Elisabete estava sobre o tapete, escrevendo.
Sua mãe disse que tinha de se arrumar, sua tia precisava de
companhia para o baile.
Ela odiava os bailes.
Foram. Em frente ao salão, pararam os cavalos. Quando
saíam, começa a chover forte. Dentro, já se vê alguns convidados. Elisabete
volta correndo para a carruagem.
- Não posso me molhar. Você sabe que minha saúde é frágil.
Voltam sem aproveitar a festa. A tia vai quebrando tudo
enquanto sobe as escadas. Elisabete tem um acesso de tosse e todos saem para
acudi-la. Subitamente não consegue andar. Chamam o médico.
- Ela não tem nada físico, parece, mas não está fingindo –
diz o homem de barbas cinzentas.
Quando a levam até seu escritório improvisado no sótão,
restos de manuscritos ardem na lareira.
-
Era dia de Páscoa, mas nada parece ressuscitar. Uma nuvem
escura cobre a cidade, o vento inclemente.
Praticamente não sai do sótão. Lê, escreve.
Chegam na cidade inspetores enviados da capital. Algo está
errado, os homens morrem cedo, a fumaça invade as casas, mais da metade das
crianças morrem antes dos seis anos.
O pai recebe os inspetores. Precisam analisar o cemitério paroquial, milhares de corpos lá estão há séculos.
Elisabete observa o movimento desses homens. São altos, carregam
maletas. Um deles parece perceber seu olhar.
Ela quer lhes dizer para incendiarem as fábricas.
-
Ela foi carregada até o jantar.
Tia Elda trazia um jovem poeta seu amigo.
A tia parecia quase normal.
- Uma mulher deve saber falar, mas não à ponto de afastar
um marido – disse pela milésima vez. Elisabete estava irritada.
A tia continuava sua filosofia de igreja. Perguntou, por fim, quando Elisabete iria casar.
- Tia, nós não creio que o Criador nos tenha pensado para vivermos numa gaiola. Podemos ler somente até o ponto em
que vendemos melhor no mercado?
- Essa sua filha será exatamente o tipo de mulher a quem me
refiro. Nenhum homem suporta uma mulher que quer ler versos em latim.
O jovem poeta olhou para Elisabete com um sorriso no olhar.
-
Ele gosta de seus poemas.
Ele gosta de seus poemas.
- E sobre o quê a senhorita tem lido?
- Estou lendo a história de um príncipe oriental que se
apaixona pela pintura de uma mulher. Ele sai pelo mundo e acaba conquistando um
tesouro.
- Duvido dessa teoria burguesa de que todos que não
conseguiram um certo nível de prosperidade e conforto são preguiçosos e têm
algo de errado.
- Concordo. Não acho que metade dessas coisas sejam divinas
ou naturais. Os que estão na base da sociedade são menos inteligentes? Tudo num homem é sua força para conquistar? Eu, por
exemplo, acho que ninguém tem o direito de condenar as mulheres à eterna
bondade.
- Você já leu sobre a Itália?
-
- Os túmulo terão de ser removidos. Árvores serão plantadas
no solo – disse o pai.
- A água é que estava contaminada, disseram os inspetores.
A tia encontrara um namorado, desaparecia agora depois do
jantar e só era vista chegando às escondidas pelo jardim à meia-noite. Dava um
jeito de roubar moedas da mãe.
Ela lia sobre Belacqua,
o músico e criador de instrumentos que esperava em uma rocha com outras almas
dos mortos no Purgatório - por sua extrema preguiça. Mas afinal, o que o Eterno
quer de nós?
Ganhara um livro ilustrado. Copiava cidades-fortaleza no
alto de montes. Vales verdejantes, o mar. Pequenas igrejas de pedra. Arcos que
davam acesso a cidades medievais. Brasões esculpidos nas paredes.
Podia sentir o vento fresco, a luz e o cheiro das vinhas
que vinham do sul.
Não importava que uma tempestade arrancasse agora raízes
antigas. De repente aquela cidade parecia uma cidade vazia e seu coração
sentia-se oprimido.
Quem sabe seu destino não era como fugitiva?
-
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