Por
algum motivo o mórmon ao meu lado no ônibus não estava acompanhado
de um amigo brasileiro e, na escuridão, parecia pender sua cabeça
para meu lado um pouco mais do que o recomendado por Joseph Smith. Ao
fechar os olhos, a imagem que saltou em minha mente foi a de uma
cobra de duas cabeças que eu vira no Museu Zoobiológico ou algo
assim há anos na praia.
Minha
memória involuntária voltou ao tempo em que o Tonho, meu irmão
pré-adolescente, decidiu converter dois mórmons ao ateísmo na sala
de visitas, atrapalhando a novela Terra Nostra da nossa segunda avó,
a Dada, que mantinha a elegância com um prato de biscoitos e chá
mate, e minha irmã montando castelos de areia no chão. Isso durou
uns três meses, e ficou provado que, caso meu irmão tivesse nascido
na Grécia clássica, nunca ninguém teria ouvido falar de
Demóstenes.
Muitos
anos depois, na época da faculdade, eu ia a feiras de literatura ler
poesia para o público de estudantes e professores. Muitos gostavam,
acenavam de dentro das barracas de livros, alguns até paravam de
tentar comprar Harry Potter e trocar seus vales-livro, mas um mórmon
olhava fixamente sem quase se mexer. Quando acabou ele chegou perto,
tentei falar em inglês, descobri que não podem, descobri que vivia
sem rumo nos Estados Unidos, tudo era sem graça, tinha virado
alcoólatra, a vida na Igreja era dura, mas tinha um sentido.
Sentamos na beira do palco – incomodados por uma mosca albina - e
conversamos uns vinte minutos, perguntei se conhecia Whitman? Poe?
Baudelaire? nem ousando os brasileiros, não conhecia mas iria
procurar. Chegou o carro que iria me levar, ele sorriu e me estendeu
a mão, feliz. Um dia, vá conhecer as montanhas de Utah.
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