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segunda-feira, fevereiro 01, 2016

Ela

ela me conta assim:
eu nasci numa favela, um cômodo de madeira, sete pessoas, pia, fogão e camas.
ela fala da mãe com emoção:
ela me disse aos seis anos você é um menino, não pode querer presente de menina, você tem tico.
essa imagem, eu tento pensar no edredom, eu respiro fundo, um cachorro late, o silêncio da noite, a luz dos postes na parede:
depois o pastor me trancou num quarto escuro. ele dizia que eu tinha que ser diferente, eu tinha que honrar o que tinha no meio das pernas, se não eu ia sofrer, eu viveria carregando uma cruz que é a cruz dos que querem ser diferentes, iam me apedrejar na rua e pedra machuca.
eu aceito, ela é loira, ela me conta assim na escuridão:
eu apanhei feito bicho com dezesseis anos, diziam que eu era um arrombado, viado, eu percebi que queriam me obrigar, me forçar a ter vergonha, me forçar a ter medo a violência da palavra.
amanhã, aguarde, a cama é quente, ela é mais forte:
o centro é violento, eu ia tirar minha vida, eu ia me dar fim não era por causa de mim, não por me achar errado, era que eu não podia pensar que minha mãe pensava que eu era ruim, mau-caráter, que a culpa não era de deus, da natureza, de quem fez ovo virar gente.
aceito a luz, olho pela janela, a rua está deserta:
eu sigo meu caminho.

Afonso Lima

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