Turistas familiares, foi assim que minha esposa nos chamou. Do alto se via muita pedra, um rio ao longe, a casa rústica e o casal de idosos que nos atendeu pareciam um retrato de contos de fadas.
Mesmo não entendendo quase nada do que falávamos.
As crianças exaustas, dormiram logo. Levávamos também os filhos de minha irmã, três garotos.
A noite foi de tempestade.
A minha filha primeira não conseguíamos acordar no outro dia. Minha esposa chorou, mas disse que não devíamos nos desesperar, a menina devia estar numa espécie de coma. Nosso sinal havia caído. O rádio avisava que a estrada estava bloqueada.
Dia de angústia e incerteza, mas a dona da casa nos preparou um delicioso prato de carneiro e cebolas.
A luz parecia estranha. É o dia em que o sol fica mais tempo no céu, disse o dono da casa.
Quando, enfim, o fogo e o sono nos levou, estávamos certos de que nossa filha acordaria de alguma forma.
A minha filha segunda também não voltou. Minha mulher estava em pânico. Não adianta sacudir a menina, eu disse. Ela queria sair daquela casa de qualquer jeito.
Como vamos levar nossas filhas? - perguntei.
Pegamos o carro e fomos até o bloqueio da estrada. Ficamos parados ali por horas sem saber o que fazer. Por fim, dormimos.
Nosso filho não acordou. Minha mulher tinha pesados arcos azuis sob os olhos. Estava petrificada. Ouvimos por fim um barulho de polícia e um homem gritou que estava chegando reforços. Gritei sob nossos filhos e o homem pareceu compreender a situação.
Passamos aquela noite ouvindo as máquinas trabalhando e as equipes conversando. Minha mulher queria evitar que as crianças dormissem. Elas adormeceram no raiar do dia.
Já quatro filhos haviam se perdido quando finalmente chegamos no hospital. O médico parecia assustado.
- Estão vivos? - perguntava minha mulher insistente.
O homem apenas mexia a cabeça.
- Isso já aconteceu há muito tempo.
Pediu uma equipe da capital.
Minha mulher, desesperada, queria remédios para evitar que os filhos dormissem. Ela mesma foi sedada.
Perdemos mais três crianças nas noites seguintes. Tentava descobrir se a culpa era minha. Largara a advocacia havia dois anos, enlouquecendo a todos. Tinha feito três filmes, apenas o primeiro fora um sucesso.
Quando a equipe chegou, a imprensa veio junto. Minha mulher vagava agora como louca pelos corredores. As crianças eram monitoradas por aparelhos. Só meus dois meninos ainda estavam acordados.
Nossa primeira filha foi declarada morta. Minha esposa parecia insensível. Sua irmã havia sido chamada para ajudá-la. O enterro foi marcado por um estranho silêncio e o peso da fatalidade. Meu sobrinho não acordou. Mais especialistas chegaram. Todos foram levamos para a capital.
Os médicos decidiram induzir curtos espaços de sono para evitar que as crianças chegassem a adormecer profundamente. Meu segundo sobrinho não despertou. Decidiram induzir uma espécie de sonambulismo, uma privação de sono com semiconsciência.
Nosso segundo sobrinho dormiu e morreu duas horas depois.
Sonhei que minha segunda filha despertou. Nos contou como visitou um edifício com cinco andares. Foi guiada por uma mulher idosa. No último andar, elas sentaram uma de frente para a outra. Lá estavam outras crianças. E nossos mortos.
- Diga-me, o que ocorreu em sua vida? - disse a senhora.
Assim, passou a contar cada dia e, dentro de cada dia, cada coisa que viu, tocou, cada pensamento que passou pela sua mente.
Minha mulher morreu três anos depois. Faz dez anos que estão dormindo agora.
Afonso Lima
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