídas as "Camas Públicas", onde Baixos eram torturados nas praças para amedrontar seus semelhantes. Até que veio a Grande Perseguição. 



Apesar de muitos cuidados, a menina morreu alguns dias depois. Ele ficou deprimido por muitos dias. O retorno ao mundo vazio o aniquilou. Decidiu partir e retornar à estação. Queria morrer no espaço. Sua  última mensagem foi escrita na capa de um livro: "One". 

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