Já
fazia um ano que, sempre que ia a um sebo - por algum motivo, sempre
os maiores e repletos dos mais antigos originais - buscava
involuntariamente o tal livro, que por diversão chamei de Livro X.
Eu lera uma crítica de um erudito sobre esse texto, que
debateria um difícil problema epistemológico. Eu lembrava que
anotara um trecho citado pelo ensaísta desse debate, de um contista
do século XIX:
"Não
apenas esse exterior nos escapa - por suas impenetráveis
propriedades - como, de mais a mais, nossos órgãos só nos
fornecem, ainda sobre a parcela dele que nos é acessível,
informações tão incertas como escassas (...) Logo, enganamo-nos ao
avaliar o Conhecido, e estamos cercados pelo desconhecido".
Lembro
que o ensaísta comentava algo sobre a relação com a próxima
citação, de Hegel:
"Deus,
ou espírito, como todo ser consciente tem a pulsão de se
externalizar e criar um outro, manifestar-se. O ente humano sendo
conforme a Imagem - o que Deus cria é o próprio Deus - é o
espírito conhecendo subjetivamente, para quem Deus é objeto".
Por
nunca mais ter achado o ensaio, mesmo perguntando à várias pessoas,
cheguei a conclusões incríveis. Quando a alma pareceu ficção e
levou nossas certezas de ciência? A máxima verdade é a máxima dúvida. Anotara trechos de Descartes:
"O
objeto primeiro da ciência deve ser as naturezas simples, que o
intelecto vê intuitivamente, como a figura, a extensão e o
movimento".
"Conhecer
significa alcançarmos uma concepção distinta de como essas
naturezas simples se combinam na composição de outras coisas".
Anotei
ainda algo sobre o argumento central do dualismo, que tem como pilar
a capacidade humana de criar conceitos e expressá-los através de
palavras; sendo as máquinas sistemas de estímulo-resposta, seria
impossível pensar uma máquina capaz de tamanha capacidade de
resposta, flexibilidade e adaptação como o usuário da linguagem
humana.
Seria
apenas isso, a falta de peças, a força do conceito de substância
espiritual? Irônica fonte de séculos de pensamento!
Tento
lembrar o que o texto comentava. Criei para mim a fantasia de que o
ensaísta fazia a relação entre as descrições precisas do
contista, que usava objetos, palavras claras, precisão, armas do
empirismo, para nos ligar ao seu mundo artificial, e a descrição
cientifica fundada na certeza interior geométrica que convence
como ordenação do real. Acho que citava o curioso fato de que, ao
retirarmos a dúvida presente na formulação dos conceitos como
conceitos (a imaginação científica), acabamos por duvidar da nossa
capacidade mesma de ter certezas, já que somos limitados.
Afonso Lima
Nenhum comentário:
Postar um comentário