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quinta-feira, janeiro 23, 2014

Da verdade

Já fazia um ano que, sempre que ia a um sebo - por algum motivo, sempre os maiores e repletos dos mais antigos originais - buscava involuntariamente o tal livro, que por diversão chamei de Livro X. Eu lera uma crítica de um erudito sobre esse texto, que debateria um difícil problema epistemológico. Eu lembrava que anotara um trecho citado pelo ensaísta desse debate, de um contista do século XIX:
"Não apenas esse exterior nos escapa - por suas impenetráveis propriedades - como, de mais a mais, nossos órgãos só nos fornecem, ainda sobre a parcela dele que nos é acessível, informações tão incertas como escassas (...) Logo, enganamo-nos ao avaliar o Conhecido, e estamos cercados pelo desconhecido".
Lembro que o ensaísta comentava algo sobre a relação com a próxima citação, de Hegel:
"Deus, ou espírito, como todo ser consciente tem a pulsão de se externalizar e criar um outro, manifestar-se. O ente humano sendo conforme a Imagem - o que Deus cria é o próprio Deus - é o espírito conhecendo subjetivamente, para quem Deus é objeto".
Por nunca mais ter achado o ensaio, mesmo perguntando à várias pessoas, cheguei a conclusões incríveis. Quando a alma pareceu ficção e levou nossas certezas de ciência? A máxima verdade é a máxima dúvida. Anotara trechos de Descartes:
"O objeto primeiro da ciência deve ser as naturezas simples, que o intelecto vê intuitivamente, como a figura, a extensão e o movimento".
"Conhecer significa alcançarmos uma concepção distinta de como essas naturezas simples se combinam na composição de outras coisas".
Anotei ainda algo sobre o argumento central do dualismo, que tem como pilar a capacidade humana de criar conceitos e expressá-los através de palavras; sendo as máquinas sistemas de estímulo-resposta, seria impossível pensar uma máquina capaz de tamanha capacidade de resposta, flexibilidade e adaptação como o usuário da linguagem humana.
Seria apenas isso, a falta de peças, a força do conceito de substância espiritual? Irônica fonte de séculos de pensamento!
Tento lembrar o que o texto comentava. Criei para mim a fantasia de que o ensaísta fazia a relação entre as descrições precisas do contista, que usava objetos, palavras claras, precisão, armas do empirismo, para nos ligar ao seu mundo artificial, e a descrição cientifica fundada na certeza interior geométrica que convence como ordenação do real. Acho que citava o curioso fato de que, ao retirarmos a dúvida presente na formulação dos conceitos como conceitos (a imaginação científica), acabamos por duvidar da nossa capacidade mesma de ter certezas, já que somos limitados.

Afonso Lima



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