Eu vejo na frente do mercado público, no largo ao encontro de duas
avenidas, bandeiras, grupos, são sindicalistas, movimento afro, ecologistas,
professores, feministas e estudantes.
Por algum motivo lembro de Dyonelio Machado, que fala no
mercado, o café, o escritório.
A porto alegre de Dyonelio tem um traço fresco, leve, com
sobrados azuis e bondes que soltam homens alinhados de chapéu.
Nada mais terrível que o processo de viver dentro do limite,
mas há poesia na mente que voa, que luta, no olho da mente. É "outro estado de consciência", como se diz do texto de Henry James, mas reto e firme.
É uma cidade cheia de prédios antigos, cheia
de parques, com comércio em pequenos prédios na rua, também melancólica, falta a saída rápida das
megalópolis, mas cria espaços, tem momentos de generosidade, conversa folgada e
relações livres do combate. Anota.
“A tia coloca chocolates e aveia na mala, não vai ficar sem
comer. Cuidado com o carregador do celular, não vai esquecer, tão desligado
esse menino.“
Uma cidade barroca, com amplos passeios, grandes árvores, na qual o sonho parece uma névoa que confunde realidade e imaginação, associações e passos. Onde o cais e os navios são ao lado do exército e dos longos degraus da Nossa Senhora das Dores. O sol se põe na água.
Uma cidade barroca, com amplos passeios, grandes árvores, na qual o sonho parece uma névoa que confunde realidade e imaginação, associações e passos. Onde o cais e os navios são ao lado do exército e dos longos degraus da Nossa Senhora das Dores. O sol se põe na água.
“Na casa do pai fica uma semana. Precisa de coisas novas,
aprender, se não fica triste. Quer ajudar na fabricação da mesa, não faz certo,
ouve o pai pensar 'se ao menos ganhasse bem'. Quer dizer que ganhou algum
dinheiro alguma vez com seu trabalho, fica mudo.”
Dyonelio era criança quando seu pai foi assassinato. Trabalhou desde cedo e, para poder estudar, dava aula para os colegas. Veio estudar medicina em Porto Alegre e divulgou a psicanálise no estado. Foi preso, como membro do Partido Comunista, por ajudar a organizar uma greve. Tornou-se deputado em 1947.
Sente-se confortável, boas instalações, um auditório lotado, caminha até o fim da rua central, sobe a lomba, observa a movimentação que tem algo de calma. Os arcos do viaduto, o dia está claro, vê-se o lago. Você não verá o homem velho de chapéu e bombacha olhando o horizonte na praça central, nem a galinha no quintal em casa do centro, o atendente de supermercado suíço. Aqui, os ambulantes sorriem, a pintura de rua faz companhia aos cafés, um filme cult fica ao lado de Stars Wars.
"Anda de carro com o pai, vão à orla, gosta de ver o 'braço de mar' com as pessoas correndo, flores, caminhos de pinheiros, crianças, 'aqui a prefeitura trabalhou', o sol se esconde, chove".
"Anda de carro com o pai, vão à orla, gosta de ver o 'braço de mar' com as pessoas correndo, flores, caminhos de pinheiros, crianças, 'aqui a prefeitura trabalhou', o sol se esconde, chove".
Então não era mentira, toda aquela coisa de geleiras
derretendo e neves eternas evaporando, o branco brotando e a “economia baseada
em destruição”.
Depois da tempestade, que devia ter nome mais medonho, copas
e galhos cobrem o chão do parque, os troncos quebrados mostram que a poda foi
violenta, algumas árvores bem grossas exibem as raízes e as pessoas tiram
fotos. Há três dias se junta destroços.
Escrevo.
“Aquele dinheiro todo no banco. Metade custa esse Hesíodo.
Mas é a tradução nova, fundador do Ocidente. Ou será Homero? A verdade é que
tem dinheiro prometido, na nuvem, para precipitar. Tem duas moedas, entrega uma
no café.”
Vamos, é preciso fechar a mala, lembro do dia que decidi
poupar dinheiro, o ônibus com os personagens – o zelador, a senhora japonesa, a
baiana que vinha conhecer Gramado, o operário de sessenta anos que ganhou uma
miséria para ir até Manaus servir o banco, poupava nos lanches. Depois de doze horas usa a mente para o cimento encolher.
"Ele sonha: são trinta e seis degraus na escadaria das Dores, vê uma criança cair, não sua tia é que conta o sonho, põe uma mão para a cabeça não bater no degrau. Andam pela cidade à procura das pessoas desaparecidas. Chegam a um local de cerimônia, um homem desenha com tinta preta em um papel, o símbolo parece um círculo".
"Ele sonha: são trinta e seis degraus na escadaria das Dores, vê uma criança cair, não sua tia é que conta o sonho, põe uma mão para a cabeça não bater no degrau. Andam pela cidade à procura das pessoas desaparecidas. Chegam a um local de cerimônia, um homem desenha com tinta preta em um papel, o símbolo parece um círculo".
No aeroporto, as pessoas sérias, frias, tenta um sorriso na
porta do banheiro, improvável. Pelo menos um amigo no banco 12 A.
“Vai na praia, ônibus, a ilha, passa as pedras, uma vida
toda em uma tarde, fez um job. Depois de tantos apertos, um dia de rei. Sua.”
Pensando bem, não viu um policial na rua. Uma notícia de que um centro cultural em homenagem a um poeta está fechado, o governo não pagou a segurança. Agora está na avenida, luzes brancas, o vermelho do carro da polícia, uma faixa negra, eu não roubo merenda, não sou deputado, trabalho todo dia, não roubo meu estado, um homem grita "esses vagabundos", enquanto venda balas. Um morador de rua coloca seu papelão num degrau. Ciclistas se preparam para uma ronda. Um torre com jatos de neon azul.
"a revolução, disse senhor Adams/ ocorreu na cabeça do povo" (Pound)
Afonso Lima
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