Estava assustado, no fundo, eu iria ganhar uma distinção que meu pai nunca tivera.
Quando o conheci? Num café de Viena, onde se discutia fervorosamente a lenta decadência do demônio de Laplace, do objetivismo da ciência que se considerava indestrutível. Freud parecia nervoso naquele dia.
Eu subi no palco, recebi o diploma, tive a impressão de vê-lo na plateia e desmaiei como o mais tolo animal criado pela evolução.
A culpa sempre é um duplo - escreveu o médico no seu escritório.
O império mais antigo do mundo, antissemitas agredindo pessoas, industria florescente, bancos, a "dissociação", a dança, a música, o teatro: os homens se reuniam no seu clube para debater lógica e epistemologia.
Cruzo uma rua, entro numa viela escura, aquele homem tem um aspecto sombrio, veste-se com desalinho, mas no entanto. No entanto. Serei eu?
Eu fui assistir sua conferência, eram umas vinte pessoas ouvindo alguém que, como Musil, falaria das "secretas existências no homem", e ele falou: os genitores seriam os primeiros objetos dos desejos eróticos da criança, incitada pelos próprios pais; os sentimentos seriam de hostilidade, tanto o como de ternura. Saldo: duas mulheres de chapéu saem entre cochichos, homem alto de terno cinza parece dormir, três homens com jeito de estudantes aplaudem em pé e silêncio.
Agora eu tenho certeza. Ele existe e está neste café. Olhou nessa direção? Eu o convido a sentar-se? Ele está se levantando, se aproxima, estou gelado.
...Na espreguiçadeira do convés, o doutor semidormia: via ao longe o fantasma de sua irmã morta e, mais perto, uma jovem em vestido de verão, que parecia chamá-lo para a vida. - Primeiros rascunhos.
Uma máscara, seu rosto parecia ter se transformado.
"Muito prazer. Arthur. Também tenho consultório. Podemos ser amigos".
Afonso Lima
Nenhum comentário:
Postar um comentário